Kaíque, de 9 anos, já é conhecido como o menino que pesca com as mãos em Vila Velha
Kaíque, de 9 anos, já é conhecido como o menino que pesca com as mãos em Vila Velha. Crédito: Fernando Madeira

O pequeno capixaba que pesca com as mãos e vive uma infância longe das telas

Estimulado desde cedo pela mãe, o garoto virou sensação em Vila Velha ao aparecer pegando um peixe no mar sem auxílio de anzol ou rede. Ele revela um cotidiano repleto de trilhas, bichos e liberdade à beira-mar

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 18/07/2025 às 17h28

Enquanto boa parte das crianças ocupam o tempo livre com vídeos e jogos de celular, Kaíque Turra, de 9 anos, prefere outras maneiras de se divertir: na rua, na praia, na lama, com os bichos e até mesmo capturando algumas espécies de uma maneira inusitada. Criado em Vila Velha, ele aprendeu desde cedo a escalar pedras, pegar tatuí na areia e correr atrás de lagartixa.

“Celular eu tenho, mas não uso muito. Gosto mesmo é de brincar”, contou enquanto olhava atentamente para o oceano, ansioso com o fim da entrevista para dar um mergulho – o mar, aliás, é personagem central nesta história e na vida do garoto.

Kaíque, o Menino do Mar: Infância “raiz” longe das telas
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No bairro onde mora, na praia de Itapuã, ele é conhecido como o menino que anda descalço e sobe o Morro do Moreno como se fosse um passeio dominical em um shopping na vida de uma criança de férias. Ele gosta tanto da atividade que ano passado o presente escolhido por ele e a mãe, Marcela Brandão, para presentear a avó dele no Dia das Mães, foi justamente uma "aventura" em um dos principais pontos turísticos canela-verde. 

Na vizinhança, ele também ganhou um apelido carinhoso: Kurumim — palavra de origem tupi que significa "criança". “Me chamam assim porque eu fico muito no mato, na rua, gosto de natureza”, afirma. Para os amigos e vizinhos, Kaíque é aquele que representa a infância vivida como antigamente, com pés sujos de terra e cabelo salgado pela água do mar.

CONEXÃO COM O MAR

Kaíque, o menino que pesca com as mãos
Pé na areia e olho no peixe: a praia quase uma extensão do quintal de casa de Kaíque . Crédito: Fernando Madeira

A praia faz parte da rotina de Kaíque, como se fosse o quintal de quem cresce numa cidadezinha do interior. Desde pequeno ele aprendeu a entender as mudanças das marés, a textura da areia, o cheiro do sal e a conviver com os peixes. Quando perguntado sobre como começou a se divertir no mar, ele nem soube dizer: "Desde que aprendi a brincar".

As memórias mais antigas já estavam misturadas à água salgada e à brisa incessante. Para quem nasceu em cidades afastadas do litoral, essa ligação pode parecer incomum. Para Kaíque, porém, é o jeito natural de ser e crescer. 

A relação com os animais marinhos surgiu com a naturalidade da vida ao ar livre, geralmente na praia. Espécies de peixes como corvina, badejo, garoupa, dourado, pargo, peroá e o marlim-azul fazem parte do cotidiano de muitos capixaba, seja pela pesca esportiva ou como opção na tradicional moqueca.

NÃO É HISTÓRIA DE PESCADOR

Morar próximo ao mar significa mais do que lazer: é também um modo de ganhar a vida. A proximidade com a Colônia de Pescadores de Itapuã ajudou Kaíque a transformar essa atividade em um objeto de admiração. Foi assim que surgiu um dos passatempos mais curiosos do menino: pescar, mas de uma forma pouco convencional. No lugar de redes, varas com molinete ou tarrafas, ele utiliza as próprias mãos.

Kaíque, o menino que pesca com as mãos
Kaíque exibe com orgulho as próprias mãos. É com elas que ele se diverte pescando sem o auxílio de linhas e anzóis. Crédito: Fernando Madeira

Um vídeo gravado pela avó mostrando o neto correndo pela areia com um peixe em mãos — capturado por ele mesmo – chamou atenção de quem estava no local. Os presentes o aplaudiram após ele sair do mar diversas vezes com diferentes pescados. Perguntado sobre como aprendeu a pescar de maneira tão inusitada, ele relembra: “Foi aqui mesmo”, disse, olhando para o mar. Ele conta que tudo começou ao observar dois meninos segurando peixes na beira da água.

Kaíque Turra

Criança "raiz"

"Eu tentei e consegui, mas antes eu ia lá na Praia da Costa, que tem aquelas fendas de pedra. Algumas vezes pegava com a mão os peixes que ficavam presos"

Mas o que acontece com os peixes que captura? Segundo ele, a resposta vai da quantidade pescada: “Depende, se pega pouco, devolvo, mas se for muito, leva (para casa)”, explica.

FAMÍLIA

Kaíque, o menino que pesca com as mãos
Terezinha (avó) Kaíque e Marcela (mãe), na praia onde costumam passar horas em Vila Velha . Crédito: Fernando Madeira

Um comportamento tão fora do comum para a maioria das crianças atuais certamente tem raízes em algo maior. Em um cenário em que os incentivos externos, por questões de segurança, deixam meninos e meninas trancafiados no próprio quarto, foi no ambiente familiar que surgiu o incentivo e estímulo à liberdade, à curiosidade e ao modo de vida aventureiro.

Para que Kaíque se aventure no mar, na rua e na natureza, é preciso que alguém mostre e participe dessa "fuga" e, mais que isso, ofereça o suporte necessário para que essas experiências sejam feitas com segurança.

É aí que entra em cena Marcela Brandão, mãe de Kaíque. Aos 38 anos, tatuadora e praieira, ela é peça fundamental para que o filho crescesse mais conectado com o mundo real do que com o virtual.

“Na verdade, acho que forcei a não usar (tela) porque nunca concordei com criança com a cara enfiada no celular”, afirma. Para ela, ver o filho com o telefone na mão é motivo de incômodo. “Eu fico agoniada só de ver, então eu não deixo, nunca deixei”, explica.

Kaíque, o menino que pesca com as mãos
Muito além do vínculo tradicional entre mãe e filho, Marcela Brandão e Kaíque também se conectam em ambientes como a praia. Crédito: Fernando Madeira

Marcela Brandão

Tatuadora e mãe

"Quando a criança não fica muito em tela, ela acaba se forçando mais. Daí fica criativo, caçando coisa para fazer"

Conversando com Kaíque e Marcela percebe-se, de imediato, uma relação marcada por confiança, amor e parceria — muito além do vínculo tradicional entre mãe e filho. Eles são amigos e companheiros de aventura. “A gente fecha junto na praia. Vai para Barra do Jucu, Praia da Sereia, Setiba, subimos o Morro do Moreno, faz trilha”, conta Marcela. Ela não só incentiva, como participa ativamente das aventuras do filho. “Eu acho bacana e levo os amigos deles juntos”.

O amor entre mãe e filho não se expressa somente no olhar ou na maneira como um fala do outro. Marcela, como uma boa tatuadora, marcou o sentimento na pele, com uma tatuagem em homenagem a Kaíque.

Kaíque, o menino que pesca com as mãos
Na própria pele: Marcela tem o nome do filho, Kaíque, tatuado no braço esquerdo. Crédito: Fernando Madeira

Para o menino, ter esse incentivo dentro de casa foi essencial para despertar e alimentar a paixão pela natureza. E ele fala sobre isso feliz da vida. “Tenho vários amigos do meu prédio que vão comigo, mas minha mãe é minha parceira favorita de ir à praia”, afirma com um sorriso.

Entretanto, a habilidade de Kaíque com os peixes parece ser apenas uma parte das atividades manuais. O menino lida com naturalidade, garante a mãe. “Ele gosta de pegar os bichos todos na mão”, conta Marcela, rindo. 

E, mais uma vez, a mãe tem papel fundamental nessa história. Desde pequeno, o jovem aventureiro aprende com a mãe como pegar os bichinhos. “Minha mãe tinha ensinado a pegar aqueles lagartos de parede. Aí pegava, fazia tipo uma forca. Como ele não se importava, colocava no pescoço dele. Pegava e soltava depois”, relata o menino.

Seja no mar ou em casa, Marcela se beneficia do talento do filho, e tira "vantagens" desta habilidade. "Quando aparece bicho em casa, peço para ele pegar”, contou brincando.

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