Venda Nova do Imigrante até pode ser conhecida pela tradicional Festa da Polenta, mas é outro produto elaborado exclusivamente no município da região Serrana do Espírito Santo que conquista novos paladares e ajuda a movimentar o agroturismo nas montanhas capixabas: o socol.
Assim como o champanhe — que só recebe este nome se for produzido em Champagne, na França, o embutido de sabor marcante e intenso é exclusivo do território vendanovense, precisamente de sete produtores, que juntos conquistaram o selo de indicação geográfica (IG) em 2018. Desde então, eles são guardiões da receita original.
Este reconhecimento feito a muitas mãos foi fundamental para padronizar a produção e criar mecanismos que protejam a qualidade da iguaria. Parte deste processo originado há mais de uma década na cidade — em 2014 — foi possível por meio da criação da Associação dos Produtores de Socol de Venda Nova do Imigrante (Assocol).
"Dentro deste território de Venda Nova, várias famílias mantiveram a forma de fazer o socol que veio da Itália e encontraram aqui um clima perfeito. Por isso que nessa região identificou-se uma potencialidade para um produto único, que neste caso foi o socol. Então o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) nos concedeu esse selo de indicação geográfica, mostrando que temos algo ímpar no mundo e não apenas no Brasil", conta Lorenzo Carnielli, atual presidente da Assocol.

Lorenzo Carnielli
Produtor e presidente da Assocol
"A associação nasce para cuidar do livro de receitas do socol, que está registrado no INPI e diz como a gente deve fazer, mantendo esta tradição com mais de 140 anos"
Enquanto as famílias tradicionais produziam o embutido, em outra frente, muito longe das salas de maturação, o trabalho de pesquisa e resgate histórico era detalhado em busca do reconhecimento da região como autêntica produtora do legítimo socol.
"O Sebrae desempenhou um papel fundamental ao apoiar os produtores locais, fornecendo orientação e suporte técnico, garantindo que as normas e requisitos fossem cumpridos. A instituição custeou todo o processo de consultoria para a estruturação da IG do socol. Esse apoio foi crucial para que os produtores pudessem se unir, criar a identidade coletiva, fortalecer a cooperação e consolidar esse trabalho", explicou Patrícia Cangussu, gerente da regional Serrana do Sebrae/ES.
Além dos trabalhos técnicos, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas realizou estudos de zoneamento territorial, definindo a delimitação das áreas geográficas onde o embutido pode ser produzido, considerando fatores naturais, além de análises técnicas e científicas que caracterizam essa produção de origem.
AFINAL, O QUE É SOCOL?
Para quem nunca provou, o sabor mais próximo de um socol é o salaminho italiano, porém as semelhanças ficam apenas na origem e no fato de serem obtidos da carne de porco.
O socol conhecido e consumido atualmente é feito só com lombo suíno, que passa por um processo de cura por meio do sal, e que depois é temperado com pimenta-do-reino, alho e outras especiarias — estas específicas de cada um dos sete produtores. Só depois a peça é colocada dentro das "redinhas" que caracterizam o produto para então passar pela maturação, que pode chegar a seis meses. Após maturar e desidratar, cada peça perde cerca de 60% do peso inicial. Já o salaminho italiano lembra uma linguiça condimentada, ensacada e feita de diferentes cortes moídos.
Especialista na produção e apreciador do socol, Leandro Carnielli brinca com a origem do produto e conta que o universo da iguaria remete aos antepassados italianos e como eles buscavam métodos para aproveitar ao máximo cada parte do suíno.
"O socol leva a fama, mas quem nasce primeiro é o ossocolo, que é uma carne do pescoço do porco. Na antiguidade, os nobres não a consumiam, então as famílias tentavam encontrar uma maneira para aproveitá-la. Uma forma criada foi envolver a carne na própria pele da barriga do suíno (peritônio). Depois, ela foi amarrada e pendurada no tempo, com o sal e a pimenta. É bem verdade que devem ter perdido muito no início, mas depois de alguns meses viu-se que aquela tentativa deu certo de alguma forma", explica.

"Guardar uma carne antigamente era muito difícil. Só era possível dentro da banha, porém ela era escassa. Somente depois que encontraram esta alternativa do ossocolo que se pensou em tentar a técnica com outras partes maiores de carne, como o lombo do porco", recorda-se Leandro.
Já em solo brasileiro e habitando a região de Venda Nova do Imigrante, os descendentes italianos passaram a reproduzir a receita iniciada no continente europeu por aqui. Leandro e as gerações seguintes brincam que os "nonos" — como eram carinhosamente chamados os avôs — tinham dificuldades em manter os dialetos e por isso os nomes foram adaptados.
"Depois que se começa a manipular o lombo do porco, ele foi aportuguesado, pois os 'nonos' falavam assim: 'sucoi'. Eles não conseguiam falar 'ossocolo', então o nome socol vem daí". Atualmente, os "produtos primos" existem e são produzidos em algumas propriedades, ambos reconhecidos como de Venda Nova e ostentadores do IG.

