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Falta de professores em escolas públicas de Vitória vai parar na Justiça

Falta de professores em escolas públicas de Vitória vai parar na Justiça

Problema é apontado por pais e também pelo Conselho Municipal de Educação; Ministério Público ingressou com ação para a prefeitura contratar imediatamente

Publicado em 19 de abril de 2022 às 07:35

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Dois meses após o início do ano letivo, pais reclamam da falta de professores em escolas da Capital. Algumas disciplinas nem mesmo começaram a ser ofertadas. O problema também foi constatado em visita técnica do Conselho Municipal de Educação de Vitória (Comev), que elaborou um relatório sobre o panorama nas unidades de ensino.  A carência levou o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) a pedir na Justiça que a prefeitura contrate imediatamente profissionais para suprir a demanda. 

Em nova ação civil pública apresentada nesta segunda-feira (18), o MPES requer a contratação de professores, coordenadores e pedagogos para a ocupação de cargos vagos em todas as unidades  da rede municipal, tanto da educação infantil quanto do ensino fundamental. Na última semana, o órgão já havia ingressado com um pedido na Justiça para admissão de profissionais para a educação especial, e deu um prazo de até 60 dias para que apresente um plano de gestão para evitar que os alunos fiquem desassistidos.

Na ação mais recente, o MPES também solicita a apresentação, no prazo de até 30 dias,  do Plano de Gestão e Recomposição dos conteúdos perdidos, que deve assegurar a recuperação das disciplinas aos estudantes da rede. "O objetivo é evitar prejuízo educacional aos alunos da rede municipal de ensino de Vitória, no ano letivo de 2022", diz o órgão, por meio da assessoria. 

A iniciativa do MPES decorre de dois procedimentos administrativos que visam apurar a falta de professores em diversas disciplinas na rede municipal. Durante a apuração, foram feitas visitas técnicas em 22 unidades e o órgão constatou a necessidade imediata de contratação de 47 professores, quatro coordenadores e um pedagogo em 18 unidades.

Uma das questões observadas, ainda segundo o MPES, foi a insuficiência de assistentes administrativos na rede de ensino, o que resulta no desvio de função de diretores, pedagogos, coordenadores, estagiários e professores, que realizam atendimentos nas secretarias escolares, e impacta na prestação de um ensino eficiente e de qualidade.

O Ministério Público também requer que o município informe, no prazo de 72 horas, o número de cargos vagos de professores, coordenadores e pedagogos em todas as unidades de ensino, bem como a relação de educadores aprovados no último concurso, apontando eventual possibilidade de convocação imediata.

Em caso de não cumprimento de alguma das medidas, o município está sujeito a multa diária no valor de um salário mínimo, que este ano é de R$ 1.212,00.

Escola Prezideu Amorim, no bairro Bonfim, em Vitória, tem falta de docentes
Escola Prezideu Amorim, no bairro Bonfim, em Vitória, tem falta de docentes. (Diego Alves/Divulgação)

QUEIXAS DOS PAIS

Pai de duas crianças que estudam na rede municipal, o servidor Antonio Gonçalves Rocha se queixa das mudanças na organização curricular, sem discussão com a comunidade escolar, que, segundo ele, têm contribuído para a ausência de professores.

Presidente da comissão da escola Prezideu Amorim, no bairro Bonfim, Antonio conta que uma das disciplinas sem professor é a de Projeto de Vida, recém-implantada na rede, porque não foi oferecida a capacitação. "Até hoje não tem professor para essa matéria e, no dia que tem essa aula, os alunos ficam sem fazer nada", relata. 

Outro problema apontado pelo pai é que, como a escola tem muitos profissionais em Designação Temporária (DT), ou seja, são admitidos por contrato com tempo determinado, alguns não renovaram para voltar para a unidade de ensino este ano porque houve ajustes na carga horária a partir da nova organização curricular. 

"Então, há um déficit porque professores estão saindo por conta da carga horária aumentada. Além disso, tem os concursados que não vão porque estão pegando atestado,  entram de licença por estresse, depressão. Tem um de português que vai um dia, falta três. Também falta o pedagogo que era DT", pontua Antonio. 

Na última quarta-feira (13), exemplifica o pai,  um comunicado foi encaminhado às famílias de alunos do turno vespertino informando que o 1º ano C e o 4º ano B não teriam aula porque os professores estavam de licença, bem como a turma do 5º ano B porque não tinha professor. O aviso foi encerrado da seguinte maneira: "as demais turmas terão aula e serão atendidas de acordo com organização interna da escola."

A área da educação especial também está sem profissionais especialistas. A servidora Waleska Timoteo tem dois filhos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) - Bernardo, 3 anos, e Eduardo, 5 - e indica que a ausência de educadores habilitados para o atendimento compromete o desenvolvimento dos meninos.

"A pessoa de espectro autista precisa de espaço para socialização, e a escola tem esse papel. Mas onde eles estudam (Cmei Terezinha Vasconcelos Salvador, no Forte São João) está faltando o profissional de apoio", lamenta.  

