Publicado em 25 de março de 2019 às 19:21
O termo punchline é usado há tempos no meio humorístico para designar uma fala de impacto durante uma tirada ou uma apresentação. No rap, o significado é parecido, mas um pouco mais sério, digamos assim. As linhas de soco, em tradução literal, são os versos pesados, que batem, que impressionam, que sintetizam uma ideia com perspicácia ou que deixam recados, direcionados ou não.>
Em seu recém-lançado terceiro disco, Ladrão, o rapper mineiro Djonga segue por esse caminho, consolida sua identidade combativa e desponta de uma vez por todas no cenário atual do rap brasileiro.>
Djonga é Gustavo Pereira, 24 anos, nascido e criado na periferia da capital mineira, Belo Horizonte, um dos grandes centros culturais do país. Começou a escrever ainda na adolescência e, frequentando um dos maiores eventos de hip-hop do Brasil, o Duelo de MCs do viaduto Santa Tereza, percebeu que já escrevia nos moldes do rap.>
No terceiro trabalho, o rapper escolheu seguir o caminho que começou a trilhar com o bom Heresia, em 2017, quando já firmava posição contra o racismo. De lá para cá, Djonga apostou também em O Menino Que Queria Ser Deus (2018), em que ampliou o discurso sem perder seu norte.>
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Ladrão, que traz na capa o rapper segurando a cabeça de um integrante da organização racista KKK, é indiscutivelmente um resultado da soma do que foi conquistado por ele com os dois trabalhos anteriores: estrutura, maturidade e visibilidade.>
Ao mesmo tempo em que as famosas punchlines nos impressionam, Djonga tem capacidade de divertir com trocadilhos inteligentes e jogos de palavras improváveis, com espaço para aliterações diversas e referências que vão dos cineastas Jordan Peele e Glauber Rocha a Racionais MCs.>
Produzidas pelo beatmaker Coyote, parceiro das antigas, as tracks são mais limpas do que o que temos visto no momento atual do rap. A escolha foi do próprio Djonga, que parecia querer mais espaço para o discurso e menos elementos que interferissem nisso.>
É uma posição quase política dentro da arte. Muitos tentam colocar bastante instrumento nas músicas para alcançar um público diferente, e eu até acho justo, mas é perigoso porque muitos se apropriam do nosso trabalho de maneira negativa, o que desagrega muito, destaca.>
Na faixa de abertura, Hat-Trick, o MC já apresenta o conceito do disco: do alto do morro, rezam pela minha vida/do alto do prédio, pelo meu fim.>
Em Deus e o Diabo Na Terra do Sol, o reforço é do carioca Filipe Ret, com quem Djonga tem em comum a proximidade com o funk (ritmo que surge bem colocado em Tipo, dividida com MC Kaio).>
Destaque também para a faixa-título e para Voz, em que o talentoso Doug Now é apresentado por Djonga, que mostra seguir à risca o conselho de outros tempos dado pelo rapper cearense Don L: quem faz uma grana e não traz ninguém junto, não pode falar que isso é hip-hop.>
"Para mim, estar vivo já é um grito">
Qual foi o start, quando começou a pensar em Ladrão?>
Eu estava pensando nisso esses dias... Esse disco veio da compreensão que O Menino que Queria Ser Deus (segundo disco) trouxe. Tem uma pegada um pouco mais pop, um pouco mais refrão chiclete, apesar das letras bem fortes, ao estilo dos outros. O segundo disco trouxe um público muito grande para mim, uma galera até mais nova. As pessoas ouviam e pensavam vamo lá fragar esse show. Isso me trouxe muita coisa mesmo, inclusive grana e estrutura.>
E por que Ladrão?>
O disco foi um processo natural da minha vida. Eu quis fortalecer todo mundo que está comigo desde mais novo. E esse é o conceito do disco. Por ser negro, olhado como vagabundo, pelo meu estilo de periferia, de quem curte um funk... Esse é o estereótipo: ladrão, vadio. Aí pensei tá aí, bacana, sou tudo isso, mas de outra forma. Tô fazendo música, arte, conquistando meu espaço na cena, do underground ao mainstream, e trazendo tudo de volta para a minha galera, para a minha comunidade, para quem estava comigo na época que eu não tinha nada. Sempre tive a ideia de que quando desse certo para mim, ia dar certo para todo mundo.>
No disco, você foi mais agressivo em discurso, mas um pouco mais melódico...>
É, eu acho que nas ideias fui mais agressivo mesmo. Mais maduro, mais sério. Mas ele é totalmente mais melódico, não só um pouco. É porque eu grito. Quando digo gritar, a galera de modo geral entende que é falar alto. Mas meu grito é muito mais coisa. Estar vivo para mim já é um grito, para nós já é um grito. Eu tenho feito show para milhares de pessoas em todo final de semana, estou me comunicando com a juventude. Isso é cabuloso! Eu continuo gritando, mas de outra forma. Quando a gente aprende algo, a gente quer usar. Quanto mais eu aprendo a cantar, mais quero ser um artista completo. Quero colocar tudo isso na minha música.>
E como rola seu processo de composição?>
Eu gosto de escrever com um objetivo. Quando preciso soltar um som, eu trampo para isso, escrevo, termino e vou pra produção. Mas um disco eu costumo pensar o tema e normalmente é mais para o final do ano, depois que vivi um tanto de coisa. Um ano é tempo para bastante coisa na minha vida e no contexto do país e do mundo. Eu penso o conceito do disco, caio para dentro e escrevo o máximo que der. Esse, eu comecei em novembro, se não me engano. A escrita foi mais rápida porque eu já estava matutando nisso havia muito tempo. É um trampo correria.>
Ouça>
Ladrão. Djonga. Independente, 10 faixas. Disponível nas principais plataformas de streaming.>
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