O que é um pontinho azul e vermelho que vem chamando a atenção dos moradores da Capital Secreta do mundo com acrobacias de tirar o fôlego? Caso fosse no cinema, fatalmente o Super Homem viria à mente, mas como aqui é vida real e bem longe da ficção, a resposta correta para esta pergunta é um avião, mais precisamente um Extra EA-300. A bordo dele está o piloto Raf Reim, que pratica aviação acrobática no Aeroclube de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo.
O modelo é especialmente pensado para voos acrobáticos, lazer e treinamento individual. No comando de um piloto e com lugar para um passageiro, a aeronave pode alcançar os 400km/h. Capaz de competir na categoria ilimitada, o Extra 300 é “praticamente inquebrável”, nas palavras de Raf. Com ele, é possível suportar a ação da chamada força G (aceleração da gravidade em relação ao piloto) e realizar manobras arrojadas com elevado grau de dificuldade.
”Sempre pensei em investir em segurança e fui subindo degrau por degrau até chegar nesse avião. Apesar de ele permitir manobras extremas, meus voos são bem tranquilos, recreativos, mais suaves. Mas se for preciso, sei que estou com uma aeronave altamente segura. É como dizem: melhor sobrar do que faltar. E comigo, sobra avião para a maneira como voo”, garante o piloto.
Sai o carro, entra o avião
O hobby foi descoberto por acaso: o empresário cachoeirense, de 53 anos, procurou uma solução prática e descobriu uma nova paixão em meio à rotina. Antes de voar, Raf viajava de carro com frequência para as demandas do trabalho. Isso mudou quando um amigo o convidou para ir de avião até Juiz de Fora, em Minas Gerais.
As sete horas ao volante se transformaram em um voo de apenas sessenta minutos, praticidade que encantou o empresário e o ajudou na expansão dos negócios. Desde então, já são cerca de quinze anos com a habilitação para pilotar em mãos e muitas aeronaves diferentes pelos céus.
“Com o tempo, comecei a pensar: 'e se acontecer alguma coisa durante o voo? E se o avião entrar em ‘parafuso’?”, relembra. Ao ver notícias sobre um acidente aéreo, Raf se questionou sobre a capacidade de reação dele em situações extremas e decidiu se inscrever em um curso de recuperação de voo em atitudes anormais na cidade de Americana, no interior de São Paulo.
Raf Reim
Empresário e piloto de avião
"Em uma linguagem mais simples, nos ensinam a recuperar o controle do avião se ele estiver caindo"
No curso, o aviador se destacou por sempre manter a calma em situações críticas, o que chamou a atenção de um instrutor que o incentivou a seguir para a acrobacia aérea. A princípio ele não se interessou e deixou claro que esse não era o objetivo, já que buscava segurança e não adrenalina durante os voos.
"Eu não queria fazer acrobacia, mas aí o instrutor me disse: ‘Pois é, Raf, a acrobacia precisa de pessoas como você porque exige disciplina, responsabilidade, cautela, atenção… é coisa de gente com sangue-frio, que executa com precisão’. Aquilo ficou na minha cabeça. Ele insistiu e me propôs fazer dez horas de aulas”, conta.
Virou paixão
E nem foi preciso completar as aulas: em apenas seis horas, Raf se apaixonou pelo esporte radical e decidiu finalizar o curso, se tornando também habilitado para praticar acrobacias aéreas. No entanto, ele ressalta que ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, a concentração e a cautela no voo devem ser maiores do que a adrenalina.
“Muita gente acha que fazer acrobacia aérea é coisa de ‘doidão’, corajoso ao extremo, mas é o oposto. Quem faz são geralmente os mais cautelosos, atentos e muitas vezes até os mais medrosos — no bom sentido. É tudo planejado e milimetricamente controlado. Quem vê de fora acha que é liberdade total, mas não é. Durante um voo acrobático, a tensão é muito maior e a margem de erro é praticamente zero”, afirma.
Mesmo exigindo muita disciplina, a acrobacia é uma atividade que o empresário busca praticar ao menos uma vez por semana. Ele diz que não participa de campeonatos, mas é convidado anualmente para fazer parte.
“Um dia talvez eu vá, só que não é meu foco. A acrobacia para mim é uma forma de me divertir e ajuda a deixar a disciplina, os reflexos e os instintos da aviação sempre treinados. É um exercício constante para manter a mão firme e é apaixonante”, diz.
