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Publicado em 7 de novembro de 2025 às 13:34
Com a fatia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a receber do governo do Espírito Santo em queda desde 2021, a Prefeitura de Vitória entrou na Justiça contra a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) para ter acesso a dados fiscais dos contribuintes de todos os municípios capixabas nos últimos cinco anos. >
A alegação é que a falta desses dados impede a verificação do cálculo do Índice de Participação dos Municípios (IPM), o que resultaria em perdas significativas de receita do ICMS para a Capital. A disputa fiscal envolve também a Serra, que atualmente desponta na liderança da divisão do repasse referente ao imposto estadual, e também Cariacica, que tem a terceira maior parte do IPM.>
Depois de mais de uma década na liderança com a maior fatia do repasse, Vitória ocupa atualmente o segundo lugar no IPM provisório para 2026 divulgado em setembro, com 10,75%. A Serra está no topo da lista desde 2023 e, para 2026, tem projeção de ficar com 14,88% da receita. Já Cariacica tem visto sua cota-parte aumentar. Para 2026, consta na terceira posição (10,03%), colado na Capital (10,75%). >
No pedido feito à Justiça, a Prefeitura de Vitória afirma que o patamar da sua fatia foi considerado muito inferior aos anos anteriores, o que implicaria em perdas superiores a R$ 130 milhões para a Capital (confira em gráfico, mais abaixo do texto, a evolução do IPM da cidade). >
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Por lei, os municípios têm direito a acessar as Declarações de Operações Tributáveis (DOTs) apenas dos contribuintes sediados em seu próprio território. Esse acesso serve para que a administração municipal possa conferir e impugnar o IPM provisório divulgado pelo Estado, caso discorde do cálculo. >
Segundo informações da Sefaz, do total arrecadado em ICMS, 25% são repassados aos 78 municípios do Espírito Santo, de acordo com o resultado do índice de participação, a partir de critérios estabelecidos em lei. >
O maior peso no cálculo do IPM fica a cargo do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que representa 75% do índice e é baseado na geração de riquezas de cada município, considerando a atividade econômica das indústrias, do comércio e dos demais setores, inclusive a atividade rural.>
Depois de a Justiça ter autorizado o acesso aos dados, Vitória teria passado a notificar empresas localizadas em outros municípios para que fizessem alterações nas DOTs ou corrigissem as documentações fiscais. Nos autos, a desembargadora Marianne Júdice detalha que o governo do Espírito Santo, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), disse que recebeu ofício do prefeito da Serra, Weverson Meireles, informando sobre as notificações feitas pela Prefeitura da Capital a empresas do município.>
Posteriormente, o governo estadual apresentou um recurso pedindo a suspensão do acesso de Vitória às informações fiscais, alegando que a administração da Capital estava extrapolando o uso dos dados ao notificar contribuintes de outras municipalidades. A desembargadora, então, determinou que a Prefeitura de Vitória parasse de fazer as notificações, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.>
Por nota, a Prefeitura de Vitória informa que solicitou o fornecimento de dados referentes à partilha do ICMS, com o objetivo de assegurar igualdade e transparência em relação a todos os municípios do Estado.>
A administração municipal acrescenta que não pode se manifestar de forma mais detalhada, considerando a possível exposição de dados de terceiros, contribuintes do ICMS e sigilo fiscal previsto em lei. >
Ressalta, ainda, que está aberta ao diálogo republicano entre os entes envolvidos no tema e aguarda o desfecho do processo para se manifestar oficialmente.>
O subprocurador-geral para Assuntos Jurídicos da PGE, Lívio Oliveira Ramalho, explica que as prefeituras não têm poder para fiscalizar e notificar contribuintes, especialmente em outros territórios. E lembra que a competência para fiscalizar o ICMS, um tributo estadual, é exclusiva do governo do Estado. >
Segundo ele, o máximo que um município poderia fazer, ao identificar um equívoco, seria comunicar a Sefaz para que o Estado fizesse a notificação e a correção necessária. "A ampliação do acesso aos dados gera um risco ao sigilo fiscal", observa Ramalho.>
Para o subprocurador-geral, esse enfrentamento está prejudicando a própria fixação do IPM de 2026, que já deveria ter saído a essa altura. >
"Se todo mundo ficar notificando para que o contribuinte fique mudando a Declaração de Operação Tributável, nunca vai se chegar no percentual. Já está gerando um risco, porque o o IPM tem que ser publicado para começar a valer no ano que vem. Há um risco de que o ano acabe sem a definição de qual é o índice de cada município para fazer a distribuição", alerta.>
O secretário de Estado da Fazenda da Serra, Henrique Valentim, afirma que a Prefeitura da Serra tomou conhecimento das notificações realizadas por Vitória a partir de relatos feitos por empresários da cidade entre o final de agosto e o início de setembro, mesma época em que foi divulgado o IPM provisório pela Sefaz. >
Sobre o fato de a Serra ter ampliado nos últimos anos a sua participação no IPM, o secretário destaca que o município assumiu a liderança a partir de 2022, superando Vitória.
