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Há 35 anos, Nelson Triunfo dava primeiros passos no hip hop

Há 35 anos, Nelson Triunfo dava primeiros passos no hip hop

Inspirados pelo movimento que vinha de fora, os brasileiros passaram a se organizar no mesmo esquema do hip hop americano, já apostando em todas as vertentes do movimento

Publicado em 7 de abril de 2018 às 01:27

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Em meados dos anos 1970, as minorias de origem africana e latina presentes nas periferias dos Estados Unidos começavam a dar forma ao hip hop, que nasceu como um braço cultural da luta pela igualdade dos direitos civis. Nos microfones dos MCs, as rimas já denunciavam os problemas vividos pelos negros e nos toca-discos os DJs ditavam o ritmo dançante que originou o rhythm and poetry, ou simplesmente rap.

Na mesma década, os bailes black já eram fortes no Brasil, principalmente no circuito Rio-São Paulo, onde chegaram a ser perseguidos pela ditadura militar, acusados de “tentativas subversivas de exploração de antagonismos raciais”.

Inspirados pelo movimento que vinha de fora, os brasileiros passaram a se organizar no mesmo esquema do hip hop americano, já apostando em todas as vertentes do movimento: a música (dividida entre o DJ e os MCs), o breakdance e o grafite.

O auge foi no início da década de 1980, há 35 anos, quando os interessados começaram a se reunir para rodas de break no chamado “marco zero” do hip hop no país: a Rua 24 de Maio, na República, bem no Centro de São Paulo.

Quem estava lá? Nelson Triunfo, importante b-boy considerado um dos pais do movimento hip hop pelas bandas de cá. “Em 1979, começamos a usar a rima falada, fui um dos primeiros caras a ter vinil, já usávamos o rap de uma forma ou de outra. Mas começamos a nos organizar na rua de 1982 para 1983, quando houve mesmo um marco. Combinávamos com um bocado de jovens na esquina da Mesbla”, conta Nelsão, como ainda é chamado por amigos do meio, se referindo ao prédio que hoje abriga o Sesc 24 de Maio.

Nelson Triunfo, importante b-boy considerado um dos pais do movimento hip hop. (YouTube | Reprodução)

Aos 63 anos, Triunfo relata os dados da época como quem fala de algo que aconteceu na semana passada. O pernambucano ainda hoje ostenta um imponente cabelo black power, como já fazia quando frequentava os lendários bailes da discoteca Fantasy, um dos primeiros lugares do país a realizar eventos exclusivamente de hip hop. A casa de festas ficava nas imediações do Ibirapuera.

Por lá eram exibidos os primeiros videoclipes do gênero, e tocavam as primeiras músicas com “scratches”, o arranhado do vinil pelos DJs, lançado pelo pioneiro, o americano Grandmaster Flash.

ESTOURO

O local funcionava como uma central de informações, segundo conta a história. Bem no meio de 1983, era um estouro: a tendência era Afrika Bambaataa, líder da Zulu Nation, originário do Bronx, em Nova York. Daí em diante, várias histórias foram se formando.

“Ali na Fantasy foi o grande passo. Começamos a organizar e lançar um novo estilo de dança, tipo robô, e tudo começou forte. Já tinha algo na novela ‘Partido Alto’, eu já fazia apresentações com meu grupo, Funk & Cia, depois vieram outras ‘crews’. Quebramos muitas barreiras”, diz Nelson, contemporâneo de nomes como DJ Hum, Pepeu e King Nino Brown.

Há 35 anos, Nelson já era porta-voz do hip hop, e sabia que viveria disso. Viu tudo crescer e passou a usar a cultura como instrumento social, principalmente na Casa de Cultura de Diadema.

“Ali começamos a trabalhar outros estilos de dança e arte em geral, para mostrar novas tendências que trouxessem uma verdadeira transformação do cidadão. A partir daí, já éramos um movimento global, com bons MCs, bons dançarinos, grafiteiros, DJs. Hoje, costumo dizer que o hip hop também é Música Popular Brasileira”, destaca.

Triunfo e companhia não tinham noção da grandeza do que estavam desenvolvendo. Hoje, vendo o gênero colher bons frutos, nega qualquer saudosismo ou comparação entre as gerações. “Era uma fase gostosa, nos divertíamos. Não acho que tem isso de velha e nova escola, certo e errado. Tudo isso é o mundo em evolução”, conclui.

