Publicado em 14 de maio de 2019 às 12:24
As relações entre pais e filhos estão mudando ao longo dos anos. Atitudes comuns, como dar uma palmada e mandar engolir o choro, vêm dando lugar ao diálogo e a empatia.>
O desafio é grande, os pais não são educados para educar, mas muitas pessoas estão empenhadas em aprender novas maneiras de se relacionar e em compartilhar esses ensinamentos. >
Uma delas é a escritora baiana Elisama Santos. Formada em Direito, ela é consultora em educação e mãe do Miguel, de 6 anos, e da Helena, de 4 anos.>
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Em 2012, insatisfeita com a profissão, ela deixou o Direito porque não queria dizer ao filho que trabalhar era um peso na vida. "Em 2019, se alguém perguntar pra eles (os filhos) o que eu faço, eles respondem: 'A mamãe trabalha ajudando as pessoas. Ela ajuda os pais a cuidarem dos sentimentos dos filhos'. E eu digo, de boca cheia: Eu amo trabalhar. Amo!", enfatiza.>
Após o nascimento das crianças, Elisama passou a estudar de forma profunda os princípios da comunicação não-violenta e se deparou com um universo bem mais complexo do que imaginava: lidar com as frustrações dos filhos fala muito mais sobre as nossas dores e feridas emocionais que as próprias atitudes vistas como inadequadas da criança.>
Autora do livro "Educação Não Violenta: como estimular autoestima, autonomia, autodisciplina e resiliência em você e nas crianças, as lições compartilhadas por Elisama fazem sucesso na internet e já tem mais de 70 mil seguidores no Instagram.>
Em entrevista ao Gazeta Online, ela divide suas experiências como mãe e fala sobre limites, erros, culpa, elogios e uso de eletrônicos. Confira a entrevista. >
Quais são os princípios de uma educação não violenta?>
A educação não violenta busca desenvolver nos filhos a inteligência emocional, tão necessária nos dias de hoje. Através do diálogo e fugindo dos caminhos punitivos, buscamos estimular a autodisciplina, autonomia e resiliência em nós e nas crianças.>
Como aplicá-la?>
Mudando o olhar que lançamos sobre os filhos e sobre a educação. Educar de maneira não violenta é um novo paradigma na educação, que pede dos pais esforço e dedicação para adotarem posturas bem diferentes do que tradicionalmente fazemos com as crianças. >
Como estimular a autodisciplina?>
A autodisciplina é incentivada com a reflexão, com o foco na solução de problemas em vez de foco na punição. Enquanto estamos pensando em como punir a criança, deixamos de focar em como descobrir formas mais construtivas de lidar com as situações quando elas ocorrerem novamente.>
É uma educação mais solidária e compreensiva?>
Sim. É uma educação baseada na empatia e na conexão. A educação tradicional desconsidera os sentimentos e as emoções, foca na obediência em vez do desenvolvimento de uma relação de cooperação, enxergando o mau comportamento infantil como algo que surge do nada. Quando nos disponibilizamos a entender o que está por trás do mau comportamento, podemos encontrar formas mais construtivas de lidar com esses gatilhos. >
Quando você decidiu escrever e trabalhar com educação infantil? De onde veio a ideia de escrever o livro?>
Escrevo sobre educação desde o nascimento do meu primeiro filho, Miguel. Mas o fazia apenas para os amigos mais íntimos. Quando a caçula nasceu, comecei a escrever para um público maior e, desde então, meus textos, vídeos e palestras auxiliam pais em todo mundo. Há três anos viajo pelo país ministrando workshops e o livro surgiu do desejo de entregar esse conteúdo para mais pessoas.>
A educação mais antiga era muito baseada na palmada. Qual é a sua opinião sobre bater em crianças?>
Os malefícios são enormes: estimula a mentira (apanho se o adulto descobrir), fere a autoestima e o senso de valor próprio, não oferta ferramentas para a autodisciplina, além de misturar dois conceitos que não deveriam se misturar nunca: violência e amor.>
As crianças, pela própria idade, não sabem lidar bem com as emoções. Como os adultos podem ajudá-las a lidar com a birra, por exemplo?>
