Em tempos de Anitta se calando frente aos ataques que a acusavam de ser apoiadora do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), os artistas precisam pensar duas vezes antes de decidir se vão - ou não - divulgar suas tendências políticas. Isso porque a internet, principalmente, faz com que todos os passos desses influenciadores seja maximizado de forma que pode chegar, até, a prejudicá-lo. E, nesse caso, só prejudicar a ele mesmo. É que cientistas políticos ouvidos pela reportagem apontam que, na maior parte das vezes, é a figura pública que "faz campanha" para determinado candidato que pode acabar com a imagem mais suja do que se nunca o tivesse feito.
Assista à campanha à que se refere Humberto, em que Lula (PT) recebeu apoio de vários artistas brasileiros que participaram de um clipe para divulgar o jingle usado pelo ex-presidente da República na campanha de 1989:
Humberto vê que, de 2014 para cá, até a classe artística se dividiu muito politicamente falando. "Em 2015, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) nós tivemos exemplos claros disso. Tinha muita personalidade a favor e contra a petista. E acho importante que seja assim, que seja equilibrado", conclui.
Nos dias atuais, o coro dos artistas se repete. Sem jingle cantado junto, como em 1989, mas com a força da opinião numa campanha contra Bolsonaro nas redes sociais. Além de Anitta, outro caso muito falado foi o da cantora Marília Mendonça. Ela aderiu à corrente da campanha #EleNão e gravou um vídeo nas redes sociais divulgando seu apoio à hashtag e, no dia seguinte, foi ameaçada por eleitores do candidato carioca e acabou deletando a postagem. Mas já era tarde e vídeos da opinião da cantora continuam circulando nas redes sociais:
O coro foi reforçado por cantoras e atrizes como Iza, Letícia Sabatella, Bruna Linzmeyer, Maria Ribeiro, Tati Quebra Barraco, Fernanda Lima, Fernanda Paes Leme, Nada Costa, Paula Lavigne, entre outras tantas. A campanha contrária ao presidenciável acabou chegando a nível internacional, onde artistas como Cher, Madonna, Camila Cabello, Ellen Page, Dua Lipa, Nicole Scherzinger e banda Black Eyed Peas fizeram protestos nas redes sociais usando as hashtags #EleNão e #EndFacism.
"E eu achava que o Trump era ruim. 'Ele disse que preferia ter um filho morto do que gay. E, em frente a câmeras de TV, ele disse a uma deputada que não a estupraria porque ela era feia'. O Brasil está flertando com o retorno de dias sombrios", escreveu Dua Lipa junto ao link de uma matéria do New York Times.
Por sua vez, Cher publicou: "Infelizmente o Brasil está encarando seu próprio Trump. Um candidato homofóbico e racista está liderando as pesquisas".
E, como existe o outro lado, no mundo dos artistas - nesse caso - ele é representado, também, por nomes como Alexandre Frota, o lutador de MMA José Aldo, Amado Batista, Gusttavo Lima, entre outros. Não é de hoje que o sertanejo manifesta apoio a Bolsonaro à Presidência, já que desde o início do ano já deixou clara sua posição.
Em fevereiro deste ano, por exemplo, Gusttavo postou vídeo em que disse: "Hoje em dia no Brasil só está desarmado o cidadão de bem. Revogação do Estatuto do Desarmamento já... Nossas famílias e casas protegidas". Na oportunidade foi criticado por alguns fãs, mas ficou clara a tendência do seu público em acatar essas opiniões.
Também sertanejo, Eduardo Costa já surgiu vestindo uma camisa com a imagem de Bolsonaro e alertou: "Meu partido é o Brasil". No fim do mês passado, ele publicou vídeos em uma de suas redes sociais em que destacou seu apoio ao candidato. No post, o filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, respondeu: "Opa. Vamos resolver no primeiro turno, se Deus quiser".
EXIGÊNCIA DO PÚBLICO
Para Humberto Dantas, cientista político professor da Universidade de São Paulo (USP), o que Anitta fez, especificamente no caso dela, foi se posicionar mercadologicamente. O cientista entende que ela possui méritos próprios, mas contrapõe que, sem dúvida, ela também é muito bem assessorada. "Ela se posicionou por uma pressão do público dela e se posicionou da forma mais delicada possível. Ela claramente não quer entrar nesse jogo e ninguém tem que exigir isso dela", afirma, dizendo que gosta de deixar claro, sempre, que todos os brasileiros, artista ou não, têm o direito de expressar ou não suas tendências políticas. "A diferença é só que uns, quando decidem expor, acabam influenciando mais do que outros", arremata.
Por outro lado, Humberto entende que exigir posicionamentos e opiniões de artistas, por parte de seu público, é algo natural e que realmente vai continuar acontecendo. "Só que ela não é obrigada a cantar política. As pessoas também têm que enxergar um cantor como cantor, um pintor como pintor, um jogador de futebol como jogador de futebol... É muito difícil", reconhece.
Apesar de não acreditar que a influência de um artista não seja capaz de mudar o resultado das urnas, o cientista político, Robson Reis, destaca que há sempre uma parcela de fãs que é muito fiel aos seus ícones. "Esses sim podem se mobilizar, como se esses artistas também fossem como líderes religiosos, que também são agentes influenciadores na política", frisa, justificando: "Aécio já foi muito apoiado na última campanha à Presidência da República. No entanto, não ganhou. Então, a partir dessas experiências você tem que ponderar".
Em contrapartida, Robson também entende que o artista usar da própria influência para, propositalmente, fazer uma campanha eleitoral é diferente de ser pressionado para se posicionar politicamente de forma individual. "É claro que para um determinado público mais fiel isso não vai fazer muita diferença. Mas, no geral, o eleitor consegue perceber essas sutilezas", conclui.
Para Humberto, a sociedade valoriza demais a figura de um artista ou de uma personalidade pública. E é essa exaltação que pode fazer com que a opinião daquele indivíduo tenha alguma relevância. "Ele (o artista) não é um pesquisador, não é um acadêmico... Mas ele faz uma novela e você quer que ele opine. Longe de mim desmerecer o trabalho de um profissional desses, mas ele não é o mais indicado para você se espelhar politicamente falando", destaca. "O que eu quero criticar, aqui, também, é o lado de um eleitor fragilizado que se deixa influenciar por quem não se deve deixar", pondera.
FAMOSOS EM CARGOS POLÍTICOS
Segundo o cientista político, por outro lado, o Brasil já teve eleitos que eram artistas e também cantores em cargos de nomeação. "Gilberto Gil já foi ministro. Não vamos questionar a desempenho dele no cargo, mas já foi ministro, sim", exemplifica.
Outras celebridades também já se lançaram na política para ao menos tentar um cargo eletivo: O ex-BBB Jean Wyllys, participante ganhador da quinta edição do "Big Brother Brasil", é deputado federal pelo Rio de Janeiro, eleito em 2010 e reeleito em 2014 como o sétimo mais votado; Tiririca, que antes só arriscava no humor, foi o mais votado em 2010, em São Paulo, com mais de 1,3 milhão de votos; MC Carol é candidata a deputada estadual neste ano, no Rio. Desde 2014, ela é filiada ao PC do B; Thammy Miranda também já quis ser vereador em 2016 - na ocasião, o filho de Gretchen teve pouco mais de 12,4 mil votos e não conseguiu se eleger.
De acordo com Humberto, o importante é mostrar, também para o público, que nesse meio existem esses dois lados: "Assim como os professores. Tem que desmistificar. Têm professores de direita e de esquerda. E tem professor que não está nem aí para o jogo, também", brinca.
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