A família Lorenção está na quinta geração produzindo o socol com a mesma receita criada há mais de um século
A família Lorenção está na quinta geração produzindo o socol com a mesma receita criada há mais de um século. Crédito: Ricardo Medeiros

Socol: a iguaria de origem italiana que alimenta o agroturismo no ES

O embutido feito há mais de 100 anos virou marca registrada da cidade, ganhou selo de indicação geográfica e atrai visitantes que buscam por sabor e tradição

Tempo de leitura: 7min
Publicado em 07/06/2025 às 07h00

Venda Nova do Imigrante até pode ser conhecida pela tradicional Festa da Polenta, mas é outro produto elaborado exclusivamente no município da região Serrana do Espírito Santo que conquista novos paladares e ajuda a movimentar o agroturismo nas montanhas capixabas: o socol.

Assim como o champanhe — que só recebe este nome se for produzido em Champagne, na França, o embutido de sabor marcante e intenso é exclusivo do território vendanovense, precisamente de sete produtores, que juntos conquistaram o selo de indicação geográfica (IG) em 2018. Desde então, eles são guardiões da receita original.

Este reconhecimento feito a muitas mãos foi fundamental para padronizar a produção e criar mecanismos que protejam a qualidade da iguaria. Parte deste processo originado há mais de uma década na cidade — em 2014 — foi possível por meio da criação da Associação dos Produtores de Socol de Venda Nova do Imigrante (Assocol).

"Dentro deste território de Venda Nova, várias famílias mantiveram a forma de fazer o socol que veio da Itália e encontraram aqui um clima perfeito. Por isso que nessa região identificou-se uma potencialidade para um produto único, que neste caso foi o socol. Então o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) nos concedeu esse selo de indicação geográfica, mostrando que temos algo ímpar no mundo e não apenas no Brasil", conta Lorenzo Carnielli, atual presidente da Assocol.

Lorenzo Carnielli

Lorenzo Carnielli

Produtor e presidente da Assocol

"A associação nasce para cuidar do livro de receitas do socol, que está registrado no INPI e diz como a gente deve fazer, mantendo esta tradição com mais de 140 anos"

Enquanto as famílias tradicionais produziam o embutido, em outra frente, muito longe das salas de maturação, o trabalho de pesquisa e resgate histórico era detalhado em busca do reconhecimento da região como autêntica produtora do legítimo socol. 

"O Sebrae desempenhou um papel fundamental ao apoiar os produtores locais, fornecendo orientação e suporte técnico, garantindo que as normas e requisitos fossem cumpridos. A instituição custeou todo o processo de consultoria para a estruturação da IG do socol. Esse apoio foi crucial para que os produtores pudessem se unir, criar a identidade coletiva, fortalecer a cooperação e consolidar esse trabalho", explicou Patrícia Cangussu, gerente da regional Serrana do Sebrae/ES.

Além dos trabalhos técnicos, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas realizou estudos de zoneamento territorial, definindo a delimitação das áreas geográficas onde o embutido pode ser produzido, considerando fatores naturais, além de análises técnicas e científicas que caracterizam essa produção de origem.

AFINAL, O QUE É SOCOL?

Para quem nunca provou, o sabor mais próximo de um socol é o salaminho italiano, porém as semelhanças ficam apenas na origem e no fato de serem obtidos da carne de porco.

O socol conhecido e consumido atualmente é feito só com lombo suíno, que passa por um processo de cura por meio do sal, e que depois é temperado com pimenta-do-reino, alho e outras especiarias — estas específicas de cada um dos sete produtores. Só depois a peça é colocada dentro das "redinhas" que caracterizam o produto para então passar pela maturação, que pode chegar a seis meses. Após maturar e desidratar, cada peça perde cerca de 60% do peso inicial. Já o salaminho italiano lembra uma linguiça condimentada, ensacada e feita de diferentes cortes moídos. 

Especialista na produção e apreciador do socol, Leandro Carnielli brinca com a origem do produto e conta que o universo da iguaria remete aos antepassados italianos e como eles buscavam métodos para aproveitar ao máximo cada parte do suíno. 

"O socol leva a fama, mas quem nasce primeiro é o ossocolo, que é uma carne do pescoço do porco. Na antiguidade, os nobres não a consumiam, então as famílias tentavam encontrar uma maneira para aproveitá-la. Uma forma criada foi envolver a carne na própria pele da barriga do suíno (peritônio). Depois, ela foi amarrada e pendurada no tempo, com o sal e a pimenta. É bem verdade que devem ter perdido muito no início, mas depois de alguns meses viu-se que aquela tentativa deu certo de alguma forma", explica.