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

A professora Zoraide Barboza Souza, presidente do Comev, diz que a entidade visitou 76 das 102 escolas de ensino fundamental e centros de educação infantil de Vitória, entre 7 de fevereiro e 14 de março. Das que receberam a equipe do conselho, 24 responderam a um questionário e, destas,  97,7% revelaram que o quadro de educadores estava incompleto: faltavam 62 profissionais de educação naquele período.  O relatório, com esses e outros dados, foi encaminhado para o MPES e para a Secretaria Municipal de Educação (Seme). 

Zoraide atribui parte do problema à mudança na organização curricular, que levou à "quebra na carga horária" de 25 horas dos professores e aumento da jornada dos educadores. Na parte da manhã, por exemplo, os educadores trabalhavam das 7 às 11h30 e, agora, ficam até o meio-dia, dificultando a rotina daqueles que precisam se deslocar para outras unidades de ensino para atuar no turno vespertino. 

A presidente do Comev diz ainda que mais tempo na escola não está se traduzindo em mais tempo de aula. Com a ampliação da jornada, os alunos recebem um pequeno lanche no início do turno e os professores da primeira disciplina do dia se dedicam a acompanhá-los. 

A saída de alunos ao meio-dia também tem sido um complicador para algumas famílias, afirma Zoraide, porque no horário nem sempre tem alguém que possa buscar a criança na escola. "Em Jardim da Penha tem um caso assim: a avó buscava o neto às 11h30; meio-dia ela não consegue. Tem casos de alunos da manhã que pegam van e têm que esperar a entrada do turno da tarde para ir embora porque os horários agora estão desencontrados", exemplifica. 

Zoraide ressalta que o conselho não é contra mudanças na organização curricular, mas aponta que as alterações foram feitas pela administração municipal sem discussão com a entidade, e sem um período de transição. Para ela, seria melhor implantar gradativamente, com escolas-piloto, para depois levar a toda rede já com eventuais ajustes. 

O OUTRO LADO

A secretária municipal da Educação, Juliana Rohsner, reconhece que o início do ano na rede foi complicado, mas assegura que o quadro está sendo normalizado à medida que o órgão tem feito a convocação de profissionais para completar as vagas. A nomeação de 364 profissionais efetivos aprovados em concurso público; convocação de mais de 1 mil aprovados em processo seletivo simplificado; remanejamento de profissionais na própria rede foram algumas das estratégias.

Também houve um aumento no valor da bolsa dos estagiários de nível superior, que atuam na educação infantil e no ensino fundamental, porque era motivo de falta de interesse nas vagas oferecidas e, assim, comprometia o atendimento nas escolas. 

Juliana revela ainda um aumento expressivo no número de licenças médicas. Na segunda quinzena de março, foram 602 afastamentos frente a 473 no mesmo período em 2019 - antes da pandemia. A secretária atribui esse crescimento em parte justamente à crise sanitária porque alguns profissionais apresentaram sintomas gripais ou sequelas decorrentes da infecção pelo coronavírus. 

Falta de professores em escolas públicas de Vitória vai parar na Justiça

"A gente entende esse momento tanto como um problema de saúde física quanto mental, com muito estresse e ansiedade diante de tudo que se tem vivido no mundo nos últimos dois anos", analisa Juliana, acrescentando que a administração municipal tem um projeto de práticas restaurativas que, entre outras atribuições, promove o acolhimento desses profissionais que precisam de apoio para lidar com suas dificuldades.

Sobre as mudanças promovidas na organização curricular, a secretária justifica que a iniciativa é uma das estratégias para elevar o nível de aprendizagem das crianças no município, uma vez que há discrepância nos resultados apresentados nas avaliações de desempenho entre escolas da rede a depender da sua localização geográfica. 

"Precisava unificar a organização curricular para diminuir a desigualdade da rede. Não posso aceitar que, na mesma rede, com o mesmo material e condições de trabalho, resultados sejam tão diferentes", argumenta. 

Com a unificação, esclarece Juliana, observou-se que havia aulas subutilizadas, que poderiam ser destinadas a atividades complementares e projetos. Além disso, constatou-se que, embora a jornada de professores terminasse ao meio-dia, no turno da manhã, muitos iam embora no mesmo horário dos alunos, às 11h30, em vez de usar os 30 minutos finais para planejamento. Essa saída antecipada era acordada com a direção das escolas. 

Questionada sobre a dificuldade que educadores têm de se deslocar para outras unidades de ensino com a saída ao meio-dia, a secretária afirma que conseguiu reduzir o problema porque a rede fez alguns remanejamentos para deixar os professores trabalhando mais perto de suas casas. Mas admite que nem todos foram contemplados por essa mudança, o que pode levar profissionais a deixar a escola, particularmente DTs. 

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Em relação à utilização do tempo que deveria ser para aula com um lanche no início de cada turno, Juliana diz que uma equipe da secretaria vai às escolas para acompanhar porque, segundo ela, não era para ser uma atividade com mais de cinco minutos de duração a ponto de comprometer a parte pedagógica. As crianças chegam e recebem um copo de vitamina ou suco e se encaminham para a sala.  A alimentação extra não deixará de ser oferecida, mas a secretária espera um ajuste na condução dessa atividade para não afetar a primeira aula. 

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