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Entenda a polêmica por trás de 'Lindinhas', exibido na Netflix

Entenda a polêmica por trás de "Lindinhas", exibido na Netflix

Filme franco-senegalês, muito debatido nas redes sociais, foi acusado de hipersexualizar adolescentes. No Brasil, Damares Alves tenta impedir sua exibição

Publicado em 17 de setembro de 2020 às 11:21

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Exibido na Netflix, e premiado em Sundance, o franco-senegalês
Exibido na Netflix, e premiado em Sundance, o franco-senegalês "Lindinhas" está causando polêmicas por onde passa. (Netflix/Divulgação)

Independente de seus méritos e deméritos artísticos, "Lindinhas", polêmico drama franco-senegalês em cartaz na Netflix, vem causando burburinho desde o seu lançamento, no último dia 9 de setembro. O longa-metragem de Maïmouna Doucouré é um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. Muitos internautas (a maioria sem vê-lo)  acusam a produção de hipersexualizar crianças, especialmente por exibi-las dançando de maneira provocante. 

A "ira das redes" chegou aos ouvidos de Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Embarcando na campanha contrária a "Lindinhas", a ministra afirmou, em uma postagem, que está buscando medidas judiciais para fazer com que a Netflix retire a produção de seu catálogo. 

"Estou brava, Brasil! Estou muito brava! É abominável uma produção como a deste filme. Meninas em posições eróticas e com roupas de dançarinas adultas. Não neste país, Netflix! No Brasil não! Quero deixar claro que não faremos concessões a nada que erotize ou normalize a pedofilia!", bradou Damares, para alívio de seus seguidores. Em 24 horas, a postagem teve mais de 82 mil curtidas e cerca de 8,2 mil respostas, a maioria de apoio aos pensamentos conservadores da ministra.

SUPERFICIALIDADE

"Lindinhas" foi lançado no Festival de Sundance, em janeiro, de onde Maïmouna Doucouré saiu com o prêmio de Melhor Direção. Trata-se de uma livre continuação narrativa de seu projeto anterior, "Maman(s)" (2005), um premiado curta que também versa sobre pessoas de núcleo familiar conservador tentando se adequar ao comportamento de uma sociedade liberal.

A trama de "Lindinhas" esbarra na superficialidade e não justifica tanta polêmica. Conhecemos Amy (Fathia Youssouf, o único destaque do projeto), uma menina de 11 anos, de origem senegalesa, que se muda para a França com sua família.

Em crise por conta do segundo casamento do pai, algo comum entre os muçulmanos, Amy, tentando se enturmar, entra para um grupo de dança de garotas da sua idade, as Mignonnes, o que não é aprovado por sua família religiosa e conservadora. Em paranoia, a menina começa a cometer pequenos delitos, querendo provar uma maturidade que não possui.

CANCELAMENTOS NOS EUA

O babafá em torno de "Lindinhas", porém, vem muito antes da revolta dos brasileiros. No início de setembro, o filme também deu o que falar nos Estados Unidos. Os senadores republicanos Ted Cruz e Tom Cotton pediram ao Departamento de Justiça de seu país que investigasse a produção e distribuição do longa. Cruz chegou a questionar se a Netflix não violou leis norte-americanas contra a produção e distribuição de pornografia infantil.

A repercussão está causando danos financeiros à empresa de Ted Sarandos. Segundo dados divulgados pela revista "Variety", o número de cancelamentos de assinaturas da plataforma aumentou exponencialmente. Sem divulgar dados exatos - uma prática comum em assuntos relacionados a serviços de streaming - a publicação afirmou que, no dia 12 de setembro, por exemplo, a taxa de cancelamentos em solo norte-americano tornou-se quase oito vezes maior que os números diários obtidos de agosto de 2020.

Nos Estados Unidos, duas petições on-line ainda estão em vigor, uma pedindo que a Netflix retire o projeto de seu catálogo e outra convocando pessoas a cancelem suas contas no serviço. Juntas, já somam mais de um milhão de assinaturas. 

PROBLEMAS NA DIVULGAÇÃO

A própria Netflix foi uma das responsáveis pelas reações polêmicas em torno de "Lindinhas". Foi um erro de marketing tratar um filme notoriamente de arte - e criado para ser consumido por um público restrito e intelectualizado - como uma produção voltada para a grande audiência. 

Ao criar um cartaz promocional de viés sensacionalista, que trazia as protagonistas do longa-metragem em poses provocantes, fazendo movimentos de dança conhecidos como twerking, sem explicar o contexto da imagem, o serviço de streaming acabou dando uma exposição que o projeto de Maïmouna Doucouré - que chegou a sofrer ameaças de morte - não deveria ter. 

O polêmico cartaz de divulgação de "Lindinhas" ascendeu a ira de muitos internautas. (Netflix/Divulgação)

Tanto a Netflix como a realizadora explicaram (milhares de vezes) que a ideia nunca foi hipersexualizar adolescentes, mas sim fazer uma crítica contrária à perda precoce da infância. Um video divulgado recentemente pelo serviço de streaming, mostra a diretora defendendo que sua intenção foi alertar sobre o perigo dessa questão. “Nós precisamos proteger nossas crianças. O que eu quero é abrir os olhos das pessoas para esse assunto e tentar corrigir isso", acrescenta, dizendo que o roteiro nasceu de suas próprias experiências. 

Porém, o drama distribuído pela Netflix fracassa na tentativa de fazer uma análise sobre uma geração fadada à maturidade precoce, onde a superexposição das redes sociais, e a busca por uma falsa liberdade, apenas encobre o vazio existencial de uma juventude sem perspectivas. 

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Doucouré não possui o talento de uma Céline Sciamma, que, por exemplo, expôs com excelência a marginalização de jovens africanas em Paris em "Garotas" (2014). Sobra a Maïmouna a tentativa de provar, insistentemente, que seu filme deseja criticar uma sociedade que impõe meninas a uma cultura que as sexualiza, não o contrário.

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