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Justiça barra doação de terreno da prefeitura para a Santa Casa em Colatina

Justiça barra doação de terreno da prefeitura para a Santa Casa em Colatina

MPES argumentou que houve autorização da Câmara em 2023 para o repasse, mas a transferência gratuita do patrimônio municipal 'carece de interesse público'

Publicado em 16 de julho de 2025 às 18:35

 - Atualizado há 5 meses

Vista aérea do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Colatina
Vista aérea do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Colatina Crédito: Santa de Misericórdia de Colatina

A Justiça determinou, nesta quarta-feira (16), a suspensão da doação do terreno de 8.228,45 m² onde funciona a Santa Casa de Misericórdia de Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, feita pela Prefeitura à instituição. A decisão, assinada pelo juiz Menandro Taufner Gomes, aponta que a área é avaliada em R$ 4,5 milhões e acolhe a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público (MPES), que argumenta que, apesar da autorização da Câmara — estabelecida na Lei Municipal nº 7.169/2023 — para doação, o repasse gratuito do patrimônio municipal 'carece de interesse público'.

O juiz acolheu os argumentos do Ministério Público (MPES), principalmente porque a Santa Casa teria sublocado partes do imóvel a empresas privadas sem autorização e em condições desfavoráveis ao hospital, conforme auditoria da prefeitura.

A decisão liminar suspendeu a doação, determinou a retomada provisória da posse do imóvel pelo município e proibiu o uso indevido das estruturas hospitalares por empresas privadas, até a realização de uma audiência de conciliação para tratar das irregularidades. O juiz destacou que a doação de bens públicos exige licitação e comprovação do interesse público, o que, segundo ele, não ficou claramente demonstrado.

A decisão judicial ponto a ponto:

  • A decisão judicial detalha que em 2012, a Prefeitura de Colatina foi autorizada a firmar parceria com a Santa Casa, cedendo estrutura, equipamentos e o imóvel para a gestão da saúde pública em suas dependências, por um período de até 20 anos;

  • Acrescenta que a Santa Casa de Misericórdia é uma entidade hospitalar sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública e relevante interesse social em conformidade com a Lei Municipal n.º 5.861/12;

  • Em 2016, a prefeitura assinou um "Termo de Cessão Gratuita" com a Santa Casa para o uso do imóvel, da aparelhagem, móveis e máquinas que estruturavam o hospital;

  • A decisão menciona informação que consta na ação movida pelo MPES, sobre supostas irregularidades apuradas em uma auditoria realizada em 2021 pela Controladoria Geral do Município;

  • Entre as supostas irregularidades, estão elencados a informação de que a Santa Casa cedeu onerosamente partes do imóvel e da área hospitalar para exploração econômica exclusiva de uma clínica, um laboratório, e de uma lanchonete, sem a devida autorização do Município. Essa autorização, segundo a decisão da Justiça, era exigida por uma cláusula do chamado 'Termo de Cessão Gratuita de Uso';

  • Os contratos da Santa Casa com essas empresas apresentavam, segundo a decisão judicial, desequilíbrio contratual, com prevalência dos interesses particulares sobre o interesse público;

  • Consta ainda na decisão, que o hospital, subsidiado com recursos públicos, arcava integralmente com despesas de consumo de água, energia elétrica, limpeza, manutenção e equipamentos geradas pelas atividades econômicas da clínica e do laboratório;

  • Não havia, segundo consta na longa decisão judicial, prova da quitação dos aluguéis da lanchonete, nem do repasse pactuado à Santa Casa. Os repasses previstos eram: 5% sobre o faturamento bruto (descontados impostos e despesas laboratoriais) para a clínica, 20% sobre o faturamento bruto para o laboratório, e um aluguel mensal equivalente a 1 salário mínimo para a lanchonete;

  • Conforme o que consta na decisão judicial, inexistia controle, fiscalização, conferência ou transparência sobre os valores do faturamento da clínica e do laboratório, sendo estes estabelecidos unilateralmente pelas empresas;

  • A decisão da Justiça destaca que foi levantada forte suspeita de conflito de interesses: um membro do Conselho Administrativo do hospital e suposto ex-sócio da clínica, assinava cheques para pagamento à Santa Casa, indicando ser um “sócio oculto” na empresa, atualmente comandada por seus familiares;

  • O texto judicial destaca que a clínica e o laboratório usufruíam com exclusividade das melhores áreas e estruturas hospitalares para suas atividades econômicas privadas, em detrimento do Pronto Atendimento Municipal, que ficou precarizado e vinha prestando serviço desumanizado e ineficiente;

  • De acordo com a decisão judicial, a Controladoria não encontrou documentação contábil, bancária ou fiscal idônea para demonstrar o real faturamento bruto da clínica e do laboratório, prejudicando a análise dos valores repassados, e que o laboratório também se beneficiava de consumo livre de energia e água e da cessão de diversos equipamentos hospitalares;

  • A Santa Casa, segundo o texto da Justiça, arcava com despesas de água, energia, cedia equipamentos, realizava manutenção, limpeza, higiene, e ainda pagava pelos serviços do locatário, enquanto o pagamento do locatário era baseado em demonstrativo de faturamento simples emitido pela própria locatária;

  • A decisão judicial cita parte da ação do Ministério público, que diz que a resposta do Município e a doação do imóvel apesar de receber notificações com as irregularidades em relatório de sua própria Controladoria, a municipalidade, em vez de saná-las e estancar a lesão ao patrimônio e aos serviços públicos, deliberou por doar à entidade o imóvel onde funciona a Santa Casa. 

