Frei Paulo do Convento da Penha
Frei Paulo do Convento da Penha
Frei Paulo Roberto

"A grande doença do nosso tempo é o olhar só para si mesmo"

Guardião do Convento da Penha, frei Paulo Roberto  fala sobre as lições deixadas por Nossa Senhora

Frei Paulo do Convento da Penha
Vitória / Rede Gazeta
Publicado em 19/03/2021 às 07h58

Os tempos são difíceis. Enfrentando uma pandemia de Covid-19 há mais de um ano, para muitas famílias o momento é de apreensão e preocupação com a saúde física e financeira. Paralelamente, se acirra a guerra de narrativas entre grupos que discordam entre si, e muitos olham para o outro como "inimigo". Para aqueles que têm fé, no entanto, as lições deixadas pela Bíblia e por Nossa Senhora dão notícias de uma verdade muito diferente. "Aquilo que nos une é muito maior do que aquilo que nos separa", assinala frei Paulo Roberto Pereira.

Em entrevista para A Gazeta, o guardião do Convento da Penha convida a refletir quais foram as lições de amor e compreensão deixadas por Nossa Senhora que podem ser aplicadas para amenizar as dores do momento. Para ele, a vida de Maria nos ensina a olhar o próximo com carinho, a prestar atenção na realidade vivida por todos e, principalmente, ter esperança. "Esperança e confiança são lições de Nossa Senhora para os dias de hoje", pontua.

A exemplo do ano anterior, e por conta do agravamento da pandemia de Covid-19, a tradicional Festa da Penha - maior evento religioso do Espírito Santo - vai acontecer em formato virtual e interativo. A celebração, realizada de 4 a 12 de abril, será transmitida ao vivo pelas redes sociais do Convento da Penha.

Quem é Nossa Senhora nessa relação sobre afeto, amor e bondade?

Nós temos, sobretudo aqui no Brasil, um jeito de olhar para a religião muito maternal. Se diz que o catolicismo brasileiro, o catolicismo no Brasil, tem a marca dos santos e sobretudo de Nossa Senhora. Pela nossa configuração histórica, temos "pouca missa e muita reza, pouco padre e muito santo". Nós temos uma afinidade com os santos muito grande. Onde não tinha igreja tinha santo. O jeito popular de falar de religião é na associação com os santos e com Nossa Senhora. Ela está presente na vida do povo como uma maneira fácil de rezar, maneira fácil de chegar até Deus, de cultivar a espiritualidade. É o caráter maternal, de proteção, de afeição, de cuidado, nos diversos títulos de Nossa Senhora, da saúde, do perpétuo socorro.

E diante de um tempo de tanto acirramento e brigas, quais lições ela nos deixa?

A gente demonstra afeto olhando com carinho, com respeito. O que está acontecendo hoje é que a gente deixou de olhar para o outro, vamos olhando só para a gente mesmo. A grande doença do nosso tempo é olhar só para nós mesmos. Deixar de olhar com afeição, com cuidado, respeito, empatia, tolerância. O olhar de Nossa Senhora que o povo vem buscar está fazendo falta e essa talvez seja a grande missão para o mundo hoje. Voltar a olhar. E a festa esse ano tem essa intuição, que a gente cultive o resgate, essa possibilidade de olhar terno, olhar cuidadoso, generoso, atento.

A pessoa que cultiva a fé, então, tem que buscar o olhar de Nossa Senhora e estar atento ao seu próximo?

Nossa Senhora é a mãe da esperança, mas ela também era cheia de esperança. Ela entendia o drama do seu povo, não era uma pessoa aleatória. Era alguém que participou da fé e da esperança de seu povo. Ela é escolhida a partir disso. Então nós entendemos como alguém que participa da esperança do seu povo. É uma lição. Mãe da esperança porque esperançou. E a partir disso então ela diz “pode contar comigo não sei como vai acontecer”. Esperança e confiança é outra lição bonita desse tema. A gente anda meio desconfiado de tudo, não é verdade? Tudo é muito incerto, tudo muito duvidoso, tem especialista falando A, B, pensamentos contraditórios. Mas esperança e confiança, desde a origem da sua missão, nosso Senhor tem. São João, no Evangelho mais tardio que é mais adaptado ao mundo, fala logo no capítulo 2 que o primeiro sinal de Jesus é uma intervenção de Nossa Senhora. Ela fala para Jesus: “Não tem mais vinho. Ajuda esse povo aí, a festa vai acabar”. 

Ela teve a percepção, estava observando?