A birra é um rótulo que os adultos criaram para desconsiderar os sentimentos infantis. O que chamamos de birra é uma explosão emocional. As emoções são tão intensas que a criança não consegue lidar com elas. O que precisamos é analisar o que está por trás da 'birra'. A criança está frustrada? Triste? Como posso auxiliá-la a lidar com essa emoção? Se está triste e frustrada, em vez de julgá-la posso acolhê-la, dizer que entendo que está triste e que um abraço pode ajudar. Importante dizer que o não deve permanecer. Acolher não significa atender. O que esperamos que a criança faça depois de ouvir um não? 'Muito obrigada, mamãe, que não bem colocado. Que super mãe você é!'. Claro que ela não agirá assim!>
Como exercer a autoridade dos pais sem passar dos limites?>
Autoridade e autoritarismo são coisas muito diferentes. O autoritarismo parte desse abuso do poder, quando nos sentimos proprietários dos nossos filhos. >
Se não estou em condições de fazê-lo, isso fala sobre mim, não sobre a criança. É sinal de que preciso me afastar e recuperar a capacidade de dialogar. Sustentar o 'não' com assertividade e amor é possível e sentimos tanta dificuldade em fazê-lo porque somos pouco capazes de lidar com as nossas emoções, fruto dessa educação que sempre focou no desenvolvimento do raciocínio lógico matemático e e bem pouco na educação emocional.>
Li um texto seu dizendo que não se deve elogiar o filho com a palavra inteligente. Por quê? Qual é a melhor maneira de elogiar os filhos?>
Um estudo foi feito com crianças rotuladas como inteligentes e crianças valorizadas pelo esforço. O primeiro grupo, dos rotulados como inteligentes, passou a temer os desafios por medo de perder o papel de inteligentes. Focavam no resultado e não no processo e não aprendiam com os próprios erros. 40% mentiram sobre as próprias conquistas. Já o grupo dos que foram elogiados pelo esforço e dedicação valorizou os próprios esforços e não temia o desafio, pois o seu compromisso era de dar o melhor de si, não de apenas alcançar um resultado. Se você leu o comentários do texto que cita na pergunta, pode observar inúmeros relatos de pessoas que sofreram por serem rotulados como inteligentes, que não aprenderam a dançar, por exemplo, porque acreditavam que deveriam ser geniais em tudo que faziam e se existia a mínima chance de errar, melhor nem tentar.>
Você diz que não existe rótulo benéfico.>
Rótulos são prisões. Aprisionar uma pessoa a apenas uma pequena parcela de sua personalidade é negar toda a complexidade do ser humano.>
Em regra, crianças boazinhas crescem com dificuldade de dizer não e impor limites e são mais suscetíveis a relações abusivas.>
O que devemos valorizar nas crianças?>
Devemos valorizar os seus esforços, as suas tentativas, a sua existência. Somos incríveis e esquecemos disso porque esperamos realizarmos grandes coisas para nos amar. Cruel isso, não?>
Verdade. E quais são as consequências nos filhos de frases do tipo: 'não fez mais que a sua obrigação?'>
Abalam a autoestima, reduzem a capacidade de comemorar as próprias realizações - e em consequência, de realizar mais.>
Muitos adultos ouviram na infância: 'engole o choro'. Que consequências essa frase pode trazer?>
As consequências são vistas diariamente, nas nossas doenças físicas e emocionais. Somos uma sociedade que sofre de choro preso. Não aprendemos a lidar com as nossas dores, nem a cuidar delas. Atropelamos as nossas emoções e o resultado vivenciamos nas nossas relações como um todo.>
Quais outras frases não devem ser ditas?>
Tantas. 'Não precisa chorar!', 'vou te dar um motivo de verdade pra chorar!', 'criança não tem que querer.'>
Com a melhor das intenções, alguns pais estimulam os filhos a serem melhores em tudo, para que consigam sucesso na carreira. É preciso ter um equilíbrio?>
A criança precisa entender que o resultado, no caso, estar entre os melhores, é consequência do seu esforço e dedicação. >
Como você vê as diferenças na criação de meninos e meninas?>
Meninos podem - e devem - aprender a lavar pratos, arrumar o quarto, arrumar a casa, dobrar a própria roupa e a preparar a comida. Eles também podem brincar de bonecas, visto que cuidar de bebês não é só obrigação das mães e pode ser que sejam pais um dia. Podem abraçar e beijar os amiguinhos, sem qualquer constrangimento. Meninos podem chorar, quanto e quando quiserem. Devem aprender sobre o respeito ao corpo e vontade do outro. E nenhum desses aprendizados convoca uma bruxaria maluca que muda o gênero das crianças ou a sua orientação sexual. Ser mãe de menina ou de menino deveria ser do mesmo jeito: ensinar os serumaninhos a cuidarem de si e do outro, como partes integrantes de uma sociedade, numa relação de interdependência. Meninos não são naturalmente incapazes de conversar, chorar ou cuidar de si e da própria casa, isso é construção social! E está na hora de desconstruir. Um mundo mais igualitário no futuro começa nas crianças que estamos educando hoje.>
