Publicado em 5 de julho de 2019 às 18:44
"Pintar é libertar-se". Em um país onde o futuro da cultura se mostra cada vez mais sombrio, a célebre frase de Pablo Picasso ganha uma dimensão muito maior. Pintar, grafitar, se expressar por meio de pincéis ou mesmo de sprays multicoloridos servem como manifesto, uma maneira de exercer a cidadania.>
Portanto, são louváveis as iniciativas que estão colorindo os muros de Vitória e tirando o cinza de muitos bairros marcados por problemas sociais. Na cidade, dois projetos chamam a atenção, ambos desenvolvidos pela prefeitura municipal.>
O primeiro deles, "A Arte é Nossa", conta com 22 projetos selecionados por edital em que artistas plásticos e grafiteiros vão pintar vários muros da capital até o fim do ano. O outro, uma iniciativa do Serviço de Convivência Caminhando Juntos (Cajun), da PMV, traz crianças fazendo pinturas em paredes nos bairros Jardim da Penha, Praia do Canto, Itararé e Nova Palestina, trazendo a erradicação do trabalho infantil como pauta.>
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BRINCADEIRA DE CRIANÇA>
A iniciativa dos Cajuns teve como base um trabalho realizado junto às crianças e familiares atendidas pelo projeto, ligado a Secretaria Municipal de Assistência Social da PMV, durante o mês de junho. Cada um dos 14 núcleos produziu um desenho sobre os abusos relacionados ao trabalho infantil.>
As 14 obras escolhidas em cada unidade foram disponibilizadas para votação popular nas redes sociais do Cajun. Os quatro vencedores foram: Daysiane Souza da Silva, 13 anos, da unidade de Bela Vista; Ateumir Santos Dias, de 13 anos, Cajun Engenharia/Itararé; Daniel Alves dos Santos, 13 anos, da unidade de Consolação, e Yan de Souza Alvarenga, 11 anos, da unidade de Caratoíra. Os escolhidos tiveram seus desenhos pintados em muros de bairros que contam com grande incidência de trabalho infantil.>
A arte de Yan, estudante do 6º ano do Ensino Fundamental da EEFM Major Alfredo Pedro Rabaioli, representa uma realidade que o garoto conhece muito bem. "Fiz uma criança indo para a escola ao lado de outra trabalhando. As duas têm o mesmo sonho de ser feliz, ter uma profissão e viver livremente. Tenho conhecidos que vendem bala nos sinais. Não é uma realidade que eu quero para mim", revela o garoto, que deseja ser juiz e artista plástico. >
Luciana Gatti, coordenadora do serviço especializado em abordagem social da Prefeitura de Vitória, afirma que os muros selecionados para a instalação das pinturas foram escolhidos após uma pesquisa feita por agentes de abordagem dos Cajuns. "Bairros como Jardim da Penha e Praia do Canto contam com grande presença de trabalho infantil. Muitos atuam fazendo fretes, carregando compras, vendendo doces nos sinais ou mesmo em pequenos serviços domésticos. As feiras de Maruípe e São Pedro também contam com um grande número de crianças trabalhando", adianta, dizendo que a prefeitura dá suporte para os garotos nos Cras (Centro de Referência de Assistência Social), Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e Centros de Convivência. >
Em tempo: os muros que receberam as pinturas são o do Iate Clube, na Praia do Canto; Campo do Caxias, em Itararé; Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Zilmar Alves de Mello, em Nova Palestina; e Conab, em Jardim da Penha.>
CULTURA LIVRE>
Handerson Chic, grafiteiro de 28 anos, foi um dos selecionados pelo edital do "A Arte é Nossa". Em decisão conjunta com os moradores do bairro Resistência, resolveu fazer uma intervenção urbana no muro da Unidade de Transbordo, a usina de lixo da região. >
Em cena, pinturas abstratas que defendem a preservação ambiental, com peixes multicoloridos e uma favela estilizada, em que se destaca o amarelo e o preto que se confundem com o lixo reciclado do outro lado da parede.>
"Os jovens da área também participaram do projeto. Nós desenvolvemos várias oficinas culturais e eles ajudaram no conceito da arte. Fazemos um trabalho de dignidade e resistência, como no próprio nome do bairro diz", assinala. >
A inauguração da arte, intitulada "Resistência, Manguezal e Cotidiano", está prevista para o próximo dia 14, em uma festa que contará com várias atividades culturais.>
EM VÁRIOS TONS>
"A Arte é Nossa" surgiu com a proposta de humanizar os espaços públicos por meio de intervenções artístico-urbanas. A ideia, de acordo com a idealizadora do projeto, Fernanda Bellumat, é democratizar a produção artística para além dos espaços tradicionais de exposição.>
