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Excesso ou necessidade: a ação da Guarda e PM após blocos no Centro de Vitória

Excesso ou necessidade: a ação da Guarda e PM após blocos no Centro de Vitória

A conduta das forças de segurança dividiu opiniões; A Gazeta procurou moradores, associação dos blocos, especialistas em Segurança Pública e autoridades para comentar o assunto

Publicado em 14 de fevereiro de 2024 às 20:46

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A temporada de blocos de rua no Centro de Vitória acabou e, como em outros anos, as forças de segurança usaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar os foliões que queriam esticar a noite pelas ruas do bairro. As ações se concentraram na parte alta da Rua Sete, na região da escadaria da Piedade, onde foram registrados roubos, tumultos e aglomerações após o encerramento da programação oficial.

Nesse local, houve dois episódios distintos de uso de equipamentos não-letais para dispersão do público. Na madrugada de segunda-feira (12) para terça-feira (13), após relatos de brigas generalizadas e de um arrastão, a Guarda Municipal de Vitória junto a Polícia Militar utilizou bombas de gás lacrimogêneo e tiros de bala de borracha para dispersar a multidão.

Já na terça-feira (13), a dispersão ocorreu por volta de 22h. Segundo a PM e a prefeitura, por volta de 20h30, foram feitos alertas aos ambulantes e foliões de que era preciso deixar o local às 22h. Contudo, a PM afirmou que “não houve colaboração” e, por isso, os agentes usaram os mesmos recursos da noite anterior.

A conduta das forças de segurança dividiu opiniões. Alguns moradores do bairro são favoráveis a ações de dispersão após o final oficial da passagem dos blocos, argumentando que os “inimigos do fim” promovem confusões, fazem xixi nas ruas e usam caixas de som que atrapalham o sono de quem quer descansar. Outros apontam que houve excesso no uso da força por parte dos agentes públicos e falta de planejamento para prevenir a confusão. Este grupo pondera que não há ilegalidade em ficar na rua de madrugada, ainda mais durante o período de carnaval.

O que dizem moradores do Centro de Vitória 

"Acho a atuação da polícia correta. Já estava passando da hora até." - Lúcia Ferreira, 71, empresária.(Felipe Sena)

Para Lino Feletti, presidente da Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro), a prefeitura tem dado cada vez mais apoio à realização do carnaval de blocos no bairro e, neste ano, diversas demandas dos moradores e dos organizadores dos blocos foram atendidas.

É depois que acaba a passagem dos blocos autorizados, às 19h, que costumam acontecer os problemas. Lino ressalta o sucesso da criação de um “corredor da folia” com trio elétrico, que levou muitos foliões para a área do Sambão do Povo no período da noite. O local ficou lotado e contou com diversas apresentações musicais.

Porém ele aponta que falta planejamento efetivo a respeito de quem quer continuar a folia no Centro durante a noite.

“Fica ao deus dará. Já tem vários anos que é assim. Não é por não saber. O que realmente traz maior dificuldade são as caixas de som e os carros de som e o poder público não tem dado conta disso. Prefere mandar 30 homens armados com colete, capacete, escudo e bomba de efeito moral”, avalia o presidente da Amacentro.

O Blocão, coletivo que reúne blocos de carnaval do Centro de Vitória, também repudiou a ação e disse que não foi informado durante as diversas reuniões com a prefeitura, qual seria a ação de dispersão prevista para quem ficasse no Centro após o horário dos desfiles.

“Não foi mencionado o que seria feito com os foliões que ainda permanecem no bairro e muito menos que fariam ataques com bomba de gás e balas de borracha. No momento dos ataques havia famílias com crianças nas ruas, ambulantes, trabalhadores e foliões aproveitando os últimos dias do carnaval”, disse a organização, em nota.

Multidões são sempre um desafio, diz especialista

Regional da Nair 2024, no Centro de Vitória
Bloco Regional da Nair saiu na manhã de domingo, no Centro de Vitória. (Carlos Alberto Silva)

Segundo o coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, o controle de multidões é sempre um desafio para as forças de segurança. Ele aponta que, todo evento que reúne grande número de pessoas em um local só, requer muito planejamento.

