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Empresas abrem programas de trainee apenas para negros

Empresas abrem programas de trainee apenas para negros

Vagas para recém-formados estão na Magazine Luiza e na Bayer, com remuneração de até R$ 6,9 mil. Iniciativas causaram polêmica nas redes sociais e  especialistas explicam o que a Constituição prevê

Publicado em 21 de setembro de 2020 às 20:13

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Loja do Magazine Luiza: rede deve vir para o Estado e operar quiosques em parceria com outras marcas
Magazine Luiza abriu seleção para recém-formados negros. (Magazine Luiza/Divulgação)

Duas grandes empresas no país estão com inscrições abertas para seus programas de trainee com vagas apenas para candidatos negros. As seleções têm causado polêmica nas redes sociais, principalmente a da Magazine Luiza, que está entre os assuntos mais comentados do Twitter.

As oportunidades estão na Magalu e na Bayer, empresa química e farmacêutica alemã. Os interessados precisam ter até três anos de formados e a remuneração pode chegar a R$ 6,6 mil e R$ 6,9 mil, respectivamente.

Ao lançar os programas, as duas companhias reforçam que existem poucos funcionários no topo, com cargo de gestão, que são pretos e pardos, e, por isso, decidiram abrir as seleções como uma forma de reduzir a desigualdade dentro de seus quadros.

Durante todo o final de semana, houve várias discussões nas redes sociais com pessoas contrárias e outras a favor das medidas. O principal ponto de discórdia era que muita gente se mostrou contra os programas, dizendo que ferem a Constituição Federal.

No final de semana, a juíza do Trabalho de Minas Gerais Ana Luiz Fischer Teixeira de Souza Mendonça declarou em sua conta no Twitter ser "inadmissível" um programa que aceite apenas candidatos negros. "Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível", escreveu. Depois da repercussão da declaração, ela apagou a postagem e fechou sua conta na rede social.

Quem também não concordou com a seleção foi o deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Carlos Jordy (PSL-RJ). Ele disse, no sábado (19), em suas redes sociais que iria entrar com uma representação no Ministério Público contra a loja Magazine Luiza para que seja apurado crime de racismo.

Em entrevista à Folha, a presidente do conselho de administração da Magazine Luiza, Luiza Trajano, disse que a empresa já esperava pelas críticas. Segundo a executiva, "as pessoas ainda não têm profundo conhecimento do tamanho do racismo estrutural que vivemos".

“Mas é claro que o ponto de vista diferente faz parte do processo, e entendemos isso. Nós estamos muito felizes de quebrar esse paradigma e nesses dois dias já recebemos muitas inscrições. A gente não fez para mudar o Brasil, mas para mudar a nossa empresa. A gente queria mudar uma realidade nossa. Dos mais de 2 mil trainees que selecionamos até hoje, só 10 foram negros", ressaltou na entrevista.

O professor doutor da FDV Américo Bedê Júnior explica que o artigo 3º da Constituição fala sobre o compromisso do Brasil em diminuir a desigualdade e, por isso, não há impedimento para a abertura de uma seleção apenas para candidatos negros.

“Essa iniciativa, sem dúvida, gera muita polêmica, mas está de acordo com a Constituição. A iniciativa dessas empresas chama atenção para um problema que existe, que é a falta de oportunidades para pessoas negras dentro dos mais diversos quadros de uma organização, principalmente em cargos de liderança. Temos um déficit de políticas públicas e privadas que já duram 100 anos, desde quando a escravidão terminou”, comenta.

Ele lembra ainda que o artigo 5º da Constituição determina que todos são iguais perante a lei. No entanto, não há impedimento ao fazer diferenciação entre as raças, por exemplo, para garantir igualdade. "Não há problema em tratar de forma diferenciada quem sempre foi tratado com discriminação", diz.

O juíza do Trabalho Germana Morelo ressalta que fazer uma seleção apenas para candidatos negros demonstra uma mudança de postura das empresas, voltadas para a responsabilidade social.

“As organizações não só podem como devem ter essa responsabilidade social, fato este que está previsto na Constituição. Quando uma empresa adota políticas afirmativas, ela está cumprindo o seu papel social. Nosso país é muito desigual, principalmente em relação a raça”, afirma.

A magistrada lembra que a convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil faz parte, repele qualquer forma de distinção por sexo, cor, religião, entre outras.

“Igualar os trabalhadores é dar a eles oportunidades iguais, tratá-los da mesma maneira. O que a Magazine Luiza está fazendo é aplicando o princípio da igualdade e não privilegiando um grupo de candidatos. Acredito que toda essa polêmica se formou porque vivemos em uma sociedade doente, individualista ao extremo e que não consegue perceber a desigualdade provocada pelo passado triste, que foi a escravidão. Precisamos ter um sentimento de solidariedade e consciência social”, ressalta.

O advogado trabalhista Victor Passos Costa avalia que não existe ilegalidade na contratação de apenas negros ou mulheres, por exemplo. “Estudiosos do Direito dizem que não há problema em tratar de forma diferenciada quem sempre foi tratado de forma desigual. Os negros são minoria nas empresas, nas universidades e, geralmente, ganham menos dos que os brancos”, destaca.

O sociólogo e professor da FDV André Filipe Pereira Reid dos Santos acredita que o mercado tende a valorizar marcas que trabalham com responsabilidade social. Para ele, a Magalu deve incentivar outras empresas a realizarem processos seletivos para diminuição da desigualdade racial.

“As pessoas são favoráveis a consumir produtos e serviços de companhias que têm responsabilidade social e outras instituições serão incentivadas a adotarem medidas como essas”, destaca.

Ele aponta que, pela hierarquia hoje no mercado de trabalho, primeiramente vêm os homens brancos, seguidos pelas mulheres brancas, depois os homens negros e as mulheres negras. Na avaliação do professor, isso se deve ao racismo estrutural, que é observado quando se olha para o sistema prisional ou para cargos de escolaridade mais baixa, que são, predominantemente, ocupados por pessoas negras.

SAIBA MAIS SOBRE OS PROGRAMAS DE TRAINEE

MAGAZINE LUIZA

Requisitos: Os candidatos podem ter feito qualquer curso de ensino superior e concluído a graduação entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020. A seleção não terá exigência de conhecimento de inglês ou experiência profissional anterior.

Vagas: As oportunidades são para São Paulo, mas candidatos de todo o Brasil podem participar. Quem for de fora, receberá auxílio mudança da empresa.

Remuneração: Os trainees terão um salário de R$ 6.600, mais um salário de bônus na contratação, participação nos lucros e resultados, previdência privada e GymPass. Além desses benefícios, os profissionais também terão direito a modelo de home office híbrido e liberdade para se vestir como quiserem.

Inscrições: até 12 de outubro, no site da empresa.

BAYER

Requisitos: Podem se inscrever os profissionais negros graduados (bacharelado ou tecnólogo) ou pós-graduados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020. Não há critério definido com relação ao tipo de curso do candidato.

Vagas: são 19 oportunidades voltadas para a valorização étnico racial e no desenvolvimento de carreira para posições de liderança.

Remuneração: R$ 6.900, além dos benefícios de assistência médica e odontológica, VT ou fretado (a depender do local), restaurante no local, subsídio para medicamentos, GymPass, Conte Comigo (Assistência psicológica, dependência química, consultoria jurídica e financeira), previdência privada, seguro de vida e CoopBayer (Cooperativa que tem como objetivo a educação financeira dos colaboradores).

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Inscrições: até o dia 21 de outubro pelo site da Cia de Talentos.

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