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O capixaba que recebeu medicamento experimental após sofrer lesão na medula

O capixaba que recebeu medicamento experimental após sofrer lesão na medula

Luiz Fernando Mozer, 37, que sofreu um acidente durante um evento de motocross em Vargem Altar, recebeu uma dose de polilaminina, que visa a recuperação medular

Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 11:58

Aplicação de
Luiz Fernando Mozer recebeu a aplicação de polilaminina na medula. Procedimento ocorreu na Santa Casa de Cachoeiro de Itapemirim Crédito: Acervo Pessoal

A esperança para quem perdeu o movimento e hoje convive com a tetraplegia ou a paraplegia está diante de novos caminhos e possibilidades. Esse é o caso de Luiz Fernando Mozer, colorimetrista e pintor automotivo, morador de Iconha, que sofreu um acidente no dia 7 de dezembro durante um evento de motocross em Vargem Alta, município da Região Serrana do Espírito Santo, a cerca de 125 quilômetros da capital. Luiz teve uma lesão contundente na coluna e na medula, perdendo o movimento das pernas. A ele foi administrada a polilaminina, no último dia 13, no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim.

Por se tratar de uma intervenção recente, as expectativas ainda são cautelosas. Em outros casos clínicos acompanhados no Brasil, a medicação — que ainda está em fase de pesquisas científicas — apresentou resultados considerados promissores. O principal entrave, no entanto, segue fora do campo médico: a falta de autorização por parte da Anvisa e, consequentemente, a não incorporação do tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A polilaminina é uma substância desenvolvida a partir de uma proteína extraída da placenta. Segundo as pesquisas em andamento, essa proteína apresentaria potencial para estimular a regeneração da medula espinhal - um tecido altamente sensível, cuja capacidade natural de recuperação é limitada.


Momentos seguintes
O socorro imediato a Luiz Fernando após o acidente, em Vargem Alta  Crédito: Reprodução/Instagram/CT Two Brothers

Segundo o médico Olavo Borges Franco, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a condução do trabalho é liderada pela pesquisadora Tatiana Coelho de Sampaio, também da UFRJ, responsável pelas pesquisas na área. Ambos integram a equipe que desenvolve o estudo.

De acordo com Olavo, o caso de Luiz Fernando é o mais grave entre todos os já atendidos pelo grupo. “O caso dele é muito grave. A condição é uma lesão medular completa. Isso que se chama de lesão medular completa não é necessariamente que você tenha rompido toda a medula, mas que você tenha a completa perda funcional da medula. A função da medula é ligar o cérebro ao resto do corpo. Então, se você interrompe a passagem de informações do sistema nervoso ali, a pessoa perde as duas funções, que é a motora e a sensitiva. No caso do Luiz, a lesão foi mais grave porque ele teve uma transecção - uma ruptura - total da medula e a própria coluna. O osso quebrou. (...) Mas funções vitais dele sempre ficaram preservadas: circulação, coração, a respiração. Ele recebeu depois a medicação. Dos que receberam a medicação, todos ganharam funções motoras. (...)”.

Após a aplicação da medicação, o médico ainda não tem autorização para falar sobre a evolução do quadro clínico de Luiz. Em razão da gravidade, o médico aponta: “Diante de uma lesão medular completa qualquer, mesmo aquela que não tem a descontinuação anatômica da medula, as chances de retorno à função motora é muito limitada. A última meta-análise que eu vi gerava em torno de 9% de algum ganho motor, e esses ganhos normalmente são muito incipientes”. Ainda de acordo com ele, “a ideia é que seja disponibilizado no SUS e a um custo muito acessível”.

A articulação para que o tratamento se tornasse possível partiu de dentro da família. A irmã de Luiz Fernando, Carla Mozer, enfermeira de centro cirúrgico, soube da existência da medicação e foi uma das responsáveis por viabilizar o encontro - e a cirurgia - junto à equipe de pesquisa. “A gente soube da possibilidade de usar a polilaminina no meu irmão assim que o diagnóstico real veio. Meu irmão sofreu o acidente num domingo; na segunda-feira eu tive a confirmação de que era uma lesão medular completa e irreversível. Foi um diagnóstico muito pesado de ouvir, mas me dispus a estudar também a lesão do meu irmão.”

Carla entrou em contato com outro paciente que havia recuperado os movimentos, Bruno Drummond, que a colocou em contato com a equipe da professora Tatiana. Inicialmente, Luiz não seria contemplado com a medicação, já que a pesquisa da universidade carioca estava oficialmente encerrada. A família recorreu à Justiça, mas teve o pedido negado em primeira instância.

A autorização judicial só foi concedida na quinta-feira anterior à aplicação do medicamento, no dia 11 de dezembro. Dois dias depois, no dia 13, a administração foi realizada. Até então, não havia previsão de tratamento para Luiz, justamente em razão da gravidade do quadro

Foi uma montanha-russa de sentimentos, de choro de tristeza pelo acidente, mas um choro de alegria por ter aí 1% de esperança. Foi um misto de emoção, foi uma semana muito difícil. Mas que, pela graça de Deus, nós conseguimos vencer. E aí nossa expectativa, poxa, são as mais altas. A gente quer que meu irmão retorne a andar e que ele retorne às atividades normais de vida. É o que todo mundo paraplégico espera, e quem dirá os tetraplégicos

Carla Mozer

Enfermeira e irmã de Luiz Fernando

O que diz a Sesa sobre o medicamento

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa) afirma que a substância ainda não conta com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), condição indispensável para qualquer oferta pública em larga escala.

“O medicamento denominado polilaminina está em fase de pesquisas e ainda não tem autorização da Anvisa para utilização com segurança; para isso, deve cumprir todas as fases de estudo necessárias até que possa ser disponibilizado em larga escala.”

A Secretaria acrescenta que não há qualquer previsão de incorporação do tratamento à rede pública estadual. “Não procede informação sobre anúncio de incorporação do medicamento ao Sistema Único de Saúde (SUS) capixaba. O caso mencionado em Cachoeiro de Itapemirim trata-se de uma situação judicializada, conduzida sob determinação da Justiça.”

Na sequência, o órgão ressalta: “A Sesa informa ainda que a judicialização da saúde impacta diretamente na organização dos serviços e no orçamento da gestão pública, uma vez que determina o atendimento de demandas específicas fora do planejamento, pois aquisições realizadas por meio judicial tendem a ser mais onerosas para o Estado, elevando significativamente os custos.”

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