"Além de contribuir para o processo de difusão, circulação e fruição da arte, é uma forma de fortalecimento da noção de pertencimento da população em relação à cidade", acredita Fernanda, acrescentando que o edital - lançado em dezembro de 2018 - recebeu 74 inscrições e cada proposta deveria contemplar uma área de 500m². "Ao todo, foram selecionados 22 projetos com o recurso de R$ 50 mil para cada um deles desenvolver a sua criatividade pelos muros da capital", complementa.>
Um calendário foi definido entre a coordenação do projeto e cada artista selecionado. Onze grafiteiros foram contemplados no primeiro semestre. Destes, dois estão em fase de conclusão das pinturas: Handerson Chic, com seu mural em Resistência, e Nico, na Avenida Beira-Mar, em Bento Ferreira.>
O segundo citado realiza uma intervenção artística no muro do DNIT-ES, em Bento Ferreira, que conta com o título "Cores e Valores". A obra aborda diferentes tipos de transporte e versa sobre mobilidade urbana. >
"A avenida é muito movimentada. Há um tráfego intenso de ônibus, carros e bicicletas. A ideia foi homenagear o local e chamar a atenção para a mobilidade", explicou o artista.>
A inauguração do grafite no muro do DNIT - prevista para a próxima semana - também contará com uma placa, em uma parceria entre o artista e o Instituto Braille, em que constarão informações sobre a intervenção artístico-urbana, tornando os dados acessíveis também para os deficientes visuais.>
Em tempo: Nico tomou gosto pela coisa e já está desenvolvendo uma outra grafitagem, também no muro do DNIT-ES, mas voltado para a entrada do bairro Jesus de Nazareth. A ideia agora é contar a história da região.>
OUTROS PONTOS>
O projeto "A Arte é Nossa" está em atividade desde 2013 e conta com obras a céu aberto em vários pontos de Vitória (veja abaixo um quadro detalhando os locais). De acordo com a Prefeitura Municipal de Vitória, os projetos passam por manutenção constante. Restaurações são feitas à medida que apareçam demandas em cada pintura.>
PONTOS QUE VÃO GANHAR GRAFITES NA 1ª ETAPA DO PROJETO "A ARTE É NOSSA">
Centro: muro do Saldanha da Gama>
São Pedro: muro de casas e equipamentos públicos ao longo da Rua Felicidade Correia dos Santos e Museu do Pescador>
Goiabeiras: muro de edificação da Rua Silveira Rosa, entrada da rua das paneleiras>
Goiabeiras: Praça Francisco P. do Nascimento e edificação e muro de edificação da Av. Fernando Ferrari>
Jardim Camburi: Beco do Village>
Morro do Quadro: Praça Genoveva Machado, na Rua São João>
TRABALHOS DO PROJETO A ARTE É NOSSA REALIZADOS DESDE 2013>
Cardume de Cordas/ Muro da Fames Ficore Kabelera (abril/2015): grafite que faz referência à baía de Vitória e aos instrumentos musicais, como o violão e o violoncelo, e tem como objetivo retratar a relação da música, em diálogo com o espaço físico em que o trabalho se encontra, e a geografia do local.>
Casa do Ler e Saber Renato Pontello (dezembro/2014): grafite realizado no Parque Barreiros, na Grande Maruípe, que fala sobre a relação das crianças com a literatura.>
Muro Ministério da Fazenda/ Bonde da História (Centro) Antonio Natural e Dione Salvador (julho/2014): muro em arte relevo que retrata vários prédios históricos da cidade de Vitória.>
Muro da Fábrica de Idéias (Jucutuquara) Emílio Aceti e Centro Grafitacional (julho/2014): grafite baseado na proposta do espaço, que é difundir e valorizar a economia criativa.>
Muro da Casa da Juventude (São Pedro) Ficore (fevereiro/2014): desenho livre inspirado na fotografia e no olhar de cada cidadão sobre a cidade.>
Parque da Fonte Grande (São Pedro) Antonio Natural e Dione Salvador (fevereiro/2014): trabalho em arte relevo inspirado na fauna e na flora do Parque da Fonte Grande.>
Tapume do Hidroavião (Santo Antônio) Dione Salvador (fevereiro/2014): trabalho inspirado nas figuras tradicionais do samba e em seus foliões. Localizado próximo ao Sambão do Povo.>
Tapume na praia de Camburi Dione Salvador (dezembro/2013): localizado no calçadão da praia de Camburi, o desenho foi inspirado em práticas esportivas para dialogar com os cidadãos que usam o espaço para se exercitar.>
Fafi Dione Salvador (novembro/2013): ação feita em comemoração ao dia da cultura e tendo como referência a música, o teatro e a dança.>
Escadaria de São Benedito Dione Salvador (agosto/2013): desenho livre inspirado no mangue, que é tão presente na paisagem natural da cidade de Vitória.>
(Fonte: PMV)>
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