Em relação ao carnaval, o especialista chama a atenção para o reforço na segurança que deve acontecer principalmente ao anoitecer.

“De maneira geral, há disposição de lazer, de brincadeira, e a expressiva maioria vai pra brincar e não pra bagunçar. Mas a escuridão (após o fim dos blocos) acaba sendo fator de estímulo, o nível de álcool já está mais alto. A demanda policial é sempre importante mais no final. É nesse final que os problemas começam a acontecer”, aponta.

O coronel ressalta que as forças de segurança precisam estar atentas a grupos de criminosos que se aproveitam da multidão (e do escuro) para promover arrastões, e sugere o uso de drones, câmeras e postos elevados com a presença de policiais para dissuadir os oportunistas.

Quanto à utilização de força não-letal, ele frisa que o uso deve ser feito em último caso, porque há o perigo de alguém se machucar de maneira grave durante a correria.

“Há sempre o perigo, dependendo do tamanho da multidão, de causar atropelos e ficar bastante perigoso. A recomendação é sempre utilizar onde o grupamento de pessoas tenha locais para correr, para se dispersar”, diz.

O especialista em Segurança Pública Henrique Herkenhoff concorda que o uso de ferramentas como balas de borracha e bombas de gás deve ser feito com cuidado. Ele aponta que, diante de “incivilidades menores”, como uso de caixa de som, xixi na rua, vozes exaltadas, por exemplo, seria melhor utilizar outra tática.

“Se houvesse algum ferido (na ação da PM e da Guarda), teria manchado a imagem de um carnaval que foi um grande sucesso. Carnaval sempre tem quem se excede um pouco. E, se não está havendo crime, tem que lidar com jogo de cintura e se planejar para o próximo ano”, observa.

Para Herkenhoff, poderia ter havido um direcionamento dessas pessoas para algum outro ponto no Centro mesmo, que não fosse tão residencial, para reunir quem ainda tivesse energia para terminar a noite.

Essa é, inclusive, uma das sugestões da Amacentro para a prefeitura. Segundo Lino, foi sugerido o Galpão 5, da antiga Codesa, para direcionar os foliões que querem ficar no bairro após o fim dos desfiles dos blocos.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública, o redirecionamento não é uma boa estratégia. “Existe uma dispersão natural. Uma hora as pessoas vão para casa. Os grupos vão ficando cada vez menores. O patrulhamento tem é que fazer dissuasão, pedir para as pessoas reduzirem o ruído, é preciso bastante paciência nessa hora”, reconhece.

O que dizem a prefeitura e a PM 

Em nota, a Prefeitura de Vitória disse que a Guarda Municipal de Vitória solicitou e orientou a dispersão do público várias vezes, “mas em razão da hostil reação de um pequeno grupo que promovia tumultos e desordem no local e que não representa os foliões, foi necessária a realização da dispersão”, afirmou.

A administração municipal ressaltou ainda que "o episódio foi isolado e não representa os moradores e as quase 500 mil pessoas que participaram da folia no Centro".

Apontou ainda que as ações foram construídas e acordadas entre a prefeitura, líderes comunitários, moradores, associações comerciais, comerciantes, empreendedores, autoridades constituídas e os blocos.

Sobre as caixas de som, que incomodam os moradores após o fim da programação oficial de blocos, a prefeitura afirmou que apreendeu 67 caixas de som durante o carnaval. (Leia nota na íntegra no fim da matéria).

Já a Polícia Militar afirmou que agiu após solicitação da Guarda de Vitória. Na madrugada de segunda para terça-feira (13), ressaltou que foram geradas diversas ocorrências de roubos e brigas generalizadas. Por isso, “precisou intervir utilizando equipamentos não letais, como bomba de gás e disparos de elastômetro (bala de borracha), para dispersar a multidão”.

Já na noite terça, atuou em apoio na dispersão de pessoas que insistiam em promover aglomeração e tumulto, tendo em vista que, de acordo com a Prefeitura, o alvará permitia a realização do evento somente até as 19h.

