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Justiça anula provas e advogada condenada por levar drogas a presídios é absolvida no ES

Justiça anula provas e advogada condenada por levar drogas a presídios é absolvida no ES

Defesa alegou que a acusação partiu de um agente penitenciário infiltrado ilegalmente como investigador dentro do sistema penitenciário

Publicado em 13 de abril de 2023 às 12:15

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura

Uma das condenadas a 33 anos e oito meses de prisão por levar drogas a presídios no Espírito Santo foi absolvida. A decisão favorável a Márcia Borlini Marim Sanches e a outros réus foi proferida pela Justiça capixaba nesta quarta-feira (12), sete meses após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anular provas levantadas na investigação.

Além das advogadas Marcia e Joyce Silva Boroto, condenadas a 33 anos e oito meses de prisão, também foram condenados no processo Rogério Alvarenga Carvalho Filho, cliente de Márcia, a 21 anos e quatro meses; Abel Graciano e João Victor Alvarenga Borges Carvalho, a 17 anos e 10 meses; Gerivan Ferreira Queiroz, oito anos e seis meses; e Thiago Luiz Da Costa Nogueira Bicalho, sentenciado a dois anos de reclusão e continuou em regime aberto.

O juiz Eliezer Mattos Scherrer Junior, do TJES, acatou a decisão do STJ de anular as provas. O magistrado expediu alvará de soltura para Márcia, Rogério, Abel, João Victor e Gerivan, mas manteve em parte a condenação de Joyce, reduzindo-a para sete anos e seis meses, por corrupção ativa e tráfico de drogas. 

Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas e absolveu advogada. (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Nulidade processual 

O advogado Hugo Nunes, que faz a defesa de Márcia Borlini, explicou que, desde a primeira defesa, foi identificada a falta de nulidade processual.

“O delegado, em uma oportunidade de produzir provas, entendeu por bem infiltrar um agente penitenciário em designação temporária como investigador da Polícia Civil dentro da unidade prisional para colher provas de como a droga estaria entrando no presídio”, declarou para A Gazeta nesta quinta-feira (13).

Hugo Nunes manifesta que, em maio de 2020, o delegado da Polícia Civil Guilherme Eugênio, responsável na época pelo Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) de Guarapari, investigava como drogas estavam sendo entregues a presos do Centro de Detenção Provisória de Guarapari (CDPG).

"Com o argumento de que não teria outra forma de continuar as investigações, teve como estratégia, requerer ao juiz da 1ª Vara Criminal de Guarapari,  Eliezer Mattos Scherrer Junior, a autorização ilegal da infiltração de um agente penitenciário em designação temporária, como um investigador da Polícia Civil", afirmou. O pedido foi acatado pelo magistrado. 

Advogado Hugo Miguel, responsável pela defesa de Márcia. (Reprodução)

"O absurdo dessa história é o fato de que o 'agente infiltrado' foi autorizado judicialmente a oferecer drogas aos presos para tentar descobrir quem seria os possíveis compradores das supostas drogas que entravam no presídio. Ocorre que, foi como 'oferecer doces a crianças'", continuou o advogado de Márcia.

"Assim que chegou no presidio para iniciar a trama, o 'agente infiltrado', abordou primeiramente o cliente Rogério e, assim, começou começou toda a acusação que Márcia teria participado da trama de entrar com drogas no presidio, tendo sido presa no dia  11 de setembro de 2020", prosseguiu. 

“Foi uma batalha de dois anos, até que eu ingressei com um habeas corpus. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) através do ministro Sebastião Reis entendeu em anular todas as provas colhidas no processo penal por ter sido gerdas de forma ilegal pelo agente infiltrado. Isso automaticamente absolveu a Márcia, porque ela entrou na ação pelo agente que ofereceu drogas ao marido da Márcia”, explicou.

Enquanto o processo corria na Justiça, Márcia foi proibida de exercer a advocacia. “Ele (juiz) manteve os réus presos ilegalmente, mesmo sabendo que as provas estavam nulas, só reconhecendo e expedindo o alvará ontem à noite”, declarou o advogado da acusada.

A defesa de Márcia planeja agora pedir uma indenização ao Estado, pelos danos alegados durante esse período presa.

Com as provas anuladas pelo STJ, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) pode entrar com um recurso, mas a partir da publicação da absolvição, a advogada Márcia e os demais réus presos podem deixar a prisão.

Entendimento do STJ 

Na decisão de novembro de 2022, o ministro do STJ Sebastião Reis Júnior entendeu que não é qualquer pessoa que pode ser infiltrada para apurar a prática de inserção de drogas em estabelecimentos penais.

Ministro Sebastião Reis Júnior
Ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ. (@flickr Gustavo Lima )

“Ainda que se tratasse de agente de polícia penal – e insisto em deixar claro que não é, pois consta dos autos que o agente cumpria a função de inspetor penitenciário que sequer teria vínculo celetista com o Estado –, não haveria como reconhecer a licitude da investigação realizada, uma vez que a polícia penal não detém atribuição de polícia investigativa”, manifestou o magistrado.

