Publicado em 16 de maio de 2025 às 09:04
Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista Science apresenta a maior base genética dos brasileiros já organizada até hoje. Nesse trabalho, constatou-se que 58,22% da população no Espírito Santo têm origem europeia. Outros 30,49% têm ascendência africana e 11,29%, nativa americana. >
O Espírito Santo apresenta equivalência ao resultado nacional. No país, a maior parte da amostra estudada apresenta cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% nativa. Os Estados que têm predominância distinta são o Amazonas, cuja maioria (43,53%) é indígena em determinada região pesquisada, e a Bahia, com concentração de ancestralidade africana (48,30%). >
Para se chegar a esses resultados, foram analisados os genomas completos de 2.723 pessoas como parte do projeto DNA do Brasil. Os genomas incluem comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco regiões geográficas do país.>
O mais completo estudo sobre o genoma do brasileiro confirmou que o país apresenta um dos mais altos graus de miscigenação do mundo e, nessa mistura ancestral, muitos grupos étnicos já estão extintos.>
>
O trabalho revela também mais de oito milhões de variantes genéticas inéditas. Um conhecimento valioso para o diagnóstico de doenças e o desenvolvimento de tratamentos médicos personalizados.>
O Brasil apresenta uma genética única, cuja origem remonta à ocupação do território no século XVI, quando aproximadamente cinco milhões de colonos europeus migraram para o País.>
A chegada desses grupos provocou a redução de mais de 90% da população indígena nativa e a escravização forçada de mais de cinco milhões de africanos de diferentes partes do continente para o Brasil. O trabalho mostra que a conturbada história demográfica do país está registrada nos genomas da população.>
Lygia da Veiga Pereira,
geneticista da USP e uma das autoras do trabalhoAs maiores porcentagens de ancestralidade africana estão no Norte e no Nordeste, enquanto as europeias se concentram no Sul e no Sudeste.>
“Conseguimos capturar mais frações de genomas indígenas do que qualquer outro estudo. Apesar de 90% dos povos originários terem sido extintos com a vinda dos europeus, eles seguem vivos nos brasileiros atuais, na forma de fragmentos de seus genomas”, explica Lygia da Veiga Pereira.>
“Além disso, encontramos combinações de genomas africanos que não são encontrados nem mesmo naquele continente, uma vez que povos geograficamente distantes retirados à força da África se encontraram aqui e se misturaram”, completa.>
A pesquisa revela ainda que a maioria das linhagens do cromossomo Y (herdado dos homens) analisados no estudo era de ascendência europeia (71%), enquanto a maioria das linhagens mitocondriais (herdadas das mulheres) era africana (42%) ou indígena americana (35%). A equipe conclui que isso se deve a um padrão histórico de acasalamento assimétrico entre homens e mulheres indígenas e africanas.>
Nas gerações mais recentes, contudo, o estudo detecta um padrão de “acasalamento seletivo”, que revela a tendência de a população ter filhos dentro do mesmo grupo étnico. O conjunto desses dados genéticos revela a complexa rede social e étnica que se formou no Brasil ao longo de mais de 500 anos.>
“A maioria dos colonos europeus eram homens e, considerando a história de violência na colonização, pode-se explicar a ocorrência de acasalamentos assimétricos sistemáticos nos primeiros séculos do Brasil (séculos XVI a XVIII). Após esse período, observa-se preferência por casamentos dentro dos próprios grupos étnicos”, aponta Tábata Hünemeier, pesquisadora da USP que também lidera o estudo.>
Segundo Lygia da Veiga Pereira, a formação do povo brasileiro não é comparável nem mesmo à da população dos Estados Unidos, onde “houve muito menos miscigenação”, conforme a pesquisadora.>
“Para começar: para lá foram 450 mil africanos escravizados, contra mais de seis milhões que vieram para cá. Ou seja: tem 15 vezes mais contribuição da África na formação do povo brasileiro do que do povo americano”, afirma.>
“Além disso, apesar das tentativas de ‘branqueamento’ da população, tivemos muito mais miscigenação do que nos Estados Unidos, onde até relativamente pouco tempo atrás havia leis proibindo a miscigenação (tanto com negros quanto com indígenas); uma história ainda pior do que a nossa", prossegue Lygia.>
Entre 1908 e 1963, entraram no Brasil 242.171 imigrantes japoneses. Trata-se do quinto maior grupo estrangeiro a imigrar para o País, atrás de portugueses, italianos, espanhóis e alemães. Hoje, os descendentes de japoneses estão concentrados em São Paulo e Paraná, com porcentuais mínimos no restante do País, o que se reflete no mapa geral feito pelos pesquisadores.>
A pesquisa revela mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até então. A equipe identifica variantes genéticas potencialmente patogênicas em 450 genes ligados a doenças cardíacas e obesidade.>
Também foram encontradas variantes genéticas em 815 genes relacionados a doenças infecciosas, como malária, hepatite, gripe, tuberculose e leishmaniose. Mais estudos serão necessários para determinar o papel e a influência de cada um desses genes.>
Kelly Nunes,
pesquisadora da USP que também assina o trabalho“Essas informações podem contribuir para melhorar a saúde pública não só no Brasil, mas também em populações historicamente pouco representadas nos estudos genéticos, como os povos originários brasileiros e africanos.”>
O estudo identifica também variantes genéticas que favorecem a fertilidade, além de genes ligados à resposta imunológica do organismo e ao sistema metabólico, que teriam sido favorecidos pela seleção natural ao longo de 500 anos de miscigenação.>
“Os processos de seleção natural do genoma costumam ocorrer ao longo de milhares de anos, mas na população brasileira observamos um processo mais recente e muito mais curto”, descreve o pesquisador David Comas, do Instituto de Biologia Evolutiva (IBE) de Barcelona, que colaborou com a pesquisa da USP.>
“Isso se deve à grande diversidade genética do país a partir da chegada dos colonizadores e à pressão seletiva exercida pelos patógenos locais sobre os recém-chegados.”>
Desde o sequenciamento do genoma humano em 2003, cientistas de várias partes do mundo se dedicam a decifrar as informações. Entretanto, grande parte das informações genéticas obtidas nas últimas décadas carece de diversidade étnica.>
Mais de 80% da população já mapeada são de europeus e norte-americanos brancos. Isso limita a aplicação do conhecimento gerado em países muito miscigenados a exemplo do Brasil.>
O “DNA do Brasil” faz parte de um projeto maior, do Ministério da Saúde, que engloba ainda um trabalho do Hospital Albert Einstein, com o sequenciamento de genomas de pessoas com doenças raras. O objetivo é chegar a centenas de milhares de genomas, como já ocorre na Finlândia, no Reino Unido e nos Estados Unidos.>
Com informações do Estadão Conteúdo>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta