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Publicado em 12 de setembro de 2022 às 20:13
As cirurgias cardíacas realizadas em hospitais filantrópicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foram paralisadas no Espírito Santo em 16 de agosto. A medida foi adotada pela Medcardio. A empresa é conveniada com cinco entidades capixabas e alega rompimento de contrato por parte delas no fim de 2021. O Estado, por sua vez, entrou na Justiça, pedindo o retorno das operações. >
No Espírito Santo, as cirurgias cardíacas ocorrem em cinco hospitais filantrópicos com contrato com a Medcardio. A empresa tem, em seu quadro societário, a maioria dos médicos cirurgiões cardiovasculares registrados no Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES).>
Hospitais filantrópicos onde ocorrem cirurgias cardíacas:>
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A Medcardio alega que houve redução no número de procedimentos cardíacos, falta de recomposição dos honorários médicos e atrasos no pagamento dos débitos dos hospitais filantrópicos. O advogado da empresa, Paulo Henrique Cunha, afirma que a interrupção ocorreu após as entidades descumprirem os contratos firmados. >
“Houve uma quebra do contrato por parte dos hospitais, em outubro de 2021, levando a uma redução de 40% de pacientes. Essa redução ocorreu com a anuência da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde). Em determinado momento, chegou a quase R$ 6 milhões a dívida com a Medcardio. Em razão disso, as propostas apresentadas foram inviáveis, e os hospitais diziam que o novo modelo financeiro não era viável”, contextualiza. >
Sem acordo com a Sesa e a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado do Espírito Santo (Fehofes), a Medcardio comunicou à pasta, no dia 12 de agosto, a suspensão total dos serviços a partir do dia 16 do mesmo mês, com a justificativa de que haveria “absoluta distorção do equilíbrio econômico-financeiro”.>
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) se manifestou, notificando os hospitais filantrópicos a adotarem providências para garantir a continuidade das cirurgias cardiovasculares contratadas com a Sesa, para resguardar a vida e a saúde dos usuários do SUS.>
A Sesa, por sua vez, expediu notificação às entidades contratualizadas com o Estado. Os hospitais responderam à pasta, informando que estavam adotando medidas junto à Medcardio para negociar os eventuais débitos existentes e buscando outros prestadores de serviço para substituição aos da empresa, além do ingresso de uma ação judicial para evitar a paralisação da prestação dos serviços de cardiologia.>
No dia 17 de agosto, houve uma reunião na sede da Promotoria de Justiça Cível de Vitória. Os hospitais se comprometeram a cumprir o contrato em vigor e a manter os pagamentos, de acordo com o que já vinha sendo praticado. Uma nova reunião seria agendada para outubro de 2022, para que as propostas de recomposição fossem apresentadas e discutidas dentro de uma nova espécie de contrato, mas não há confirmação se ainda ocorrerá.>
A reunião de agosto não resultou no retorno das atividades dos cirurgiões da Medcardio. Em entrevista à reportagem de A Gazeta no sábado (10), o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, informou que mais de 40 pacientes chegaram a ficar na fila à espera de procedimentos cirúrgicos. >
Uma fonte ouvida pela reportagem informou que um homem chegou a ficar 15 dias em estado grave, em um hospital da Grande Vitória, à espera uma operação, sendo necessário o uso de coagulantes. Após duas semanas aguardando, ele conseguiu realizar a cirurgia e já foi extubado. >
O MPES e a Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo (PGE-ES) ajuizaram uma tutela antecipada visando a evitar a desassistência da população capixaba, “diante da possibilidade de morte de inúmeras pessoas que aguardam pelo atendimento médico”.>
A juíza Sayonara Couto Bittencourt acatou a tutela no dia 30 de agosto, determinando que os serviços fossem retomados em 24 horas, sob multa de R$ 100 mil por dia por hospital.>
Como a decisão não foi cumprida pela empresa, o Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV) e o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória romperam contrato com a Medcardio e contrataram profissionais de outros Estados. Esses novos contratos reduziram a fila e, no fim de semana, também de acordo com o secretário, havia apenas duas pessoas na espera.>
“A preocupação do Estado está relacionada à garantia do acesso ao paciente do SUS e nós acreditamos que, ao longo dos próximos dias, esse assunto encontre um ponto de acordo entre todas as partes”, afirma Nésio Fernandes. >
A Medcardio estava sob a presidência de Fabrício Otávio Gaburro Teixeira, também presidente do CRM-ES. Nesta segunda-feira (12), o órgão informou que Teixeira está licenciado das atividades na empresa. Em seu quadro societário, quase 73% de todos os profissionais médicos com especialidade em cirurgia cardiovascular são registrados no CRM-ES. E, dos 37 cirurgiões dessa especialidade com registro no órgão, 27 são sócios da empresa. >
A Procuradoria Geral do Espírito Santo (PGE-ES) entende que essa situação coloca o Poder Público refém dos interesses da empresa. Na avaliação do procurador-chefe da Procuradoria da Saúde, Ricardo Cesar Oliveira Occhi, a decisão da Medcardio praticamente encerrou a realização de cirurgias cardiovasculares no Estado.>
“Ela praticamente domina o mercado, no que se refere à cirurgia cardiovascular no Espírito Santo. Praticamente tornou a cirurgia cardíaca inviável no Estado. Nós entendemos que a empresa, no formato em que ela está, tem fortes evidências de que pratica uma atividade anticoncorrencial. Praticamente monopoliza esse tipo de serviço médico”, afirma. >
“A Medcardio usou esse expediente como forma de pressionar, de praticamente colocar de joelhos as entidades filantrópicas, fazendo com que a população se volte contra as entidades e a Sesa, porque não há profissional para prestar serviço. Se entende que há uma conduta ilegítima por parte da empresa”, destaca o procurador-chefe.>
Sobre a Medcardio ter sido presidida pelo presidente do CRM, o entendimento é de que não há ilícito, desde que não haja conflito de interesses. “Pode haver médicos que queiram prestar serviços para o Estado e não concordem com a decisão da empresa”, explica Ricardo Cesar. >