  • A Câmara Municipal, diz a decisão da Justiça, aprovou a doação em uma "rapidez atípica", à míngua de interesse coletivo ou vantagem real ao patrimônio público. A justificativa apresentada para a doação era que a transferência da propriedade do imóvel "acarretaria mais benefício à população, uma vez que desvinculada do termo de cessão vigente, possibilita a entidade maior flexibilidade e abrangência em suas contratações";

  • O Ministério Público argumentou, e o juiz concordou, que a doação carece de interesse público e que a Lei Municipal nº 7.169/2023, que a autorizou, é inconstitucional;

  • A decisão judicial cita a ausência de interesse público, segundo a qual, não há estudos técnicos, dados científicos ou estatísticos que indiquem com exatidão e clareza se a doação ampliaria os benefícios ofertados à população na Santa Casa;

  • O juiz menciona o argumento do MPES, de que o 'Termo de Cessão Gratuita de Uso' já era suficiente para garantir à Santa Casa a posse, o uso e a continuidade ou ampliação da estrutura hospitalar;

  • E que a alienação de bens da Administração Pública, como a doação de imóveis, exige autorização legislativa, avaliação e, via de regra, licitação na modalidade leilão, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado. A licitação só é dispensada em casos taxativamente previstos em lei, o que o juiz não identificou neste caso;

  • Segundo a decisão da Justiça, a doação de bens públicos para entidades privadas, mesmo com encargo, deve ser licitada, pois permite cooptar propostas melhores ou mais vantajosas para a Administração Pública, possibilitando que outras entidades filantrópicas ou pessoas jurídicas ofereçam serviços em condições superiores;

  • A recusa ou inobservância do procedimento licitatório, segundo a decisão, implica presunção de lesão ao patrimônio público e violação aos princípios da impessoalidade e finalidade;

  • O juiz relata que a lei municipal que permitiu a doação com dispensa de licitação e sem critério objetivo de demonstração do interesse público é considerada materialmente inconstitucional, pois viola o Pacto Federativo ao suprimir uma obrigação legal instituída em lei federal (Lei de Licitações);

  • Atendendo a provocação do MPES, o juiz Menandro Taufner Gomes determinou, em caráter liminar - provisório-, a suspensão da doação realizada pela prefeitura à Santa Casa de Colatina devido à inconstitucionalidade material da Lei Municipal n.º 7.169/2023, que permitiu a doação com dispensa de licitação e sem demonstração de interesse público;

  • Determinou, de forma provisória, a retomada da posse do imóvel pela Prefeitura de Colatina, com base nas cláusulas do "Termo de Cessão de Uso Gratuito" firmado com a Santa Casa de Misericórdia. Na prática, a unidade continua utilizando o espaço, mas nas condições anteriores à doação feita em 2023, ou seja, com uso cedido e não com posse plena;

  • O juiz autorizou o Município a reinstalar o Pronto Atendimento (PA) junto à Santa Casa, conforme regras a serem pactuadas. Caso o Município opte por não reinstalar, deverá informar à Justiça os motivos na contestação, uma peça processual a ser entregue ao Juízo;

  • O magistrado também determinou a proibição provisória do uso da estrutura, serviços, equipamentos e materiais da Santa Casa de Misericórdia de Colatina para custeio das despesas das atividades empresariais privadas clínica e do laboratório, a menos que haja logística de fiscalização, transparência e conferência dessas despesas e do faturamento bruto das empresas, que estabeleça justiça no repasse dos valores. A proibição poderá ser revogada se as empresas apresentarem relatórios contábeis, documentação fiscal idônea e provas dos valores dos faturamentos e exatidão dos repasses;

  • O juiz também decidiu proibir provisoriamente a repactuação ou prorrogação dos contratos do hospital com o laboratório, a clínica e a lanchonete que funcionam na estrutura da Santa Casa, bem como contratar com qualquer outra empresa privada que não seja por meio de licitação;

  • O magistrado também proibiu provisoriamente que a clínica encerre ou abandone seus serviços essenciais contratados, especialmente a hemodiálise, salvo se houver ajuste documentado com a prefeitura para que este assuma totalmente a execução de tais serviços;

  • E fixou multa diária de R$ 100.000,00, aplicada aos réus e solidariamente aos sócios e representantes legais, por cada dia de descumprimento da decisão.

  • A Justiça designou uma audiência especial de conciliação para 15 de agosto, às 13 horas, no Fórum de Colatina, com a presença dos representantes das partes envolvidas.

Em nota, a Prefeitura de Colatina destacou que "mesmo com a reversão da doação, o funcionamento do hospital não será impactado".

A decisão mantém válida a cessão de uso em favor da Santa Casa, permitindo que a entidade continue utilizando a estrutura para a prestação dos serviços de saúde à população

Prefeitura de Colatina

Em nota

A prefeitura finalizou dizendo que "a decisão também autoriza o Município a reutilizar o espaço do Pronto Atendimento Municipal (PA) no local, e a prefeitura já estuda a instalação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Transtorno) nas dependências do imóvel, aproveitando a vocação da unidade, que já é referência regional em saúde mental".

A Santa Casa de Misericórdia de Colatina não havia se manifestado até a última atualização do texto.

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