Publicado em 4 de agosto de 2018 às 11:32
Eles se encontraram pela primeira vez há 58 anos. Mauricio de Sousa queria muito ter um gibi. Ziraldo já tinha A Turma do Pererê. Mauricio arrumou a mala com algumas roupas e seu material de desenho e pegou um trem de Bauru para São Paulo e depois para o Rio. Era lá que ficavam as editoras que publicavam quadrinhos e o desenhista em início de carreira queria ver se Ziraldo o ajudava a entrar em sua editora para planejarem uma nova revista.>
Eu me hospedei num hoteleco vagabundo do cais. Ziraldo me recebeu muito bem. Era um moço simpático, agradável, foi carinhoso com o colega, mas me passou uma notícia que não foi legal. Ele disse que adoraria, mas que a editora não era dele e o grupo estava atravessando uma crise financeira e não podiam pensar em lançar mais nada, relembra hoje, aos 82, Mauricio de Sousa em entrevista ao Estado por telefone. Ele ficou desanimado, e então Ziraldo contou que queria fazer quadrinhos nos jornais dos Diários Associados e perguntou se ele consideraria fazer as tiras do Pererê.>
Voltou para o hotel, fez uma meia dúzia de tiras e voltou com o material embaixo do braço na esperança de agradar a Ziraldo. Agradou, e ouviu dele que conversaria com o pessoal dos Diários Associados e daria notícias.>
Um trem para São Paulo, outro para Bauru. Ao chegar lá descobriu que sua filha tinha nascido. Quando a Mônica nasceu, eu estava pedindo um emprego para Ziraldo, ri, hoje. Batizou a garota sem sonhar que ela viraria sua personagem e ficou esperando a resposta de Ziraldo. Esperei, esperei, esperei. E estou esperando até hoje. O Ziraldo não conseguiu interessar o pessoal e, pior, ele perdeu as tiras, ri mais ainda.>
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Perdi. Essas tiras foram as únicas coisas que perdi na vida. Uma tristeza profunda, lamenta Ziraldo, 85 anos, também por telefone. Hoje, elas valeriam R$ 1 milhão, brinca.>
Muita coisa aconteceu entre aquela tentativa frustrada de uma parceria e o reencontro dos dois neste sábado, 4, na Bienal do Livro de São Paulo. Ziraldo escreveu uma centena de livros que foram lidos por diversas gerações de brasileiros e estrangeiros também. E criou o inesquecível Menino Maluquinho. Mauricio de Sousa, três anos depois daquele encontro, criou a Mônica, sua personagem mais famosa, e, ao longo dos anos, sua turma só cresceu.>
Dois dos personagens mais importantes da literatura brasileira, que fizeram muita criança gostar de ler, se encontram pela primeira vez num outro livro: MMMMM Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica. Uma história mirabolante criada por Manuel Filho e ilustrada pelos dois artistas que será lançada hoje, com uma sessão de autógrafos que promete grandes filas.>
Um crossover há muito esperado pelos fãs dos autores e das histórias e que deixou os amigos felizes e saudosos do tempo em que Ziraldo tinha cabelinho preto e eu não tinha barriga, como brinca Mauricio.>
Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica>
Mauricio de Sousa e Ziraldo já trabalharam juntos antes, mas num projeto que em nada se assemelha ao crossover de seus icônicos personagens em MMMMM Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica. Tempos atrás, Mauricio escreveu O Reizinho no Castelo Perdido e Ziraldo ilustrou. E então eles trocaram de posição em O Maior Anão do Mundo. Nos dois casos, os personagens eram inéditos.>
Agora a história é outra e envolve uma terceira pessoa. Manuel Filho leu tudo o que Ziraldo escreveu e de tão fã que era da Turma da Mônica mandou, aos 8 anos, uma carta para o gibi do Cebolinha, que foi publicada. O tempo passou, ele virou escritor e agora, aos 50, foi o escolhido pela Melhoramentos e Mauricio de Sousa Produções para criar o enredo que marca o encontro entre Mônica e o Menino Maluquinho. Até me arrepia pensar nisso. Saí do gibizinho para a capa do livro com os dois mestres, conta o autor para o Estado.>
