Publicado em 26 de abril de 2018 às 17:49
A Vila Rosário, pelo nome, poderia ser um bairro de interior, daqueles que levam a delicadeza de sua denominação ao cotidiano de seus corredores. Poderia, mas não é. Vila Rosário é a penitenciária onde trabalha Adriano Araújo (Rodrigo Lombardi), um homem que não cometeu nenhum crime, mas que vive ali dentro a maior parte de seu tempo, sem saber se terá um novo dia para contar sua história. Esse é o cenário de Carcereiros, série vencedora do Grande Prêmio do Júri do Mip Drama, em Cannes, no ano passado, e que chega à tela da Globo em abril.>
A obra é livremente inspirada na obra de Drauzio Varella e conta com 15 episódios. O carcereiro é um personagem muito pouco representado nas histórias de cadeia. A gente fala dos prisioneiros, mas não dos homens que tomam conta deles, explica o médico.>
Carcereiro, assim como o pai, Adriano leva uma vida sob constante tensão. Estar na penitenciária é a experiência máxima de onde o ser humano pode ir. Ali ele chega ao seu limite. Ao assistir às cenas, você se coloca no lugar do personagem e se questiona se faria ou se poderia fazer diferente, analisa Rodrigo Lombardi.>
LUZ NA REALIDADE>
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Lá dentro, Adriano é o "seu Adriano", homem respeitado por sua integridade e, acima de tudo, por sua palavra, um bem tão precioso neste ambiente. No "papo reto" com o "ladrão", ele precisa ganhar a confiança da cadeia e vencer os desafios que a corrupção impõe para quem lida com esse tipo de trabalho, tantas vezes escondido entre as histórias dos presos e da polícia.>
"A série joga luz sobre o sistema prisional brasileiro e em como essa pessoa que não é vista pela sociedade lida no dia a dia com dilemas éticos", explica José Eduardo Belmonte, diretor-geral da série. Rodrigo Lombardi completa: "Estamos aqui para olhar para aquilo que não queremos olhar. A função do cidadão é poder entender o que se passa aqui dentro. A gente não está aqui para glamurizar, mas sim mostrar como é a realidade dessa profissão e desse mundo. O Adriano é parte desse sistema e é só um cara que poderia ser seu vizinho".>
O tempo e as preocupações da vida trataram de marcar o rosto e as expressões de Adriano com um ar sempre tenso, preocupado e cansado. Um sopro de afeto e confiança traz o sorriso de volta quando, vez ou outra, sente-se à vontade com os colegas de trabalho, um time de cinco carcereiros comandado pela rígida e respeitada Doutora Vilma (Nani de Oliveira), mulher de pulso firme e controle preciso sobre tudo o que acontece na Vila Rosário.>
Vilma conta com a experiência de Valdir (Tony Tornado) para balancear as discussões e as crises que acontecem por ali. Homem alto, forte e com uma vida inteira puxando cadeia sem ter cometido qualquer crime, ele ainda é capaz de acreditar na reeducação e na reinserção desses presos na sociedade. Na tentativa de fazer algo a mais por esses homens, Valdir dá aulas de boxe para os detentos.>
A experiência conquistada com os anos de vida e de carreira não foram suficientes para preparar Tony Tornado para esse trabalho. O Fernando Grostein, um dos nossos diretores, apesar de ser muito jovem, tem toda uma convivência dentro dos presídios. Então, ele me ajudou muito até, acredite, a ter coragem de entrar em um presídio, que é muito difícil para mim, conta o veterano. O ator Ailton Graça concorda que gravar dentro do presídio trouxe muita realidade e até uma certa tensão ao set. Gravar uma série em um lugar como esse é sempre difícil. É difícil para mim, como artista, encontrar os momentos de respiro quando digo respiro, é para tentar arrancar um riso, ou a ternura dentro de um sistema que é criado para oprimir.>
FAMÍLIA>
O espírito de justiça de Adriano nem sempre garante que tudo vá ficar bem, seja do lado de dentro ou do lado de fora da penitenciária, o que faz com que a preocupação sobre os seus seja cada vez mais latente e justificada. Ao se colocar em risco, ele leva sua família para o mesmo clima de apreensão. A filha, adolescente, e o pai, em idade bastante avançada, não aliviam para o lado dele. Tão pouco a mulher, que se vê diante de um marido apático e cansado de tudo.>
Othon Bastos já fez diversos papeis ao longo da carreira, mas encara esta produção como algo especial. Tudo o que fizemos nesta série foi com muita dignidade. O Tibério diz: A única coisa que dei ao meu filho foi a ética e a moral. Quando ele erra, caio em cima dele, relembra.>
O núcleo familiar do carcereiro Adriano tem a presença marcante da atriz Mariana Nunes, que interpreta sua esposa, Janaína. A Janaína faz parte de um outro lado da vida do Adriano, mas sofre as consequências desse trabalho dele. Ela entende o que ele passa, mas tem as necessidades próprias também. E cobra que ele esteja junto, um apoiando o outro, como qualquer casal, resume.>
Enquanto as sirenes continuam soando, as ameaças de morte já viraram rotina e os gritos por liberdade não param sejam os que vêm de dentro das celas ou aqueles que ecoam na cabeça de Adriano. Num piscar de olhos, já é a hora da tranca, mais uma vez.>
Abaixo, Rodrigo Lombardi, Mariana, Aílton, Tony e Othon falam um pouco mais sobre suas experiências.>
Rodrigo Lombardi >
(Adriano - o carcereiro e protagonista)>