Histórias de aviação
Diversão boa é compartilhada e Raf sabe bem disso. Os amigos e familiares do piloto também já voaram de carona no Extra 300 — e todos adoraram a experiência. É claro: para quem é “café com leite” no esporte, os voos são mais suaves, com manobras abertas, amplas e em menor velocidade para garantir uma boa experiência.
Quando voa sozinho, o aviador pode realizar acrobacias complexas e em maiores altitudes, porém se um passageiro se anima para experimentar a adrenalina, a aventura apenas pode ser realizada sobre a pista do aeroporto da Capital Secreta.
A localização é uma medida de segurança: se o "carona" passar mal, em menos de um minuto é possível pousar.
“Nesse caso eu falo: ‘Respira fundo que em um minuto a gente está no chão’. O objetivo do voo acrobático não é fazer ninguém passar mal, mas se divertir. É como andar de barco, tem gente que vai tranquilo, outros enjoam. Então, para não correr risco, faço tudo com muita cautela e em área segura”, explica o piloto.
Diferente de tudo
Além de curtir a vista privilegiada e única no céu, os voos proporcionam "novos olhares" de pontos turísticos do Sul do ES, sobrevoando Cachoeiro de Itapemirim, indo até o Pico do Itabira e passando pela Pedra do Frade e a Freira, por exemplo.
Raf adora levar pessoas para voar com ele e conta que tem muitas histórias marcantes da aviação.
Extra 300, o avião acrobático que voa pelo céu de Cachoeiro de Itapemirim
“Teve um caso que foi bem curioso. Um amigo meu, o Sérgio, vivia dizendo que não entraria no meu avião nem ‘se Jesus descesse na Terra e o chamasse’. Morria de medo. Um dia eu estava prestes a decolar e ele apareceu do nada, encostou no avião e disse: ‘cara, acho que eu vou com você hoje’. Chamei ele e disse que não iria fazer nenhuma manobra, só voar tranquilamente. Ele aceitou. Coloquei o cinto nele e decolamos”, recorda-se.
Os amigos seguiram voando até Marataízes, no litoral Sul. Já na hora de retornar para Cachoeiro de Itapemirim, Sérgio criou coragem e pediu para Raf fazer uma manobra no ar.
“Fiz um looping (acrobacia vertical formando um círculo) bem devagar, bem aberto. Quando terminamos, ele disse: ‘Isso foi a coisa mais legal que já fiz na minha vida, faz de novo!’. Fiz mais um, e outro, e mais um. No quinto looping, brinquei com ele: ‘Sérgio, você tá de brincadeira, né? Daqui a pouco vamos voar de cabeça para baixo até Cachoeiro! Você nem queria entrar no avião e agora não quer que ele pare de dar looping’. Foi muito engraçado", relembra.
E por falar nelas – as manobras – há uma infinidade de possibilidades, com diferentes graus de dificuldade e execução. Entre as mais comuns, estão o looping e o voo invertido. No infográfico abaixo, listamos cinco execuções realizadas por Raf nos voos acrobáticos pelos céus de Cachoeiro.
Como ser um piloto de acrobacias
Mesmo com bom humor e o entusiasmo de estar nas alturas, o piloto cachoeirense mantém os pés no chão. “Às vezes, a pessoa sai do avião dizendo: ‘Nossa, eu queria comprar um avião desses hoje mesmo’, mas não é bem assim. Se eu estivesse começando hoje na aviação, eu não teria condições de voar na aeronave que piloto atualmente. É preciso experiência, formação, prática e responsabilidade. Tem que subir degrau por degrau, não dá para querer dar um passo maior que a perna”, reforça.
Para quem quer começar na aviação ou sonha em fazer um voo como esse, ele aconselha paciência e diz que o segredo é respeitar as etapas. Primeiro, é preciso aprender a voar e ganhar experiência com o básico. Depois, é interessante fazer um curso de recuperação de atitudes anormais para saber como reagir se algo sair do controle. Só então, a aviação acrobática é possível com segurança e muita adrenalina.
“É um passo a passo. Se a pessoa fizer tudo certinho, com calma e comprometimento, vai se apaixonar. Porque a aviação é mesmo fascinante", finaliza.
+Reportagens sobre aviação
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