Isso, ela teve atenção, essa figura de gente atenta. A festa não podia acabar. Aqui no Estado tem os casamentos pomeranos que dizem que durava uma semana inteira. Isso também acontecia lá. A festa tinha que continuar e sem vinho como continua? A aliança quem tem que fazer é Jesus Cristo. Essa percepção da necessidade é uma lição de Nossa Senhora já escancarada no início do evangelho de São João. É importante esse olhar atento de Nossa Senhora. A gente vai se embrutecendo e a sensibilidade maternal, feminina, é um destaque que merece ser dado. E a Festa da Penha tem que falar isso. A gente aposta muito na força das mulheres, que é resistência. É triste que a gente veja crescer a violência contra mulher. As mulheres só são lembradas com chocolates e flores no dia 8 de março.

Frei Paulo Roberto

Guardião do Convento da Penha

"O que está acontecendo hoje é que a gente deixou de olhar para o outro, vamos olhando só para a gente mesmo. A grande doença do nosso tempo é olhar só para nós mesmos. Deixar de olhar com afeição, com cuidado, respeito, empatia, tolerância. O olhar de Nossa Senhora que o povo vem buscar está fazendo falta e essa talvez seja a grande missão para o mundo hoje"
Frei Paulo do Convento da Penha
Frei Paulo do Convento da Penha. Crédito: Vitor Jubini

O momento que vivemos é de muita gente enxergando “lados” e considerando os que pensam diferentes como “inimigos”. Como podemos tratar isso à luz da Bíblia e dos ensinos religiosos?

A grande nota de todo evangelho é essa: nós formamos um só povo, escolhidos pelo mesmo Deus. Então, nós nascemos na unidade e a busca pela unidade é tarefa de todos. Nessa compreensão cristã-católica de Nossa Senhora como mãe nós sabemos como funciona isso. Nas nossas casas… Infelizmente a gente vai perdendo isso, mas a casa de vó tinha uma mesa enorme que cabia todo mundo. Temos que resgatar a experiência da maternidade que acolhe. Acolhe todo mundo! Na sua família tem, na minha tem, um montão de gente diferente. Uns são inteligentes e torcem para o Botafogo, outros preferem ser flamenguistas, mas na hora do almoço cabe todo mundo. Na hora da doença cabe todo mundo. A lição grandiosa de hoje é entender isso, resgatar isso mais uma vez. E não é difícil. Veja por exemplo: têm muitas diferenças na sociedade, mas num momento de emergência, por exemplo, como a enchente em Iconha que aconteceu há pouco tempo, nessa hora ninguém faz perguntas. Quando tem que salvar alguém da lama, quando tem que socorrer, ninguém pergunta qual partido político a pessoa participa, qual igreja é, se tem igreja ou não. Na hora da emergência todo mundo se ajuda. Nós vivemos uma emergência, um tempo de urgência e nessa hora as diferenças têm que cessar. Tem que cessar e nunca mais voltar porque aquilo que nos une é muito maior do que aquilo que nos separa.

Principalmente nesse momento...

Quando é que precisamos acender uma lâmpada? Quando está escuro. No sol do meio dia você gasta energia à toa, mas quando está escuro nós precisamos de iluminação. E nós precisamos de iluminar. A gente que acredita na bondade, no amor, na afeição, a gente que acredita na ternura, é hora de brilhar com mais intensidade. Não guarde a chama para amanhã. Amanhã vai ser mais escuro? Não, já está escuro. Deixa brilhar. Esse é o chamado mais urgente e celebrar a Festa da Penha nesse contexto é alertar todo mundo para isso. Deixa brilhar, tá na hora, não guarda não. Você é importante para que a transformação que você deseja possa acontecer. Que a gente volte a ter cuidado um com o outro e alegria um com o outro. São coisas muito significativas que a gente vai perdendo. A gente sente falta do coração perto do outro, sente falta. E se não tomar cuidado isso vai nos faltar por muito tempo e a secura vai causar um prejuízo muito grande.

Vamos desaprender a abraçar?

A gente vai alterando nosso comportamento e isso se dá com uma força muito maior do que a gente imaginava. Você se lembra nas primeiras semanas do isolamento, que todo mundo aderiu? Houve, é claro, o egoísta que foi ao supermercado e comprou um monte de papel higiênico. Mas havia uma interação dos vizinhos no mesmo prédio que nunca houve. E hoje voltou a ser pior do que era antes. Além de voltar a não se preocupar, voltaram a brigar. Seja pelo uso da máscara, pelo desrespeito com as regras, nós desaprendemos muito rápido quando se esperava que a pandemia pudesse nos tornar melhores. Acho que ainda dá tempo de aprender.

Frei Paulo Roberto

Guardião do Convento da Penha

" A gente que acredita na bondade, no amor, na afeição, a gente que acredita na ternura, é hora de brilhar com mais intensidade. Não guarde a chama para amanhã. Amanhã vai fazer mais escuro? Não, já está escuro. Deixa brilhar!"

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