Não tive tempo de fazer laboratório para a primeira temporada e fui aprendendo tudo na prática e nas gravações, sempre com muita troca de informações e experiências com direção, autores, roteiristas e equipe técnica. É um dos meus melhores trabalhos justamente por ter uma equipe em total sintonia, com muito entrosamento e de muita intensidade.>
Então, qual foi o ponto de partida?>
A falta de energia é algo em comum entre os personagens e acabei fazendo a dieta do sono. Só dormi quatro horas por dia e acho que funcionou. Foi necessário para passar essa verdade. Foi um custo muito alto que eu escolhi.>
O que aprendeu com a série?>
O que aprendi com a série foi ter um olhar mais humano e ser mais paciente com o outro, de respeitar o limite do próximo. Passei a me indignar quando vejo que os limites são ultrapassados. Carcereiros me deu uma aula de cidadania>
Mariana Nunes>
(Janaína - esposa de Adriano)>

Não, nunca convivi com ninguém que trabalhasse em penitenciária, foi a primeira vez que tive acesso a esse universo. Ainda assim, a Janaína não faz parte deste local diretamente, ela faz parte de um outro lado da vida do Adriano. A convivência que ela tem com ele é dentro de casa, mas sofre, sim, as consequências desse trabalho dele.>
A Janaína é uma mulher que vive uma situação emocional muito densa. Como você avalia a postura dela diante das dificuldades com o marido?>
A Janaína é uma mulher que tem desejos, vontades, ela mira uma trilha que quer seguir. Da mesma forma que o marido tem os problemas e as questões dele por conta do trabalho, ela também tem as suas próprias questões e dificuldades. Ela é professora e a gente sabe que não é fácil ser professor no Brasil, as dificuldades que os professores enfrentam até de violência dentro da sala de aula. Este é um casal como qualquer outro que tem dificuldades na relação. A Janaína entende o que o Adriano passa, é uma mulher compreensiva, está junto com ele, mas tem as necessidades próprias também. E ela cobra que ele esteja junto, um apoiando o outro, como qualquer casal.>
O que, durante a preparação de elenco, mais te tocou?>
Pessoalmente, o que mais me tocou foi a questão da maternidade, porque eu ainda não tenho filhos e quero ter. Então, pude emprestar um pouco dessa minha vontade para a Janaína. A minha preparação foi muito de conversas com o Belmonte e, como ele gosta muito de trabalhar com o ator e é curioso com a gente, acaba que nosso trabalho se deu muito nesse lugar do entendimento do que estava escrito, qual compreensão a gente tinha daquilo, qual era o nosso ponto de vista daquela cena. Como o Belmonte tem esse método da aproximação com o humano que há no ator, acaba que você empresta muito de você mesmo para o personagem.>
Aílton Graça>
(Juscelino - carcereiro corrupto)>

As pessoas vão encontrar muita emoção, ação e, por incrível que pareça, lampejos de romance. A proposta da série é narrar desse ponto de vista para que as pessoas torçam pelo carcereiro, entendam como eles sobrevivem a esse sistema. Dentro do código de conduta dali, a palavra vale muito, ela é a grande moeda de troca.>
Como é filmar dentro de um presídio?>
Isso foi o que me trouxe bastante perturbação. Gravar uma série em um lugar como esse é sempre difícil. É difícil para mim, como artista, encontrar os momentos de respiro quando digo respiro, é para tentar arrancar um riso, ou a ternura dentro de um sistema que é criado para oprimir. É difícil respirar com essas paredes, com essas portas de ferro. É tenso.>
Tony Tornado>
(Valdir - carcereiro e colega de trabalho experiente)>

Não, mas leio muito a respeito. No Carandiru, coloquei uma música minha, mas nunca tinha sentido tão próximo. Você tem que estar preparado. A gente vê no cinema, mas no real é muito puxado. Fiquei um pouco abalado. Apesar de termos filmado em um presídio que ainda não tinha sido inaugurado, fica um clima meio pesado.>
Isso ajuda a compor o personagem?>
Sim, você tem que embarcar, administrar isso pessoalmente. Às vezes, a gente vê coisas que não existem dentro de um presídio, por causa do medo... Mas têm atores, como o Caio Blat, que já fez cenas dentro de presídio, que administraram isso bem. Eu tenho meu lado medroso e emotivo muito pesado. É estranho, mas é bom de fazer. Vou colocar isso como uma experiência maravilhosa na minha vida.>
Othon Bastos>
(Tibério - pai de Adriano)>

Achei o roteiro maravilhoso, cada capítulo era uma história humana, de grande vivência. A realidade era ainda mais violenta do que a ficção. Era preciso criar uma maneira de chamar a atenção justamente sobre o que está acontecendo, com humanidade.>
Você já tinha entrado em um presídio antes das gravações de Carcereiros?>
Eu fiz um filme que era sobre presídios também, dos ex-cangaceiros que foram presos.>
Como você vê a relação entre Tibério e Adriano? Ele se sente responsável pela carreira do filho?>
Ele era professor, tinha o dom da didática e o Tibério o apoiou quando ele quis seguir essa carreira, mas colocou para ele todas as coisas ruins que podem acontecer. Ele diz para o filho você nunca vai saber se vai sair vivo de lá. Você tem que demonstrar que não tem medo dele, tem que acreditar no que ele está falando.>
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