O ossocolo e o socol são embutidos feitos da carne do porco, porém oriundos das carnes do pescoço e lombo do porco, respectivamente. Crédito: Ricardo Medeiros
O ossocolo e o socol são embutidos feitos da carne do porco, porém oriundos das carnes do pescoço e lombo do porco, respectivamente. Crédito: Ricardo Medeiros

"Guardar uma carne antigamente era muito difícil. Só era possível dentro da banha, porém ela era escassa. Somente depois que encontraram esta alternativa do ossocolo que se pensou em tentar a técnica com outras partes maiores de carne, como o lombo do porco", recorda-se Leandro.

Já em solo brasileiro e habitando a região de Venda Nova do Imigrante, os descendentes italianos passaram a reproduzir a receita iniciada no continente europeu por aqui. Leandro e as gerações seguintes brincam que os "nonos" — como eram carinhosamente chamados os avôs — tinham dificuldades em manter os dialetos e por isso os nomes foram adaptados.

"Depois que se começa a manipular o lombo do porco, ele foi aportuguesado, pois os 'nonos' falavam assim: 'sucoi'. Eles não conseguiam falar 'ossocolo', então o nome socol vem daí". Atualmente, os "produtos primos" existem e são produzidos em algumas propriedades, ambos reconhecidos como de Venda Nova e ostentadores do IG.

Leandro Carnielli

Leandro Carnielli

Produtor de socol

"Como o socol demorava para ficar pronto, a gente esperava uma visita religiosa, do governador ou alguém importante para ter a chance de uma provinha. Tinha que cortar fininho ao ponto de ver o padre do outro lado da fatia"

AÇÃO DOS FUNGOS

Às margens da BR 262, quase na sede de Venda Nova, a engenheira de alimentos Graccielli Lorenção faz parte da quinta geração da família pioneira na produção comercial no município. Ao lado do irmão Bernardo e dos pais, Edines José e Bernadete, eles cuidam dos 600 quilos, em média, que produzem a cada semana do embutido, sendo que o nome da família está na embalagem do socol e demais produtos que elaboram, como antepastos.

Logo que se chega à propriedade, um odor forte, levemente ardido paira pelo ar incessantemente: é o cheiro dos fungos interagindo e atuando na maturação das peças de lombo suíno, fundamentais na transformação da carne em socol.

A ação dos fungos no processo de maturação é fundamental para transformar o lombo suíno em socol. Crédito: Ricardo Medeiros
A ação dos fungos no processo de maturação é fundamental para transformar o lombo suíno em socol. Crédito: Ricardo Medeiros

"Não existe socol sem os fungos. E somente os existentes em nossa região e clima são capazes de realizar este processo. Depois que salgamos, curamos e temperamos, cada unidade é pendurada uma a uma nos varais que ficam dentro da sala de maturação. Naturalmente eles (fungos) começam a atuar e transformar aquele pedaço de carne em socol. Aí vai variar entre quatro a seis meses até atingir o ponto ideal para consumir", pontua Gracci, como é conhecida e se apresenta.

Na propriedade da família, o socol é o carro-chefe dos Lorenção. Assim como nas demais localidades produtoras, o visitante tem a oportunidade de provar a iguaria e conhecer cada estágio do processo produtivo, uma das características da experiência agroturística.

Gracci Lorenção

Gracci Lorenção

Produtora de socol

"Tem muito carinho e amor envolvido em cada socol que a gente faz"

"A pessoa quando vem aqui, ela compra o socol e leva também nossa história. Acho que mais história do que socol, na verdade. Quem olha assim pode pensar que é caro, mas não faz ideia que é tudo artesanal. Não é simplesmente uma coisa que a gente inventou, colocou ali para vender e ganhar dinheiro", orgulha-se Gracci.

IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

Com mais pessoas descobrindo o socol, a produção e comercialização têm impactos positivos na economia de Venda Nova do Imigrante, que desde 2018 é reconhecida por lei como a Capital Nacional do Agroturismo.

