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Além da Unimed: perda com investimento quase quebrou indústria no ES

Além da Unimed: perda com investimento quase quebrou indústria no ES

Cooperativa não foi  a 1ª empresa capixaba a ter rombo com aplicação em derivativos, em que valor das operações está atrelado ao do produto original e, por isso, pode oferecer riscos, que devem ser ajustados conforme objetivo do investidor; confira

Publicado em 13 de junho de 2023 às 12:38

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Empresa Aracruz Celulose inaugurada na década de 70
Empresa Aracruz Celulose, inaugurada na década de 70. (Juvenil de Souza/Memória Capixaba)

Como o próprio nome sugere, derivativos são investimentos que derivam de outros ativos, que podem ser produtos físicos, ou financeiros, como ações, moedas, produtos de exportação e taxa de juros, por exemplo. Os tipos mais conhecidos são as opções, os contratos a termo e os futuros, mas também há outras possibilidades.

O valor das operações está atrelado ao do produto original e, justamente por isso, é um investimento que pode oferecer riscos, como liquidez, comportamento dos ativos, entre outros, mas também risco de crédito e operacional.

O risco de crédito, especificamente, diz respeito à possibilidade de a contraparte não cumprir com suas obrigações — que, tudo sugere, foi a causa do colapso de um fundo da Infinity Asset, que prejudicou mais de seis mil cotistas, entre eles a Unimed Vitória, que tinha uma aplicação de R$ 165 milhões, e outras 29 cooperativas da rede, inclusive a Piraqueaçu, que também atende municípios do Espírito Santo.

O fundo contratado pela Unimed se chamava Select e era comercializado pela Infinity como um investimento conservador, de baixo risco. No entanto, as suspeitas é de que a aplicação contava na carteira com derivativos feitos pela própria gestora, sendo ela a garantia, fator que contribuiu para que perdesse o credenciamento junto à Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Segundo analistas, o prejuízo é provável.

Unimed
Unimed Vitória teve prejuízo de R$ 165 milhões com fundo da Infinity Asset. (Unimed/Divulgação)

Sócio-fundador da Pedra Azul Investimentos, Lélio Monteiro observa que os derivativos precisam sempre servir a um propósito, e podem tanto ser utilizados para tomar mais risco, a partir da carteira de investimentos, como para hedge ou proteção, diminuindo o risco de mercado nas suas posições e suavizando a volatilidade da carteira. “Existem fundos conservadores, que são baseados em derivativos, mas são seguros, são bem geridos.”

O problema, ele avalia, começa caso os derivativos sejam utilizados para abrir posições de risco que os investidores não poderiam tomar, em desacordo com a estratégia proposta.

Entenda os termos

Derivativos: são contratos financeiros que têm um valor derivado de outros ativos, como ações, moedas, produtos de exportação e taxa de juros.

Contratos a termo: o contrato de compra ou de venda é firmado e, assim, os investidores envolvidos na negociação são obrigados a comprar ou vender determinado ativo em uma determinada data pelo preço estabelecido no momento em que o contrato foi realizado. Esse tipo de derivativo pode ser negociado em bolsa ou no mercado de balcão organizado.

Contratos futuros: assume-se o compromisso de comprar ou vender determinado ativo em uma data e por um valor pré-definido. A principal diferença entre esses tipos de investimento está no formato da liquidação. Enquanto no mercado a termo a liquidação do contrato só pode ser feita na data de vencimento, no mercado futuro os ativos passam por um ajuste diário. Além disso, os contratos futuros só podem ser negociados na B3.

Contratos de opções: os contratos de opções não são feitos sobre os ativos, mas sobre a possibilidade de um investidor comprar ou vender ativos dentro de um tempo determinado. De forma simples: o investidor A acredita que as ações detidas pelo investidor B podem subir nos próximos meses. Por isso, ele propõe um contrato em que ele tem o direito de comprar esses papéis em uma data X, por um preço já firmado anteriormente. Se, na data de vencimento, as ações realmente tiverem se valorizado e o investidor A quiser comprá-las, ele pagará um preço mais em conta, conforme o que foi definido no contrato. Já se os ativos viveram um período de queda e o investidor A não quiser mais adquiri-los, ele só precisará pagar um prêmio ao investidor B (bem mais em conta do que o preço das ações).

Não é a primeira vez que uma empresa atuante no Espírito Santo lida com rombos provocados por derivativos. Em 2008, a antiga Aracruz Celulose teve perdas bilionárias em razão da aplicação em operações cambiais.

Quando a crise internacional dos empréstimos subprime eclodiu nos Estados Unidos, o dólar disparou, provocando perdas a pelo menos 300 empresas, entre pequenos negócios e gigantes como a Aracruz, que utilizavam o mesmo tipo de derivativo.

Na época, o ex-diretor financeiro da empresa, Isac Zagury, relatou ao jornal Estado de S. Paulo que a Aracruz chegou a operar com 12 bancos diferentes em contratos que foram oferecidos naquele ano, chamados "sell target foward", em que as empresas definem um valor para a moeda americana pela qual venderão seus dólares a cada mês, chamado de strike.

Caso o dólar ficasse abaixo desse patamar, a empresa poderia vender os dólares para a instituição financeira pelo valor de referência, ganhando a diferença. Mas se a moeda superasse a meta, a empresa teria de pagar duas vezes a quantidade de dólares para o banco.

Zagury também relatou que, com o dólar estável, os ganhos com derivativos cambiais bancários foram de US$ 50 milhões de abril a agosto daquele ano, enquanto as operações na Bolsa de Mercadorias e Futuros — que também pode ser chamada de Bovespa BMF e outros nomes — haviam lhes rendido cerca de US$ 350 milhões entre o final de 2004 até junho de 2008.

“Na BM&F é preciso rolar os contratos mês a mês. Os bancos ofereceram um produto com venda de câmbio em prazo mais longo. Isso convinha às empresas. Já que eu tinha um fluxo de exportação, prefixava meu câmbio e me protegia. E sempre numa curva ascendente, o que para nós, como exportadores, era interessante. É um produto que já veio de outros países. A Aracruz não foi a primeira a fazer isso. Quando começamos a fazer, já havia várias empresas grandes fazendo”, disse o ex-diretor em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo, em 2010.

A principal diferença dos instrumentos de derivativos na BM&F e nos bancos era o prazo, que era mais longo no segundo caso, e foi considerado interessante pelas empresas. As operações só eram interrompidas se o valor do dólar atingisse um patamar "x".

“Você tinha uma chance enorme de ganhar. Até agosto, praticamente todo mundo ganhou. O que aconteceu é o que se chama em Direito de teoria da imprevisibilidade. Um fato extra, totalmente fora de controle dos agentes econômicos, uma crise internacional sem precedentes, que modificou totalmente o câmbio. E, aí, ninguém tem controle sobre isso.”

A perda da Aracruz Celulose com os derivativos foi estimada em US$ 2,3 bilhões (cerca de R$ 5 bilhões). Em 2009, a companhia foi alvo de uma reestruturação que deu origem à Fibria, fundida, anos mais tarde, com a Suzano.

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