BREAK TAMBÉM INSPIROU INÍCIO DO MOVIMENTO NO ES

No Espírito Santo, o hip hop começou a ganhar força também em meados dos anos 1980. Os jovens do meio foram inspirados principalmente pela abertura da novela “Partido Alto” (TV Globo), em que Nelson Triunfo aparecia dançando com os companheiros de Funk & Cia. O break passou a ser a dança do momento.

Seguindo a tendência mundial, o movimento capixaba teve origem principalmente na organização do movimento negro, capitaneado na época por nomes como o da produtora Pandora da Luz e Isomar Vidal. As reuniões passaram a ser frequentes no Centro de Vitória, e todos os presentes faziam treinos da dança da moda após os debates sobre questões raciais.

Da “primeira geração” do rap capixaba, destacam-se os grupo Suspeitos na Mira (Sagaz, MC Dudu, L Brau e LD Fli) e Negritude Ativa (GL Preto, Zumbah, Jeff, Tchos e DJ Paraju) e o MC Renegrado Jorge, fundador do programa Universo Hip Hop, veiculado pela Universitária FM.

GRANDES MOMENTOS DO HIP HOP NO ES

O início

Inspirados nos videoclipes de Michael Jackson e pela abertura da novela “Partido Alto”, da TV Globo, dançarinos capixabas começaram a apostar no breakdance, mas ainda sem ter clareza sobre o movimento hip hop.

Desenvolvimento

Com o passar dos anos, no final da década, nomes importantes para a cenal local, como Sagaz Bicho Solto (também grafiteiro) e MC Dudu, passaram a ter mais conhecimento sobre o hip hop. Na época, já aconteciam encontros de b-boys no Parque Moscoso e encontros do movimento negro no Centro de Vitória.

Mais movimento

Surgiram então grupos como o Suspeitos na Mira e o Negritude Ativa. Este, integrado por Gilmar Martins, ou GL Preto, que já havia tido contato com o break desde 1985. Em 1992, Gilmar decidiu que entraria de vez para o movimento. Em 1996, o Negritude Ativa lançou a coletânea “Tributo a Zumbi”, um dos primeiros registros do rap em terras capixabas.

Espaço na rádio

Em 1997, o programa Universo Hip Hop entra no ar, pela rádio Universitária (104,7 FM). Pioneiro do gênero no Espírito Santo e um dos pioneiros no país, realiza sorteios, entrevistas e divulga lançamentos e eventos ligados à cultura hip hop local.

Geração seguinte

Já nos anos seguintes, entre o fim dos anos 1990 e dos anos 2000 em diante, surgem novos nomes em todas as vertentes, do rap ao grafite, como Sammuca 05, Adikto, Aliado Jota, Família Gam, DJ Jack, DJ LX, Los Zombres, Jota 3, In-Versão Brasileira, Fredone Fone, Ficore, Tiago Set e vários outros.

Relevância

Em 2007, Adikto foi indicado ao Prêmio Hutúz, o mais relevante da cultura hip hop no país, na categoria “Demo Masculina”, com seu trabalho “Discípulo Sem Cerimônia”. Mais tarde, já em 2009, foi premiado na categoria “Melhor Demo Masculino da Década”.

Nova escola

Na última década, seguindo a tendência nacional, a cena local tem revelado novos e bons nomes no gênero. Desde 2010, o Projeto Boca a Boca, capitaneado pelos MCs Jack da Rua e Feijó, promove batalhas de freestyle pela Grande Vitória. A onda de batalhas de rima na hora se espalhou por todo o Estado.

Vitória no duelo nacional

No ano passado, o capixaba Cesar MC foi o grande vencedor da maior batalha de rimas do país, o Duelo de MCs nacional, promovido pelo coletivo Família de Rua, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Antes, em 2013, Jack da Rua já havia batido na trave na disputa representando o Estado.

Registro valioso

No início do mês, Fredone Fone reuniu no livro “Rap: A Força da Fala” mais de 150 letras escritas por artistas do Espírito Santo desde 1987. Integrante do Conteúdo Paralelo, Fredone teve o reforço de L Brau na missão de documentar composições escritas até o ano de 2010, de Renegrado Jorge a Preta Roots.

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