Sua história é mirabolante. Os dois personagens, cada um no seu canto, depois de devorarem barras e barras de chocolate encontram o tão procurado bilhete dourado que os levará para uma aventura na Montanha Mágica. Eles podem levar quatro amigos. Lá, tudo começa com uma partida de futebol. Tem um drone, que é um dos personagens e faz gincanas com as crianças. Num determinado momento Mônica e Menino Maluquinho são engolidos pela montanha, se perdem da turma e cada um vive a sua aventura. O livro vai se modificando. Tem hora que começa, tem hora que recomeça e tem hora que volta, como explica o autor. No meio da narrativa, aparece uma HQ.>
Há referências literárias a todo instante e a história tem várias camadas de entendimento. O leitor vai ter contato com personagens e autores que já conhece ou com quem ainda vai se deparar: Alice, Dorothy, Tom Sawyer, Luluzinha, Emília, Pererê, Pluft, Feiurinha, Zezé, Thomas Mann...>
Gosto de dizer que esse livro foi escrito por alguém que é meio maluquinho ou que levou uma coelhada na cabeça, brinca Manuel.>
Ziraldo se reconheceu justamente nessas referências incluídas pelo autor que também homenageou Flicts, do cartunista, na capa de MMMMM. E reconheceu o estilo de Mauricio de Sousa no enredo de aventura. Nunca faço histórias longas, enredadas. Eu estiquei e o Mauricio encurtou, diz Ziraldo.>
Dois artistas com estilo diferente, uma legião de leitores e com muito respeito e admiração um pelo outro.>
O Mauricio é muito criativo e um desenhista extraordinário que acabou virando um império. Vendeu na Europa, no Japão; é um êxito. E eu fiquei fazendo a minha historinha, comenta Ziraldo. Ele tinha esse projeto de vida: fazer uma indústria de histórias em quadrinhos. Acho que o meu era sair na enciclopédia.>
Já Mauricio de Sousa diz, sobre o amigo, que ele e sua turma transitam numa área muito diferente. Até começar a envelhecer seus personagens para acompanhar os leitores que também estavam crescendo, seu universo era mesmo o da história infantil. Para ele, a proposta filosófica também é diferente na obra dos dois. Ziraldo é para um leitor com uma outra cabeça, mas felizmente os nossos leitores se dão bem. A pegada do Ziraldo é um pouquinho mais avançada nos temas. A minha é mais ingênua, mais roceira aqui, simplesinha ali, define Mauricio. E completa: Ziraldo é mais intelectualizado. A vivência na área política fez com que ele tivesse um jeito de tratar as coisas de um modo diferente do meu. Ele é mais cobrador e eu sou mais tranquilo.>
E como veem os personagens que se encontram agora? Mauricio é muito craque. Todos os seus personagens têm temperamento, diz Ziraldo que, olhando para trás, para o menino que foi, não se identifica exatamente com ninguém da Turma da Mônica e volta a elogiar o desenhista. Meus personagens são meus amigos de infância. Eu fiquei em Caratinga e o Mauricio abriu espaço para o mundo. Ele estava mais certo do que eu. Ele é o sucesso e o meu Pererê acabou.>
O Menino Maluquinho é o moleque típico brasileiro, que tem liberdade, é ousado, inteligente, esperto. É o moleque que eu gostaria de ter sido. Não foi? Não. Fui caipirão. Fui Chico Bento, responde, e ri.>
Crossovers são comuns com heróis>
Era 1976 quando Homem-Aranha deu de cara com Superman. Ambos heróis, mas de editoras diferentes Marvel e DC Comics, respectivamente. Desde então, os crossovers são comuns e são pensados, principalmente, para alavancar a venda das revistas em quadrinhos nos EUA.>
A MONTANHA MÁGICA DE ZIRALDO E MAURICIO DE SOUSA>
Bienal do Livro. Av. Olavo>
Fontoura, 1.209. Hoje (4), às>
15h, na Arena Cultural>
MMMMM - Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica>
Autores: Manuel Filho, Ziraldo e Mauricio de Sousa>
Editora: Melhoramentos (80 págs,; R$ 49)>
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