Leandro Carnielli
Produtor de socol
"Como o socol demorava para ficar pronto, a gente esperava uma visita religiosa, do governador ou alguém importante para ter a chance de uma provinha. Tinha que cortar fininho ao ponto de ver o padre do outro lado da fatia"
AÇÃO DOS FUNGOS
Às margens da BR 262, quase na sede de Venda Nova, a engenheira de alimentos Graccielli Lorenção faz parte da quinta geração da família pioneira na produção comercial no município. Ao lado do irmão Bernardo e dos pais, Edines José e Bernadete, eles cuidam dos 600 quilos, em média, que produzem a cada semana do embutido, sendo que o nome da família está na embalagem do socol e demais produtos que elaboram, como antepastos.
Logo que se chega à propriedade, um odor forte, levemente ardido paira pelo ar incessantemente: é o cheiro dos fungos interagindo e atuando na maturação das peças de lombo suíno, fundamentais na transformação da carne em socol.

"Não existe socol sem os fungos. E somente os existentes em nossa região e clima são capazes de realizar este processo. Depois que salgamos, curamos e temperamos, cada unidade é pendurada uma a uma nos varais que ficam dentro da sala de maturação. Naturalmente eles (fungos) começam a atuar e transformar aquele pedaço de carne em socol. Aí vai variar entre quatro a seis meses até atingir o ponto ideal para consumir", pontua Gracci, como é conhecida e se apresenta.
Na propriedade da família, o socol é o carro-chefe dos Lorenção. Assim como nas demais localidades produtoras, o visitante tem a oportunidade de provar a iguaria e conhecer cada estágio do processo produtivo, uma das características da experiência agroturística.

Gracci Lorenção
Produtora de socol
"Tem muito carinho e amor envolvido em cada socol que a gente faz"
"A pessoa quando vem aqui, ela compra o socol e leva também nossa história. Acho que mais história do que socol, na verdade. Quem olha assim pode pensar que é caro, mas não faz ideia que é tudo artesanal. Não é simplesmente uma coisa que a gente inventou, colocou ali para vender e ganhar dinheiro", orgulha-se Gracci.
IMPORTÂNCIA ECONÔMICA
Com mais pessoas descobrindo o socol, a produção e comercialização têm impactos positivos na economia de Venda Nova do Imigrante, que desde 2018 é reconhecida por lei como a Capital Nacional do Agroturismo.
Socol: a receita secular do embutido que virou marca de Venda Nova
Segundo a secretária de Turismo do município, Lícia Caliman, o embutido ganha papel de destaque na divulgação da cidade pelo Estado e Brasil.
"O socol é uma iguaria que só nós temos e podemos identificá-lo em qualquer lugar do mundo, pois carrega um selo que evidencia a origem dele. É de grande importância para nós e movimenta nossa economia local. A venda direta nas propriedades ajuda a mantê-las, da mesma forma que incrementa o lado financeiro do município. Além dos moradores, os visitantes não apenas consomem in loco. Eles se hospedam, conhecem as pessoas que produzem, provam outros produtos e ajudam a espalhar a fama do socol. Todo mundo sai ganhando", enfatiza.
O embutido é tão ligado à história de Venda Nova que anualmente é realizada a Festa do Socol. Neste ano, a 23ª edição ocorreu nos dias 3 e 4 de maio, na comunidade de Alto Bananeiras, uma das áreas produtoras situadas no território do socol.
ONDE ENCONTRAR
O verdadeiro socol, um dos mais nobres produtos da charcutaria, é encontrado nos locais com indicação de procedência, nas regiões de Alto Bananeiras, Bananeiras, Lavrinhas, Sede, Tapera, Alto Tapera, Santo Antônio da Serra e Providência, áreas onde se concentram os descendentes de italianos que tradicionalmente o produzem.
O produto também é vendido em comércios locais e cidades vizinhas. Para quem não reside na região, é possível comprar de cada um dos produtores através das páginas das propriedades nas redes sociais e nas próprias lojas virtuais, que despacham para qualquer lugar do país. O quilo varia de acordo com cada produtor e tem preço médio de R$ 150. É possível comprar a peça já cortada, embalada, fatiada ou até mesmo uma unidade de lombo.
Caso tenha se interessado em conhecer a cultura do socol, as propriedades ficam abertas diariamente ao público. "Reforço o convite para virem até aqui. Somos a terra da polenta. Nada melhor que um socol e uma boa taça de vinho para acompanhar, é uma combinação perfeita. Há espaço para todos", garante Leandro Carnielli.
Seja in loco ou à distância, fica o recado enfatizado por Gracci Lorenção: socol, só se for de Venda Nova do Imigrante.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.