Nota da Prefeitura de Vitória

A Guarda Municipal de Vitória solicitou e orientou a dispersão do público reiteradas vezes, mas, em razão da hostil reação de um pequeno grupo que promovia tumultos e desordem no local e que não representa os foliões, foi necessária a realização da dispersão.

Prefeitura de Vitória destaca que o episódio foi isolado e não representa os moradores e as quase 500 mil pessoas que participaram da folia no Centro, que contou com 11 blocos e com o Circuito da Folia e resultou no maior Carnaval da história do Espírito Santo.

Um trabalho construído e consensuado entre a Prefeitura, líderes comunitários, moradores, associações comerciais, comerciantes, empreendedores, autoridades constituídas e os blocos, que contou com ampla infraestrutura do poder público municipal, tendo um posto de comando integrado na região, com a presença constante de agentes da Guarda Municipal e de outras forças de segurança nas ruas para a tomada de decisões. 

 A PMV forneceu trios elétricos de acordo com a solicitação dos blocos que desfilaram na Avenida Beira-Mar, instalou quase 700 papeleiras e 50 contentores ao longo do percurso e instalou quase 700 papeleiras em todo o Centro, para que o público fizesse o descarte correto de seus resíduos, e instalou ainda mais de 600 banheiros, femininos e masculinos, e 50 mictórios, além de pontos de hidratação. 

Cabe ressaltar que a Prefeitura de Vitória atuou incisivamente na dispersão de grupos e apreensão de aparelhos de som, tendo efetuado a maior operação da história da capital, com 67 caixas de som retiradas de circulação no Centro de Vitória. Além disso, o Carnaval gerou renda e oportunidades para dezenas de ambulantes, devidamente capacitados no curso "Atendimento e Boas Práticas de Higiene". 

 A PMV reitera que, desde agosto, realizou diversas reuniões com ampla participação popular e nelas ficou estabelecido que os blocos deveriam cumprir uma série de obrigações, como a observância das normas municipais, controle da poluição sonora, respeito aos limites de local, horário, concentração e dispersão, entre outras. Com diálogo permanente, as regras foram consensualmente estabelecidas e aceitas por todos, mas, infelizmente, uma minoria, que não representa os foliões, não as cumpriu.

Notas da PM

NOTA 1:

Na madrugada dessa terça-feira (13), durante as festividades de Carnaval, foliões se aglomeraram ao redor de um bar no Centro de Vitória, sendo geradas diversas ocorrências de roubos e brigas generalizadas. A Polícia Militar precisou intervir utilizando equipamentos não letais, como bomba de gás e disparos de elastômetro, para dispersar a multidão. Ainda na mesma região, pouco antes da intervenção da PM, uma pistola de calibre 9mm, um carregador, munições, drogas e dinheiro, foram encontrados escondidos e apreendidos. Segundo informações de populares, um indivíduo teria atirado contra guardas municipais e fugido. A situação foi controlada após a intervenção, mas ainda persistiam alguns grupos dispersos na Avenida Beira Mar. É importante ressaltar que os blocos de carnaval foram autorizados apenas até as 19h e, mesmo assim, a presença de multidões e os incidentes ocorridos demandaram a intervenção da polícia para dispersar os foliões e evitar maiores problemas. O uso de equipamento não letal foi uma forma de conter a situação sem recorrer a medidas mais extremas, priorizando a segurança de todos os presentes.

NOTA 2:

A Polícia Militar informa que, após solicitação da Guarda Municipal de Vitória, atuou em apoio na dispersão de pessoas que insistiam em promover aglomeração e tumulto, tendo em vista que, de acordo com a Prefeitura, o alvará permitia a realização do evento somente até as 19h. Por volta das 20h30, essa dispersão foi planejada em comum acordo, sendo avisada aos ambulantes e frequentadores, com prazo de até 22h para saída do local. Tendo em vista que não houve colaboração, a PMES e a GMV realizaram a intervenção, sendo que houve resistência com uso de garrafas e pedras. Após a ação, não houve relato de feridos e a dispersão foi finalizada por volta das 22h30.

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