Publicado em 5 de agosto de 2019 às 20:02
O panorama no início da década de 1970 era de desterro. A Alemanha ainda não tinha se recuperado do fracasso da Segunda Gerra Mundial. Cidades como Hamburgo, sem perspectivas de melhora econômica, estavam entregues às moscas.>
Desempregados, bandidos, alcoólatras e moradores de rua (em busca de comidas jogadas pelo chão) se espalhavam pelas ruas sujas e sombrias.>
Assim, nesse ambiente claustrofóbico de filmes de horror, nasce a gênese do ótimo "O Bar Luva Dourada", em cartaz no Cine Metrópolis. Gênero, aliás, que o diretor do longa, o turco-alemão Fatih Akin, sempre quis explorar em sua premiada carreira.>
Antes de fazer qualquer juízo de valor em relação ao longa-metragem, que chega ao Brasil após causar polêmica no Festival de Berlim, em janeiro, é preciso contextualizá-lo.>
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O filme - inspirado no livro homônimo do escritor Heinz Strunk - é baseado na história de um assassino em série que assombrou a Alemanha na década de 1970, Fritz Honka (na tela, em interpretação magistral do galã Jonas Dassler, usando uma pesada maquiagem).>
Abandonado pela família em um apartamento fétido, o rapaz se envolvia com prostitutas idosas e, na impossibilidade de transar com elas, preferia matá-las, esquartejando seus corpos e colocando os restos em buracos feitos nas paredes imundas de sua residência.>
Fatih Akin nunca escondeu que queria fazer de "O Bar Luva Dourada" um filme para extrapolar os limites da plateia. Fã de "O Despertar dos Mortos" (1978), de George Romero, o realizador alemão horroriza em cenas de violência gráfica.>
Corpos mutilados, estupros e sangue em profusão proliferam na tela de forma sádica. São passagens grotescas, que beiram o escatológico. Um filme difícil de ser digerido pela plateia, especialmente para as mulheres.>
ESSÊNCIA>
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Vindo do cineasta que nos brindou com os excelentes "Contra a Parede" (2004), "Soul Kitchen" (2009), "Do Outro Lado" (2008) e "Em Pedaços" (2017), não espere uma narrativa convencional.>
Afinal, violência extrema já não é novidade no cinema. Como exemplos, podemos citar "A Serbian Film: Terror sem Limites" (2010); "Irreversível" (2002), obra-prima de Gaspar Noé; "A Casa que Jack Construiu" (2018), loucura barroca de Lars von Trier; ou mesmo o "canibalesco" e gratuito "Raw" (2017), de Julia Ducournau, este último em cartaz na Netflix.>
O que Akin propõe com "O Bar Luva Dourada" é bem mais complexo do que sangue na tela. Aqui, está em xeque as feridas de uma Alemanha que ainda não se livrou do nazismo e da crise moral.>
Seu Fritz Honka é um subproduto de um país - e de um sistema - que não soube (e ainda não sabe) o que fazer com o proletariado que "restou" do pós-Guerra, uma escória entregue ao álcool e ao desalento social.>
Em "O Bar Luva Dourada" vemos uma série de referências ao expressionismo alemão. Além do clima sombrio, Fritz Honka é um novo "M, O Vampiro de Dusseldorf" (1931): esquelético, abatido, curvado, e andando pelas ruas em busca de suas "vítimas". Fritz Lang em sua essência mais pura. Há, também, o cinema de contestação de Rainer Werner Fassbinder ("Berlim Alexanderplatz", de 1980), especialmente quando vemos o ser social induzido à criminalidade.>
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