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Vitória entra em disputa com governo, Serra e Cariacica por fatia maior do ICMS

Vitória entra em disputa com governo, Serra e Cariacica por fatia maior do ICMS

Após obter, via Justiça, acesso a dados de contribuintes de todos os municípios, Prefeitura da Capital teria notificado empresas de cidades vizinhas para corrigirem informações fiscais; Estado apresentou recurso e conseguiu barrar ação

Publicado em 7 de novembro de 2025 às 13:34

Sedes das Prefeituras de Vitória, Serra e Cariacica e do governo do Estado
Prefeitura de Vitória entrou em disputa fiscal com Serra, Cariacica e governo do Estado Crédito: Ricardo Medeiros

Com a fatia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a receber do governo do Espírito Santo em queda desde 2021, a Prefeitura de Vitória entrou na Justiça contra a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) para ter acesso a dados fiscais dos contribuintes de todos os municípios capixabas nos últimos cinco anos.

A alegação é que a falta desses dados impede a verificação do cálculo do Índice de Participação dos Municípios (IPM), o que resultaria em perdas significativas de receita do ICMS para a Capital. A disputa fiscal envolve também a Serra, que atualmente desponta na liderança da divisão do repasse referente ao imposto estadual, e também Cariacica, que tem a terceira maior parte do IPM.

Depois de mais de uma década na liderança com a maior fatia do repasse, Vitória ocupa atualmente o segundo lugar no IPM provisório para 2026 divulgado em setembro, com 10,75%. A Serra está no topo da lista desde 2023 e, para 2026, tem projeção de ficar com 14,88% da receita. Já Cariacica tem visto sua cota-parte aumentar. Para 2026, consta na terceira posição (10,03%), colado na Capital (10,75%). 

No pedido feito à Justiça, a Prefeitura de Vitória afirma que o patamar da sua fatia foi considerado muito inferior aos anos anteriores, o que implicaria em perdas superiores a R$ 130 milhões para a Capital (confira em gráfico, mais abaixo do texto, a evolução do IPM da cidade). 

Por lei, os municípios têm direito a acessar as Declarações de Operações Tributáveis (DOTs) apenas dos contribuintes sediados em seu próprio território. Esse acesso serve para que a administração municipal possa conferir e impugnar o IPM provisório divulgado pelo Estado, caso discorde do cálculo.

Segundo informações da Sefaz, do total arrecadado em ICMS, 25% são repassados aos 78 municípios do Espírito Santo, de acordo com o resultado do índice de participação, a partir de critérios estabelecidos em lei. 

O maior peso no cálculo do IPM fica a cargo do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que representa 75% do índice e é baseado na geração de riquezas de cada município, considerando a atividade econômica das indústrias, do comércio e dos demais setores, inclusive a atividade rural.

Depois de a Justiça ter autorizado o acesso aos dados, Vitória teria passado a notificar empresas localizadas em outros municípios para que fizessem alterações nas DOTs ou corrigissem as documentações fiscais. Nos autos, a desembargadora Marianne Júdice detalha que o governo do Espírito Santo, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), disse que recebeu ofício do prefeito da Serra, Weverson Meireles, informando sobre as notificações feitas pela Prefeitura da Capital a empresas do município.

Posteriormente, o governo estadual apresentou um recurso pedindo a suspensão do acesso de Vitória às informações fiscais, alegando que a administração da Capital estava extrapolando o uso dos dados ao notificar contribuintes de outras municipalidades. A desembargadora, então, determinou que a Prefeitura de Vitória parasse de fazer as notificações, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.

O que diz a Prefeitura de Vitória

Por nota, a Prefeitura de Vitória informa que solicitou o fornecimento de dados referentes à partilha do ICMS, com o objetivo de assegurar igualdade e transparência em relação a todos os municípios do Estado.

A administração municipal acrescenta que não pode se manifestar de forma mais detalhada, considerando a possível exposição de dados de terceiros, contribuintes do ICMS e sigilo fiscal previsto em lei.

Ressalta, ainda, que está aberta ao diálogo republicano entre os entes envolvidos no tema e aguarda o desfecho do processo para se manifestar oficialmente.

O que diz o governo

O subprocurador-geral para Assuntos Jurídicos da PGE, Lívio Oliveira Ramalho, explica que as prefeituras não têm poder para fiscalizar e notificar contribuintes, especialmente em outros territórios. E lembra que a competência para fiscalizar o ICMS, um tributo estadual, é exclusiva do governo do Estado.

Segundo ele, o máximo que um município poderia fazer, ao identificar um equívoco, seria comunicar a Sefaz para que o Estado fizesse a notificação e a correção necessária.  "A ampliação do acesso aos dados gera um risco ao sigilo fiscal", observa Ramalho.

Para o subprocurador-geral, esse enfrentamento está prejudicando a própria fixação do IPM de 2026, que já deveria ter saído a essa altura.