Respostas na íntegra da Sesa aos questionamentos feitos pela reportagem
1. A Medcardio voltou a atuar ou está descumprindo a decisão judicial?
De acordo as informações prestadas pelos Hospitais Filantrópicos à Secretaria da Saúde (Sesa), não houve retorno na prestação de serviços nos termos da decisão judicial.
2. Como está a fila de pacientes? Ela foi zerada ou há pessoas esperando por cirurgias ainda?
Segundo os hospitais, todos os pacientes que estavam internados aguardando implante de marca-passo foram atendidos no Hospital Santa Casa de Vitória e Hospital Evangélico de Vila Velha pelas novas equipes contratadas. Já as cirurgias cardíacas estão sendo priorizadas por gravidade, e a previsão é estabilizar os casos nos próximos dias. É importante destacar que os casos de emergência estão sendo atendidos nos hospitais.
3. Como é a questão dos valores pagos nas cirurgias?
Os hospitais filantrópicos são responsáveis por definir, com cada prestador, suas metodologias próprias de pagamento. A Sesa não intermedia negociação entre atores privados.
4. Há a tabela do SUS, mas o Espírito Santo entende que ela está defasada e dá mais recursos. De quanto é esse valor? Tem a tabela do SUS para nos enviar?
A Tabela SUS não é mais utilizada como padrão de remuneração de pagamento pelos serviços hospitalares faturados na rede SUS do Espírito Santo. Desde junho, a Sesa implementou um novo modelo de contratualização com a rede filantrópica baseada em pagamento por desempenho com precificação por orçamentação global mais o pagamento variável por produção da alta complexidade financiada pelo FAEC.
Posicionamento na íntegra da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado do Espírito Santo (Fehofes)
"A Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Espírito Santo (FEHOFES) vem a público informar que não tem medido esforços para garantir o atendimento de cirurgias cardíacas à população capixaba. A FEHOFES, entidade que representa as instituições responsáveis por 90% das cirurgias cardíacas feitas pelo SUS, durante meses tentou negociar com a empresa prestadora de serviços médicos aos hospitais, inclusive em reuniões mediadas pelo Ministério Público Estadual.
Mesmo assim, a empresa se manteve irredutível, tendo sido esgotadas todas as possibilidades de acordo.
Diante do encerramento dos contratos por parte da empresa prestadora de serviços médicos e do consequente aumento do número de pacientes internados aguardando cirurgia com agravamento dos casos, não restou outra alternativa, qual seja, a contratação de equipes cirúrgicas de outros estados.
Por fim, a FEHOFES esclarece que as novas equipes foram contratadas com a mesma remuneração rejeitada pela empresa anterior. Esses profissionais se sensibilizaram com a situação crítica dos pacientes e iniciaram os serviços, garantindo a assistência à população capixaba com o propósito de salvar vidas."
Veja, na íntegra, nota da Medcardio
O embate reside no respeito e no exercício pleno para atendimento dos pacientes. Com a ciência da Sesa, os hospitais reduziram abruptamente, há 11 meses, o número de cirurgias em aproximadamente 40%. Aliado ao fato de terem uma inadimplência conjunta de quase R$ 6 milhões ao longo de meses. Isso foi sistematicamente alertado e notificado aos órgãos competentes, dando prazo para resolução.
Após mais de 75 dias sem qualquer resolução, o serviço foi suspenso, contudo, mesmo sem receber nada, os casos de emergência foram realizados ao longo desse período. A fila existente foi em decorrência dessa redução promovida pelos hospitais com a conivência da Sesa e alertada pela Medcardio há mais de 11 meses.
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