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Mês do Orgulho LGBTQIA+: por que é importante discutir esse tema

Mês do Orgulho LGBTQIA+: por que é importante discutir esse tema

Temas que tratam da diversidade fazem parte da base curricular em todo o país e ajudam a construir a cidadania, segundo ressaltam especialistas

Publicado em 24 de junho de 2021 às 11:08

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Manifestação em defesa de professora que foi intimidada por vereador em Vitória ao passar texto sobre mês do orgulho LGBTQI+
Manifestação em defesa de professora em Vitória ao passar texto sobre mês do orgulho LGBTQI+. (Carlos Alberto Silva)
Aline Nunes
Repórter de Cotidiano / [email protected]
Autor - Isaac Ribeiro
Isaac Ribeiro
Repórter de Cotidiano / [email protected]

Mais do que ensinar Língua Portuguesa, Matemática e outros conteúdos que compõem a grade curricular, o papel da escola é formar para o exercício da cidadania. É o que prevê a legislação educacional, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) datada de 1996. Nesse contexto, diversidade de gênero, étnico-racial, cultural, religiosa são temas que passaram a integrar o planejamento pedagógico, e as  datas comemorativas, como o Mês do Orgulho LGBTQIA+ celebrado em junho, contribuem para a reflexão de pautas que estão em discussão na sociedade.

A professora Gilda Cardoso, representante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) no Fórum Estadual de Educação e coordenadora do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (Lagebes), observa que a diversidade está prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do ensino fundamental e do médio, e abordar o assunto nas escolas é tratar da vida em sociedade, do processo civilizatório, do respeito. 

"Falar de diversidade não é ensinar sobre tolerância porque não se trata de tolerar ou não; é sobre compreender a existência do outro,  que pode ter um modo de existência diferente do seu, mas merece respeito. Nosso papel como educadores é preparar para a cidadania e um dos deveres do cidadão é respeitar as diferenças. Somos iguais perante a lei, mas diferentes no modo de ser e estar no mundo", pontua.

A sociedade é muito complexa,  ressalta Gilda Cardoso, e a escola reflete esse ambiente tão diverso. A professora cita a substituição das comemorações de "Dia das Mães" e "Dia dos Pais" pelo "Dia da Família", que é mais abrangente porque "a família é quem cuida e pode ser formada por avós, tios, dois pais, duas mães", exemplifica. 

EVASÃO

Ao promover o respeito com o debate sobre diversidade em sala de aula, espera-se também atacar outros problemas decorrentes da falta de conhecimento. Mestra em Psicologia e professora, a presidenta do Conselho Estadual LGBT+, Marina Bernabé, sustenta que a escola é um espaço que pode ajudar a construir estratégias de prevenção à violência para a comunidade que representa e ainda evitar a evasão escolar, comum entre meninos e meninas que não se veem respeitados. 

"Falar disso na escola contribui para a melhoria da aprendizagem. Se não nos sentimos seguras na escola, se não podemos nos expressar e ser quem somos, como iremos aprender? A escola tem que promover, sim, a inserção, a integração, a defesa dos direitos e combater a homofobia", argumenta.

É o que pondera também a psicopedagoga Beatriz Rodrigues, especialista em gênero e diversidade pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O risco de evasão escolar, segundo observa, é maior entre a população LGBT. 

"Essas pessoas  são estigmatizadas, são cotidianamente silenciadas, são corrigidas no seu modo de vestir, falar. É como se dissessem para elas: 'vocês não têm que existir, têm que deixar de ser o que são'.  Então, saem da escola porque não têm o sentimento de pertencimento."

Beatriz Rodrigues diz que a nova geração demonstra uma aceitação maior em relação à diversidade, porém, se a escola não estimula o debate, pode também se transformar em um espaço de propagação da violência, através de práticas de bullying associadas à orientação sexual. Mais uma situação que leva à desistência dos estudos. 

Para Nara Borgo, secretária estadual de Direitos Humanos, somente a educação nessa área pode garantir uma sociedade mais justa e solidária. "É importante discutirmos direitos LGBTI+ para que possamos diminuir o preconceito existente e também garantir igualdade de direitos e oportunidades para todas as pessoas."

A psicóloga Laís Sudré, professora da Faesa e presidente da Comissão de Gênero e Diversidade Sexual do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo, avalia que questões envolvendo a temática LGBTQIA+ poderiam ser abordadas desde a educação infantil. 

“A infância e a adolescência são apontadas pela Psicologia como um momento de formação de identidade, de valores, de posicionamentos. Pesquisas mostram que os alunos que têm esse tipo de discussão no ensino básico demonstram níveis menores de homofobia e atitudes mais positivas com relação à população LGBT”, atesta. 

LEGISLAÇÃO

Embora as escolas tenham respaldo da legislação, nem sempre a diversidade é compreendida como um tema para ser estudado em sala de aula. Na última semana, a professora de inglês Rafaella Machado foi intimidada por vereador por usar a temática LGBT durante uma atividade escolar. O caso ganhou repercussão e, nesta segunda-feira (21), houve protesto em apoio à educadora.

Alguns grupos avaliam que determinadas  pautas não devem ser tratadas na escola e que cabem às famílias decidir se discutem o assunto com as crianças e adolescentes. Para Gilda Cardoso, é um equívoco porque nem sempre os filhos vão ter liberdade para abordar temas sensíveis no ambiente familiar.

A educação sexual na escola, por exemplo, costuma encontrar resistência. A professora Gilda frisa, no entanto, que é o conhecimento que ajuda a evitar episódios de abuso, muito frequentemente envolvendo pessoas próximas às crianças, e outras situações decorrentes da desinformação. 

E é por isso que há países em que o assunto é lei. Na Alemanha, a responsabilidade de ensinar as crianças sobre a vida sexual não é um papel exclusivo da família, mas um dever do Estado. A legislação prevê, inclusive, que os pais podem ser presos, caso não permitam a frequência escolar nas aulas sobre o tema. A educação sexual desde os primeiros anos na escola visa à redução da incidência de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e de gravidez na adolescência.

Reforçando que a escola é o espaço adequado para tratar da diversidade, Gilda Cardoso acrescenta que os professores têm formação e passam por qualificação permanente para ministrar as aulas, sabendo a melhor abordagem por faixa etária. 

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Gean Carlos Nunes, afirma que 70% dos professores que atuam na rede de ensino do Estado têm pós-graduação, o que demonstra a busca constante por capacitação para a sala de aula. 

Sobre o episódio envolvendo a professora Rafaella Machado, o dirigente sindical ressalta a liberdade de cátedra da categoria. "Não posso chegar e ser tendencioso em sala de aula, mas tenho de falar da diversidade humana, por exemplo. Não posso esconder isso dos meus alunos porque existem alunos LGBT na escola.  Além de tudo, tem os temas transversais. A escola e o professor estão agindo conforme os artigos 205, 206 da Constituição", aponta Gean, numa referência aos dispositivos que tratam de acesso à educação.

Para evitar conflitos, Gilda Cardoso sugere que as escolas também ajudem na formação das famílias que, muitas vezes, demonstram resistência por desconhecimento. A proposta da professora é que as instituições de ensino distribuam informativos sobre temas que considerem relevantes, e até mesmo convidem os pais a participar da discussão do planejamento pedagógico. Não significa, segundo ela, que os familiares poderão interferir no que será ministrado em sala de aula, mas estarão cientes dos assuntos, por que são ensinados e como esse conteúdo será compartilhado. 

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