"Se todo mundo ficar notificando para que o contribuinte fique mudando a Declaração de Operação Tributável, nunca vai se chegar no percentual. Já está gerando um risco, porque o o IPM tem que ser publicado para começar a valer no ano que vem. Há um risco de que o ano acabe sem a definição de qual é o índice de cada município para fazer a distribuição", alerta.

O secretário de Estado da Fazenda da Serra, Henrique Valentim, afirma que a Prefeitura da Serra tomou conhecimento das notificações realizadas por Vitória a partir de relatos feitos por empresários da cidade entre o final de agosto e o início de setembro, mesma época em que foi divulgado o IPM provisório pela Sefaz. 

Sobre o fato de a Serra ter ampliado nos últimos anos a sua participação no IPM, o secretário destaca que o município assumiu a liderança a partir de 2022, superando Vitória.

"Isso tem muito a ver com o dinamismo e o crescimento da economia da cidade. Os números já mostram que a Serra hoje tem o maior PIB do Estado. Então, é natural que as informações e os valores econômicos gerados pela cidade sejam consideráveis. A Serra tem atingido esse protagonismo e variado as opções de crescimento econômico. Isso se reflete na distribuição do ICMS, inclusive muito mais do que checagem de dados fiscais", afirma Valentim.

Cariacica também entra na Justiça

Prefeitura de Cariacica informa que as empresas do município foram, de fato, notificadas pela Prefeitura de Vitória. Essas notificações teriam decorrido do acesso, por meio de decisão judicial, a informações referentes às Declarações de Operações Tributáveis (DOTs).

Diante desse cenário, a Prefeitura de Cariacica afirma também ter acionado a Justiça, requerendo uma liminar que garanta ao município o mesmo acesso às informações concedidas à Prefeitura de Vitória.

A administração municipal reafirma que vem atuando dentro dos limites legais para aprimorar seu índice de participação no repasse do ICMS. Informa que o trabalho é conduzido com foco nos contribuintes do própria cidade que se encontram omissos ou que apresentaram DOTs com inconsistências, visando corrigir eventuais falhas e fortalecer a arrecadação.

O prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, atribuiu as ações de Vitória ao "desespero", afirmando que o município estaria "em queda livre na arrecadação". Ele argumenta que, enquanto a Capital não tem espaço e não atrai empresas, Cariacica se destaca na atração de negócios, contabilizando 40 mil novas empresas nos últimos quatro anos e meio, o que se reflete no aumento da movimentação econômica da cidade.

"Nós já pedimos um liminar para termos o mesmo acesso que a Prefeitura de Vitória teve, porque se ele quer uma guerra fiscal com Cariacica e Serra, vamos ver quem vai tomar mais prejuízo no final. E vai ser Vitória", declara Sampaio. 

Crescimento acelerado dos vizinhos

Para o economista Vaner Corrêa, a queda dos números de Vitória no índice do ICMS se deve principalmente ao crescimento acelerado e ao dinamismo econômico de municípios vizinhos, como Serra e Cariacica.

Corrêa observa que Vitória já foi uma capital riquíssima, mas hoje áreas como o Centro perderam o dinamismo econômico de décadas passadas. Na opinião dele, a falta de ação para revitalizar o região histórica da cidade, como a redução do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), reflete essa estagnação.

Vaner Corrêa afirma que gráficos da performance econômica demonstram que a Serra, um município industrial, vem ganhando cada vez mais atividade econômica, industrial e comercial. Cariacica também experimenta crescimento e atrai muitas empresas.

“A distribuição do ICMS beneficia os que têm melhor performance – ou seja, empresas que vendem mais e têm mais movimentação financeira", salienta.

Corrêa sugere que a solução para Vitória não é a disputa judicial, mas sim melhorar seu espaço geográfico e atrair empresas. Para o economista, o município deveria investir em um projeto de longo prazo, focado em trazer matrizes econômicas para a Capital, de forma a melhorar a participação na distribuição do ICMS. Ele lembra que, se a receita cair muito, as entregas para os moradores serão reduzidas, forçando o município a compatibilizar despesas.

Cálculo do IPM

Em geral, no repasse dos 25% da arrecadação de ICMS dos Estados para os municípios, a regra histórica era que, no mínimo, 75% desse montante fossem distribuídos conforme o Valor Adicionado Fiscal (VAF) — que mede a atividade econômica local — e o restante por critérios definidos em lei estadual.

Desde de 2024, o cálculo do IPM está sendo regido pela Lei Estadual n° 11.227/20 (e alterações). A principal novidade é a inserção do Índice de Qualidade Educacional (IQE) em sua composição. No primeiro ano, em 2024, o IQE foi de 10%; em 2025, 12%; e, a partir de 2026, de 12,5%.

Segundo a Sefaz, no geral, a distribuição entre os municípios considera os seguintes critérios:

  • VAF: 75%
  • IQE (Índice de Qualidade Educacional): 12%
  • Área do município: 0,5%
  • IQPR (Índice de Quantidade de Propriedades Rurais): 3,5%
  • ICR (Índice de Comercialização Rural): 6%
  • IQS (Índice de Qualidade de Serviços de Saúde): 3%
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