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"Isso tem muito a ver com o dinamismo e o crescimento da economia da cidade. Os números já mostram que a Serra hoje tem o maior PIB do Estado. Então, é natural que as informações e os valores econômicos gerados pela cidade sejam consideráveis. A Serra tem atingido esse protagonismo e variado as opções de crescimento econômico. Isso se reflete na distribuição do ICMS, inclusive muito mais do que checagem de dados fiscais", afirma Valentim.>
A Prefeitura de Cariacica informa que as empresas do município foram, de fato, notificadas pela Prefeitura de Vitória. Essas notificações teriam decorrido do acesso, por meio de decisão judicial, a informações referentes às Declarações de Operações Tributáveis (DOTs).>
Diante desse cenário, a Prefeitura de Cariacica afirma também ter acionado a Justiça, requerendo uma liminar que garanta ao município o mesmo acesso às informações concedidas à Prefeitura de Vitória.>
A administração municipal reafirma que vem atuando dentro dos limites legais para aprimorar seu índice de participação no repasse do ICMS. Informa que o trabalho é conduzido com foco nos contribuintes do própria cidade que se encontram omissos ou que apresentaram DOTs com inconsistências, visando corrigir eventuais falhas e fortalecer a arrecadação.>
O prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, atribuiu as ações de Vitória ao "desespero", afirmando que o município estaria "em queda livre na arrecadação". Ele argumenta que, enquanto a Capital não tem espaço e não atrai empresas, Cariacica se destaca na atração de negócios, contabilizando 40 mil novas empresas nos últimos quatro anos e meio, o que se reflete no aumento da movimentação econômica da cidade.>
"Nós já pedimos um liminar para termos o mesmo acesso que a Prefeitura de Vitória teve, porque se ele quer uma guerra fiscal com Cariacica e Serra, vamos ver quem vai tomar mais prejuízo no final. E vai ser Vitória", declara Sampaio. >
Para o economista Vaner Corrêa, a queda dos números de Vitória no índice do ICMS se deve principalmente ao crescimento acelerado e ao dinamismo econômico de municípios vizinhos, como Serra e Cariacica. >
Corrêa observa que Vitória já foi uma capital riquíssima, mas hoje áreas como o Centro perderam o dinamismo econômico de décadas passadas. Na opinião dele, a falta de ação para revitalizar o região histórica da cidade, como a redução do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), reflete essa estagnação.>
Vaner Corrêa afirma que gráficos da performance econômica demonstram que a Serra, um município industrial, vem ganhando cada vez mais atividade econômica, industrial e comercial. Cariacica também experimenta crescimento e atrai muitas empresas. >
“A distribuição do ICMS beneficia os que têm melhor performance – ou seja, empresas que vendem mais e têm mais movimentação financeira", salienta. >
Corrêa sugere que a solução para Vitória não é a disputa judicial, mas sim melhorar seu espaço geográfico e atrair empresas. Para o economista, o município deveria investir em um projeto de longo prazo, focado em trazer matrizes econômicas para a Capital, de forma a melhorar a participação na distribuição do ICMS. Ele lembra que, se a receita cair muito, as entregas para os moradores serão reduzidas, forçando o município a compatibilizar despesas.>
Em geral, no repasse dos 25% da arrecadação de ICMS dos Estados para os municípios, a regra histórica era que, no mínimo, 75% desse montante fossem distribuídos conforme o Valor Adicionado Fiscal (VAF) — que mede a atividade econômica local — e o restante por critérios definidos em lei estadual. >
Desde de 2024, o cálculo do IPM está sendo regido pela Lei Estadual n° 11.227/20 (e alterações). A principal novidade é a inserção do Índice de Qualidade Educacional (IQE) em sua composição. No primeiro ano, em 2024, o IQE foi de 10%; em 2025, 12%; e, a partir de 2026, de 12,5%.>
Segundo a Sefaz, no geral, a distribuição entre os municípios considera os seguintes critérios:>
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