Socol: a receita secular do embutido que virou marca de Venda Nova

Socol
O socol é o carro-chefe entre os produtos produzidos pela família Lorenção, pioneira na produção comercial do embutido em Venda Nova. Ricardo Medeiros
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Gracci Lorenção é a quinta geração da família, tradicional na produção de socol em Venda Nova. Ricardo Medeiros
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A peça de lombo perde cerca de 60% do peso até atingir o ponto de consumo e se transformar em socol. Ricardo Medeiros
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Gracci é engenheira de alimentos e se dedica à fabricação de socol na propriedade da família. Ricardo Medeiros
Socol
cada peça de socol após ser embalada, recebe um selo de indicação de procedência, com numeração própria . Ricardo medeiros
Socol
O socol praticamente não possui gordura, sendo feito da peça inteira do lombo suíno. Ricardo Medeiros
Socol
Enquanto o ossocolo é feito da carne do pescoço, o socol é produzido do lombo do porco. Ricardo Medeiros
Socol
Ossocolo e socol são embutidos que fzem sucesso no mundo da charcutaria. Ricardo Medeiros
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Tanto o socol e o ossocolo devem ser cortados e servidos em fatias finas devido ao sabor intenso e marcante. Ricardo Medeiros
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O ossocolo é feito da carne retirada do pescoço do porco e se caracteriza por conter gordura bem marcante na peça. Ricardo Medeiros
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A redinha é uma das características do socol e que ajuda a identificá-lo em meio aos demais embutidos. Ricardo Medeiros
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Leandro Carnielli é descendente italiano e mantém a tradição na produção do socol. Ricardo Medeiros
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Lorenzo e o pai, Leandro Carnielli, são de uma das sete famílias detentoras do IG do socol de Venda Nova. Ricardo Medeiros
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Priscila Brioschi mostra da janela da lojinha da família o socol produzido na propriedade. Ricardo Medeiros
Socol
Família Lorenção exibe com orgulho o socol produzido no sítio na loja situada no sítio em Venda Nova. Ricardo Medeiros
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Gracci e a mãe, Bernadete, costumam se vestir com trajes italianos em eventos e também em ocasiões especiais. Ricardo Medeiros
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Família Lorenção exibe as peças de socol penduradas na sala de maturação. Ricardo Medeiros
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Somente no Sítio Lorenção, são preparados cerca de 600 quilos de socol por semana. Ricardo Medeiros
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Leandro Carnielli segura uma peça de socol e ossocolo na loja dentro do sítio da família em Venda Nova. Ricardo Medeiros
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Lorenzo e Leandro, filho e pai, fazem questão de manter a tradição familiar em produzir socol e outros embutidos. Ricardo Medeiros
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A ação dos fungos é determinante para a trsnaformação do lombo em socol. Ricardo Medeiros
Socol
Na sala maturação, o socol chega a ficar até seis meses pendurado até o ponto ideal. Ricardo Medeiros
Socol
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção. Ricardo Medeiros
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção
Antigos equipamentos utilizados para moer e pesar carnes no Sítio Lorenção

Segundo a secretária de Turismo do município, Lícia Caliman, o embutido ganha papel de destaque na divulgação da cidade pelo Estado e Brasil. 

"O socol é uma iguaria que só nós temos e podemos identificá-lo em qualquer lugar do mundo, pois carrega um selo que evidencia a origem dele. É de grande importância para nós e movimenta nossa economia local. A venda direta nas propriedades ajuda a mantê-las, da mesma forma que incrementa o lado financeiro do município. Além dos moradores, os visitantes não apenas consomem in loco. Eles se hospedam, conhecem as pessoas que produzem, provam outros produtos e ajudam a espalhar a fama do socol. Todo mundo sai ganhando", enfatiza.

O embutido é tão ligado à história de Venda Nova que anualmente é realizada a Festa do Socol. Neste ano, a 23ª edição ocorreu nos dias 3 e 4 de maio, na comunidade de Alto Bananeiras, uma das áreas produtoras situadas no território do socol.

ONDE ENCONTRAR

O verdadeiro socol, um dos mais nobres produtos da charcutaria, é encontrado nos locais com indicação de procedência, nas regiões de Alto Bananeiras, Bananeiras, Lavrinhas, Sede, Tapera, Alto Tapera, Santo Antônio da Serra e Providência, áreas onde se concentram os descendentes de italianos que tradicionalmente o produzem.

O produto também é vendido em comércios locais e cidades vizinhas. Para quem não reside na região, é possível comprar de cada um dos produtores através das páginas das propriedades nas redes sociais e nas próprias lojas virtuais, que despacham para qualquer lugar do país. O quilo varia de acordo com cada produtor e tem preço médio de R$ 150. É possível comprar a peça já cortada, embalada, fatiada ou até mesmo uma unidade de lombo.

Caso tenha se interessado em conhecer a cultura do socol, as propriedades ficam abertas diariamente ao público. "Reforço o convite para virem até aqui. Somos a terra da polenta. Nada melhor que um socol e uma boa taça de vinho para acompanhar, é uma combinação perfeita. Há espaço para todos", garante Leandro Carnielli.

Seja in loco ou à distância, fica o recado enfatizado por Gracci Lorenção: socol, só se for de Venda Nova do Imigrante.

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