Publicado em 15 de março de 2018 às 18:31
O passado foi vivido, diz Marina Lima, enfática. Dona de muitos sucessos - até hoje tocados nas rádios -, Marina, se quisesse, poderia passar os próximos anos de carreira cantando seus hits. Ela não quer. "O que realmente me move é o meu trabalho, é criar", afirma ela, em entrevista ao Estado, em São Paulo. Essa inquietação foi uma das razões que a levaram a se mudar do Rio para São Paulo. "Falei: preciso procurar um lugar que me estimule a produção. No Rio, chegou um momento que parecia, para mim, que os próprios cariocas não estavam muito interessados no que eu tinha a dizer, como se eu fosse o Corcovado, o Pão de Açúcar, como se eu fosse uma entidade.">
E, se ainda restam dúvidas sobre esse discurso da cantora, seu novo disco autoral, Novas Famílias, 0 21.º da carreira, é a prova de como Marina está conectada com o hoje, em "música, letra e dança". Em suas composições, Marina, tanto sozinha quanto em parceria, joga luz sobre temas atualíssimos, talvez de uma maneira nunca antes vista em sua trajetória. "Não acho que a arte tem que ser engajada. Arte não é jornalismo, não vou descrever o que acontece no dia a dia. Passa num outro lugar. Agora, num momento como está o Brasil, se eu não olhar para o lado e não me colocar, vou ser muito egoísta, não dá. A coletividade importa muito.">
A começar pela faixa Novas Famílias, de sua autoria, que abre o álbum e dá nome ao novo trabalho. Nela, Marina fala sobre a crise hídrica em São Paulo e a descoberta de água em Marte, mas também celebra as recentes conquistas de direitos no Brasil, como a lei da união estável de pessoas de mesmo sexo, e dos novos amigos que ela fez em São Paulo, e que formam seus novos grupos, sua nova família na cidade. "Céus, e essas novas famílias/Com terras molhadas de amor/Minando qualquer ditador", canta, num trecho.>
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Em Só Os Coxinhas, parceria dela com o irmão Antonio Cicero, faz um funk com os códigos típicos do gênero, para ridicularizar a quem ela considera "coxinha". "Essa gente chata, cheia de ideia, de regra. Eu já tinha uma parte: 'Agora abaixa um pouquinho, agora solta o mindinho'. Quando eu levei para o Cicero, ele quis fazer também. A gente, quando compõe, tem o negócio do humor mesmo. Aí ele foi completando com Feito Um Pica-Pauzinho. Quis fazer uma coisa que não era ofendendo nem agredindo, era ridicularizando, fazendo com humor." A parceria com Cicero rendeu ainda a canção Juntas, em que Marina revisita poeticamente São Paulo, fazendo um paralelo entre o entardecer da cidade, que ela vê da janela de sua casa, com vista para o Pacaembu, em comparação ao do Rio.>
São Paulo está bastante presente no disco, não? "Acho que tem uma coisa do Brasil. São Paulo aparece, mas o Rio também, tem Belém, Parnaíba (cidade de seu pai, no Piauí). O Rio vem comigo, faz parte de mim, tenho uma relação com a natureza, com o mar. Em São Paulo, logo que me mudei pra cá, me lembrava de Washington, onde morei quando era pequena, uma cidade onde não tem mar, mas tem muito verde.">
Ainda da dupla Marina-Cicero, a cantora resgata o antigo sucesso Pra Começar, que, pela primeira vez, ganha versão em estúdio (originalmente, foi lançada ao vivo, em 1986, no disco Todas Ao Vivo) e dialoga com o restante do álbum por causa da atualidade de sua letra. Há ainda outras parcerias, como em Do Mercosul, com Silva e Dustan Gallas; e uma única canção que não é de seu cancioneiro, Climática, de Klébi Nori e Gian Correa.>
Na bela Árvores Alheias, outra composta solitariamente por Marina, ela se inspirou em um poema de Fernando Pessoa para falar sobre sentimentos que são universais, de "histórias velhas que o tempo levou". "Percebi que, volta e meia na minha vida, aparecem pessoas de um ciclo atrás, que não souberam agir e querendo agir agora. Não tem mais nada a ver, são sombras de árvores alheias, aquilo ficou.">
Pop em sua essência, Marina não só flerta com o funk, como avança para outros estilos e gêneros, como tecnobrega, samba e música eletrônica. Reflexo do caldeirão rítmico presente em São Paulo, que se tornou, há tempos, ponto de encontro e morada de músicos de várias partes do País.>
O flerte com as texturas eletrônicas, por exemplo, vem desde Fullgás. De lá para cá, Marina foi estudando, se aprimorando no assunto. Para ela, a música eletrônica lhe dá independência. "Eu não fazia parte de nenhuma banda. Geralmente, componho no violão. A música eletrônica me trouxe acesso a todos os timbres possíveis, então posso fazer verdadeiros esqueletos, programar baixo... Aí, quando chamo um músico com quem quero trabalhar, ele parte de um ponto de partida todo pronto.">
O tempo de Marina é hoje, mas, não raro, fatos do passado voltam à conversa. Depois que revelou, anos atrás, que um erro médico lesionou suas cordas vocais e que teve depressão, sua voz tornou-se foco de curiosidade a cada novo disco, a cada novo show. A potência vocal de Marina pode não ser mais como de outrora, mas ela se adaptou à interpretação mais intimista, menos rasgada, estilo, aliás, facilmente identificável em uma geração mais nova de cantoras. "Isso tem quase 20 anos. A questão da voz, quando aconteceu, foi em um momento em que eu entrei em tilt. Eu não estava feliz com minha carreira, só tinha eu de cantora pop no Brasil, e tudo vinha em cima de mim. Não queria ficar numa redoma. Juntou tudo e também a depressão. Isso passou, está superado. Canto tudo o que quero no disco, minha voz é minha voz. Reconheço ela, cuido dela como sempre cuidei." E ela diz isso como se esse capítulo precisasse ser virado pelos outros, porque, para ela, já foi. "[ ]Não tenho uma história nem profissional nem emocional que eu queira resgatar. As coisas estão bem resolvidas.">
Empoderada desde sempre, a cantora fala também da união das mulheres para denunciar casos de assédio e abusos. "Uma coisa que a gente não era", diz. "As redes sociais talvez tenham trazido mais uma consciência coletiva, mais gente entende que não está só." Musa do pop, ela chegou a sofrer assédio? "Nunca passei por isso, assédio nunca, mas tinha uma história de que mulher não compõe, tentavam me diminuir. Isso sim.">
As informações são do jornal >
O Estado de S. Paulo.>
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