Aspas de citação

Não vejo como ‘fechar os olhos’ para a gritante mácula e autorizar a permanência dos elementos de informação coletados de forma ilegal, por meio da infiltração efetivada por pessoa que não é agente investigativo, mas, pelo contrário, policial penal não preparado para assumir a responsabilidade e que sequer consta dos quadros de servidores do Estado.

Sebastião Reis Júnior
Ministro do STJ 
Aspas de citação

Sebastião Reis aceitou então o habeas corpus impetrado pelo advogado de Marcia, anulou todas as provas colhidas e revogou a prisão da acusada.

Relembre o que levou à prisão

• Prisão de Rogério: cliente de Márcia estava preso no Centro de Detenção Provisório de Viana (CDPV);
•  11 de setembro de 2020: advogadas são presas na Operação Vade Mecum, da Polícia Civil, contra tráfico de drogas. Elas são apontadas como suspeitas de levarem entorpecentes para presos do Centro de Detenção Provisória de Guarapari;
• 13 de agosto de 2021: Justiça aceita denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e, a partir de provas obtidas na Operação Armistício, transforma em réus quarenta investigados, incluindo as advogadas, acusadas nessa ocasião de levar informações privilegiadas para lideranças de organizações criminosas;
• 15 de setembro de 2021: Em prisão domiciliar devido a uma decisão do STJ, que transformou a preventiva em domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, Márcia voltou para o presídio, após acusação de que estaria ameaçando pessoas envolvidas na investigação;
• 28 de setembro de 2022: STJ aceita habeas corpus de advogado de Márcia e anula todas as provas colhidas pelo agente infiltrado na unidade penitenciária. 

O que diz a advogada

Após a publicação deste texto, a advogada Marcia Borlini Marim Sanches entrou em contato com a reportagem e enviou uma declaração negando qualquer ato infracional no sistema prisional do Estado. Confira na íntegra: 

"Eu declaro que nunca cometi qualquer ato ilegal no sistema prisional do Estado, que toda essa história começou no mês de julho de 2020, totalmente criada pelo delegado GUILHERME EUGÊNIO, da DENARC DE GUARAPARI, quando eu no exercício da minha profissão de advogada ao realizar o atendimento do meu cliente ROGERIO no CDPG, enquanto aguardava no parlatório, presenciei o Agente Penitenciário em Designação Temporária, oferecendo drogas a ROGERIO, no momento em que levava o mesmo ao parlatório.

Eu só fiquei sabendo do ocorrido porque ROGERIO ao ser atendido me relatou que o Agente Penitenciário teria oferecido ao mesmo a venda de drogas que seriam entregues pelo próprio Agente Penitenciário dentro da cela de ROGERIO no presidio.

A partir daí, não tive mais nenhum conhecimento de qualquer ato praticado entre o Agente Penitenciário e ROGERIO.

Eu só soube de todas as acusações absurdas sobre a minha pessoa, no momento em que o Delegado GUILHERME EUGÊNIO, entrou no meu apartamento no dia 11/09/2020, de forma ilegal, sem a presença dos representantes da OAB, e cumpriu o mandado de prisão revirando todo o meu apartamento.

Foi assim que minha vida mudou completamente, onde fui levada presa no Centro de Detenção Feminino de BUBU, e fiquei presa ilegalmente em uma cela comum, insalubre, desumana, sendo acusada por um crime que eu não cometi.

Foram meses de completo terror jamais vivido, pois, fui humilhada e torturada pelas Agentes Penitenciarias em conluio com a diretora.

Eu como advogada tenho direito a sala de estado maior, e mesmo assim, fui privada dos meus direitos, e pior, fiquei em uma cela comum em contato com as demais presas.

Por culpa desse processo, hoje estou fazendo tratamento psicológico, e uso de vários medicamentos controlados, não tendo ainda conseguido restabelecer minha vida normal e voltado a trabalhar.

Desde o dia que fui presa fui impedida de exercer a minha profissão de advogada, não tendo como obter qualquer meio de renda, há mais de 2 ANOS E 7 MESES.

Com o reconhecimento da minha inocência, e declaração da minha absolvição, hoje pretendo reerguer a minha cabeça, e voltar a trabalhar como advogada.

Pretendo buscar todos os meus direitos no judiciário capixaba, para que sejam amenizados os danos sofridos com este processo."

O que dizem os citados

O advogado Selso Ricardo Damacena, que faz a defesa de Joyce, afirmou que a cliente responde em liberdade e manifestou que a decisão de manter em parte a condenação dela é “eivada de nulidade, a qual desrespeita o acórdão do ministro do STJ, que anulou as provas.”

Acionada pela reportagem, a Polícia Civil  afirmou que todo o processo de investigação da Operação Vade Mecum, realizada em setembro de 2020, pela Delegacia Especializada de Narcóticos (Denarc) de Guarapari, correu dentro da legalidade, com a anuência do Ministério Público Estadual e autorização proferida pela 1ª Vara Criminal de Guarapari.

A Gazeta também procurou o MPES e a Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES) e aguarda os posicionamentos.

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