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Cais das Artes: sem prazo para entrega, previsão de gastos só aumenta

Cais das Artes: sem prazo para entrega, previsão de gastos só aumenta

Obra virou caso de Justiça e não tem mais previsão para ser concluída

Publicado em 7 de março de 2018 às 18:04

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Visão aérea das obras (ou ruínas) do Cais das Artes. (CLEFERSON COMARELA/VIXFLY DRONES)

Um teatro de mil e trezentos lugares, três mil metros quadrados de museu, um auditório gigantesco, tudo isso reunido em um grande centro cultural. O Cais das Artes nasceu ambicioso, mas hoje é um dos maiores exemplos de obra pública que começa e nunca acaba do Espírito Santo.

O projeto do renomado arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha transformou-se num caixote de concreto abandonado que polui o visual da Enseada do Suá, em Vitória. Mas o problema vai além: a população tem que lidar ainda com o impacto no bolso: R$ 126 milhões já foram gastos e estima-se que cerca de R$ 100 milhões ainda sejam necessários para a conclusão da obra, R$ 20 milhões a mais que o previsto até o fim do ano passado. Ao todo, R$ 226 milhões. Ou seja, embora o canteiro de obras esteja parado há tempos, o custo dele só faz aumentar. Importante lembrar que originalmente o investimento total seria de R$ 115 milhões.

A estimativa é do secretário de Estado de Transporte e Obras Públicas, Paulo Ruy Carnelli, e foi feita em entrevista à rádio CBN Vitória. Procurado pelo Gazeta Online, o secretário preferiu não se pronunciar. Os R$ 20 milhões a mais se fazem necessários somente para colocar a obra de volta nos trilhos, ou seja, reparar o que foi danificado durante a paralisação. Quanto mais tempo demorar o retorno, mais cara ficará a intervenção.

A construção do projeto teve início em 5 de abril de 2010, no último ano do segundo mandato de Paulo Hartung como governador. Sua conclusão estava prevista para 2012. Em entrevista ao jornal A GAZETA em junho de 2011, a então coordenadora do Comitê Gestor de Acompanhamento do Cais das Artes, Dayse Lemos, e o então gerente da Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), Maurício Silva, falaram sobre o projeto.

"Hoje temos em torno de 40% das obras concluídas. O teatro está com 44%, o museu tem 55%, e a praça, 4%", disse Silva. "A fundação – etapa mais complexa da construção – já foi vencida. As pilastras do teatro estão dentro do mar e aquilo foi um grande desafio para a engenharia", completou Dayse, que pontuou em seguida: "A obra estará concluída no primeiro semestre de 2012".

A reportagem tentou entrar no canteiro de obras para ver como estão as coisas, mas não conseguiu a permissão. A solução encontrada, assim, foi utilizar um drone para fazer as imagens que, mesmo de longe, mostram a ação do tempo. A vegetação toma conta do local onde é possível ver material abandonado, enferrujado e algumas coberturas danificadas. As imagens também mostram como seria a parte interna da estrutura principal do Cais. Assista: 

 

HISTÓRICO DE CONFUSÕES

Mas o que aconteceu de lá para cá? Nos últimos quase seis anos (da data da entrevista)? R$ 126 milhões já foram investidos no local que agora aguarda uma decisão da Justiça para ter suas obras retomadas.

A empresa inicialmente responsável, a mineira Santa Bárbara, faliu. A segunda, o consórcio Andrade Valladares/Topus, teve seu contrato rompido depois de, segundo o governo, receber adiantamento para comprar equipamentos e não fazê-lo. O consórcio, em 2017, alegou prejuízos com a paralisação da obra, solicitou uma perícia, e garante não ter sido pago por serviços realizados no local.

A perícia, segundo o processo, serviria para apurar o "real cenário da obra" e detalhar custos que não teriam sido pagos pelo Iopes. O problema é que a Justiça determinou que essa perícia fosse paga pelo solicitante, que ainda está na Justiça.

Uma das alegações é de que o governo, em 2014, havia reservado um fundo de R$ 70 milhões para a obra, valor que caiu para apenas R$ 5 milhões no ano seguinte. Enquanto todos brigam, a obra continua mais parada do que nunca.

DISPUTA

"Não tem ninguém mais do que eu que queria estar com aquela obra em andamento", disse o secretário de Estado de Transporte e Obras Públicas, Paulo Ruy Carnelli, em entrevista à CBN Vitória na semana passada. Ele entende que o espaço ajudaria - muito - o cenário cultural do Espírito Santo. No entanto, Ruy bate na tecla de que, agora, a retomada depende da decisão judicial. "Dependemos da liberação do Judiciário, que, infelizmente, é um processo demorado", justificou.

Ele esclareceu que o impasse aconteceu, definitivamente, em outubro de 2015, quando o consórcio Andrade Valladares decidiu entrar na Justiça contra o Iopes alegando irregularidade no contrato e possível interesse de enriquecimento ilícito por parte do órgão do Governo do Estado, como consta no andamento do processo ao qual o Gazeta Online teve acesso.