O que você acha da ideia de ter que sofrer para aprender?>
É uma triste crença que perpetuamos até hoje. O sofrimento faz parte da vida, viver, dentre outras coisas, dói. Mas não precisamos alimentar o sofrimento por acreditar que somente ele pode ser um mestre eficaz. Bons comportamentos surgem de bons sentimentos.>
Com muitos estímulos, as crianças não têm paciência, por exemplo, de ver um comercial na TV ou internet. O que os pais podem fazer para trabalhar a paciência e a espera?>
Deixando que as crianças esperem. Os pais também não têm paciência para ouvir as reclamações infantis e sustentar o aprendizado. Atendem a criança para não vê-la chorar, aceleram a vida para que a criança não precise fazer nada. A espera faz parte da vida, o tédio é um sentimento com o qual precisamos aprender a lidar. "É, filho, esperar é realmente difícil às vezes. Podemos desenhar enquanto esperamos, o que acha?", em vez de ligar pra pizzaria antes de sair de casa para evitar a espera do preparo.>
Hoje o trabalhar muito para dar o melhor aos filhos virou um objetivo de vida, mas será que as crianças precisam de tantos bens materiais para serem felizes? Ou elas estão carentes do tempo dos pais?>
Infelizmente o excesso de trabalho, o celular e o consumo têm sequestrado a qualidade do tempo que passamos com os nossos filhos.>
A nossa sociedade foca muito no resultado e na eficiência. Como trabalhar os erros na educação das crianças?>
Erros fazem parte do processo de qualquer aprendizado. Precisamos que as nossas crianças encarem o erro como algo natural, que olhem para as próprias atitudes com olhar de curiosidade em vez de sofrimento e culpa. Buscar aprender com os erros é o melhor caminho.>
Todo dia você aprende a ser uma mãe melhor? Conta o caso da lancheira esquecida.>
Educar é um aprendizado diário, um exercício de autoeducação. Miguel havia esquecido a lancheira, foi a quarta vez desde que as aulas começaram. E, como é a regra, reclamamos e frisamos que era a quarta vez. No dia seguinte, quando fui deixá-lo na escola, tentei mostrar o quanto ele era capaz de acertar. Nos quase 60 dias letivos ele esqueceu apenas quatro, o que significa que lembrou 56 dias! Ao focar nos acertos como forma de incentivo e motivação, ele percebeu que era capaz de acertar. >
Hoje, um grande desafio é o uso de eletrônicos e internet. Qual orientação você deixa aos pais?>
Crianças e adolescentes não têm maturidade ou desenvolvimento psicológico suficiente para que regulem o uso os eletrônicos, essa é uma função dos pais. Fazer acordos quanto ao uso e estabelecer horários e regras, cobrando pelo seu cumprimento, é papel do adulto. Precisamos assumir as nossas responsabilidades e entender, como eu disse acima, que a criança pode se chatear, e tudo bem. Ela não precisa aceitar as regras soltando fogos de felicidade.>
Como lidar com frases dos filhos: "Quero que você morra" ou "Eu te odeio"?>
Crianças ainda estão desenvolvendo as habilidades sociais e não filtram muito bem os pensamentos que podem ou não serem ditos. Os pais precisam dizer que compreendem o sentimento, mas não a forma que está expressando esse sentimento. "Entendo que esteja com raiva. Encontre outra forma de me falar e nós conversamos.">
Em uma sociedade com pressa, competitiva e intolerante aos erros e violenta, como criar os filhos para o amor e a solidariedade?>
Sendo exemplo do que queremos que sejam. A modelagem de comportamento é a melhor ferramenta educacional.>
Estou sendo amorosa e solidária como desejo que a minha criança seja?>
São tantas mudanças na maneira de educar os filhos que os pais sofrem com os próprios erros. Eles também precisam ser mais tolerantes consigo mesmos?>
A autocompaixão pode transformar as nossas relações, sobretudo com os filhos. >
Nossos pais fizeram o melhor que podiam, com as ferramentas que tinham. A questão não é que pais eles foram, mas que pai e mãe somos de nós mesmos. Como lido com meus erros e acertos pode mudar a vida.>
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