"Possível desequilíbrio econômico financeiro no contrato; supostos descumprimentos obrigacionais, pelo requerido (Iopes), com possível prejuízo financeiro para a autora (Consórcio Andrade Valladares), aplicação de penalidades, com objetivo, segundo alega a autora (Consórcio Andrade Valladares), de impor a rescisão contratual à requerente (Iopes), prováveis custos e investimentos realizados pelos autores para a consecução do contrato e possível enriquecimento ilícito do requerido (Iopes)", lê-se em trecho do documento que se refere às acusações da empresa ao instituto governamental.

MAIS R$ 100 MILHÕES

Na mesma entrevista, o secretário afirmou que serão necessários ainda aproximadamente R$ 100 milhões para a conclusão das obras (R$ 20 milhões a mais do que a previsão anterior, do final do ano passado), além dos R$ 126 milhões já investidos. Parte desses recursos seriam utilizados apenas para "revitalizar" a obra, embora ela nem sequer tenha sido entregue. Expostas ao tempo e com as obras paralisadas, algumas estruturas começam a apresentar corrosões e quebras, como é possível perceber nas fotos que ilustram essa matéria.

Em nota técnica solicitada pela reportagem, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES) aponta que qualquer obra, quando paralisada, está sujeita a desgastes oriundos de ações agressivas de agentes naturais como o vento, os raios de Sol, frentes frias, chuvas e ainda substâncias químicas como os cloretos, muito presentes em ambientes próximos aos mares e oceanos - como é o caso do Cais das Artes.

De acordo com o conselho, na retomada de uma obra paralisada é necessário um planejamento detalhado dos serviços que deverão ser executados para que prejuízos sejam evitados.

GOVERNO RESPONDE POR NOTA

Procurado, o Instituto de Obras Públicas do Espírito Santo (Iopes) se limitou a responder aos questionamentos da reportagem por meio de nota que diz que o consórcio responsável pela obra entrou com uma ação judicial que determinou a realização de uma perícia técnica. "Portanto, a situação está judicializada e, dessa forma, o Iopes está impossibilitado de adotar as providências cabíveis visando nova contratação para continuidade da construção", justifica trecho da nota.

CONSÓRCIO NÃO RESPONDE

A reportagem tentou contato com o Consórcio Andrade Valladares/Topus, mas não obteve retorno. Questionado, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) informa que há 35 processos em que aparece o nome "Consórcio Andrade Valladares". Destes, 12 estão ativos - dentre os quais está o que o Iopes aparece como requerido.

E OS ARTISTAS?

Enquanto isso, o Estado e a população perdem a oportunidade de ter contato com essas novas experiências, como pondera o produtor cultural Wesley Telles. Ele, que há mais de uma década promove shows e espetáculos no Espírito Santo, lamenta a falta de um espaço passível para eventos maiores. "O Cais das Artes, na prática, representaria muito mais do que só um teatro ou um museu. Assim como hoje há um movimento para fora do Estado esse fluxo pode se reverter se nós começarmos a produzir, aqui, projetos que chamem a atenção do país", exemplifica.

Wesley crê que quem mais perde com isso é o capixaba e o Espírito Santo. Para ele, outras regiões do Brasil acabam saindo na frente do Estado porque já viram o quão necessária é a implementação de um espaço desse tipo. "No último ano estive uma temporada conhecendo lugares em várias regiões do país e o Nordeste me impressionou. E ai, eu penso: 'Como que nós, no Espírito Santo, que temos das maiores - senão a maior - renda per capita do Sudeste, não conseguimos um local para fazer um espetáculo ou uma peça de grande porte?' Não tem estrutura em outros lugares", exclama.

Segundo o produtor, o cenário hoje é de adaptação. Isso porque para conseguir realizar esses eventos na Grande Vitória, principalmente, a ordem é adequar os espetáculos aos espaços disponíveis. "Alguns artistas não aceitam fazer show com determinada delimitação de espaço, de público. Então como trazer esse pessoal sem ter uma casa decente?", questiona ele, que também aponta questões para além da conclusão das obras. "O segundo desafio será gerir aquele espaço. Será preciso muito dinheiro e uma administração que entenda com o que está mexendo", indica. 

O "fazedor de cultura" Fábio Carvalho, como ele mesmo se classifica, há 25 anos sente falta de um espaço que valorize o que os artistas daqui fazem. "Um espaço daquele tamanho, daquele porte, faz falta para o Espírito Santo. Produzimos arte no Estado para o Brasil e para o mundo, mas nós também teremos vez lá? Vamos conseguir ocupar o espaço?", questiona.

Fábio destaca que se falta um local como o Cais das Artes também faltam espaços menores para o que ele chama de formação de plateia. "Como o artista do Espírito Santo vai lotar mil e trezentos lugares se ele não for conhecido?", indaga. Para o produtor, projetos sociais que incluam a comunidade é que podem ser uma das saídas. Ele esclarece que uma estrutura daquele porte precisa ter meios de fazer com que todos tenham acesso ao que será oferecido. "Todo mundo tem o direito de ver grandes espetáculos e todas as produções, inclusive as daqui", exemplifica.

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Para ele, espaços com esse cunho artístico precisam ser vivos e o Cais das Artes também precisa pensar em como será a logística de funcionamento. "Ninguém quer um museu para ficar parado, e se não houver forma de torná-lo acessível é isso o que vai acontecer", avalia.

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