Quando pesquisamos na internet os termos “sala de aula”, a maior parte das imagens que podemos encontrar são de alunos sentados em fileiras, com uma professora à frente próxima a um quadro. Os estudantes usam uniforme, ou não, seguram lápis, lapiseiras ou canetas, fazem anotações em um caderno ou apenas aparentemente escutam atentamente o conteúdo que está sendo ensinado. Cá entre nós, essa é também a imagem que nos vem à cabeça mais rapidamente quando tentamos pensar em um ambiente de ensino. Mas em um mundo hiperconectado, esse ainda é o único modelo de aprendizagem que funciona?
Com a quantidade imensurável de informação disponível no universo on-line, competir pela atenção dos alunos tornou-se um desafio para muitos professores. Isso porque, hoje em dia, devido ao tempo em frente à tela dos dispositivos móveis, a concentração de jovens já começou a ser afetada, e as consequências disso podem ser sentidas diretamente na rotina escolar, seja no ensino fundamental, seja na graduação.
De acordo com um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Alberta, no Canadá, e pelas universidades de Calgary, também país desse, e College Dublin, na Irlanda, crianças e jovens — dos 3 aos 18 anos — passam, em média , ao menos quatro horas por dia diante de dispositivos eletrônicos.
Outro levantamento alarmante, feito pela Microsoft, destacou que o tempo de atenção humana, em 2013, já era menor do que a de um peixinho dourado. Em 2000, a mídia de atenção era de 12 segundos. Passados 13 anos, esse número caiu para oito segundos, atrás dos nove segundos estimados para os peixinhos, de acordo com cientistas da área.
Ou seja, quando o assunto é a influência de um mundo hiperconectado nas crianças e jovens, não estamos falando do início de uma tendência, mas sim de uma realidade em curso, em que as consequências já podem ser sentidas nas salas de aula.
A base para o sucesso de novas metodologias que enfrentam esta realidade de dispersão é em uma localização bem simples: a identificação. É o que garante a professora de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura e nas Licenciaturas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Marili Moreira da Silva. Ela explica que crianças e jovens conseguem aprender muito mais quando estão imersas em experiências significativas ou em processos que partem da realidade que elas conhecem e as levem a um maior aprofundamento.
Para um especialista, mais do que apenas inserir a tecnologia dentro da sala de aula, priorizar métodos que consigam traduzir o sentido do que está sendo passado é fundamental.
Quem nunca ouviu dizer que certos conteúdos nunca foram usados na rotina da “vida real”, por exemplo? Há quem duvide da importância da fórmula de Bhaskara e de aprender História ou até conceitos da química. Mas a verdade é que, mesmo que algumas matérias não sejam cobradas especificamente no dia a dia, elas ainda ajudaram a construir, de alguma forma, a realidade em que estamos inseridos, e é isso que Marili Moreira aponta ser importante para a compreensão do aluno .
Entre as possibilidades de tornar o ensino mais atraente e conectado à realidade dos estudantes, a gamificação é hoje uma das estratégias mais populares nas salas de aula. A professora do Departamento de Esportes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Márcia Regina Holanda da Cunha, descreveu essa metodologia como a resolução de problemas de aprendizagem por meio da estratégia de uso dos jogos.
Márcia contou que decidiu utilizar essa metodologia no departamento em que ministra aulas de Biologia Celular devido aos índices de resistência e reprovação. Após a aprovação do projeto pela Reitoria de Pós-Graduação da universidade, a professora utiliza cada vez mais recursos tecnológicos, como plataformas em 3D e ferramentas de realidade virtual.
“Comecei a utilizá-los para verificar o conteúdo ou para avaliar o nível de aprofundamento da turma em alguns materiais. Eu disponibilizei, por exemplo, cartas de revisão, e eles me responderam para no final montarmos um ranking. Em uma outra oportunidade, marcamos um jogo da memória ou utilizamos o PowerPoint. Também fizemos o uso de uma plataforma de RPG chamada Roll20, totalmente gratuita”, detalha.
De acordo com a professora da Ufes, a estratégia ajudou até mesmo na interação entre os alunos da turma, já que a matéria de Biologia Celular é aplicada no 1º período do curso de Educação Física, tanto licenciatura, quanto bacharelado, em que Márcia dá aulas .
Por meio das interações entre os jogos, os alunos conseguem conhecer mais, mesmo estudando de forma totalmente on-line — lembrando que essa experiência se deu durante a pandemia de Covid-19.
Com o final da pandemia, a professora Márcia Regina ainda conta que muitos alunos estavam ansiosos para conhecê-la pessoalmente porque essa metodologia ainda construiu, segundo ela, relações de afetividade.
“Já estamos no segundo semestre presencial e já consigo ver menos resistências. A reprovação sempre vai existir, mas posso oferecer estímulos para que alguma diferença possa ser feita durante esse percurso.”
De acordo com a professora, o projeto teve um desdobramento com o ganho de um edital de extensão. Hoje, ao lado de uma outra professora, do curso de Design, está sendo elaborado um jogo de tabuleiro com o mapa do Espírito Santo para que essa metodologia seja levada para escolas do Estado.
Chamado de Epidemia, o jogo explora questões de saúde com o surgimento de infecções e como podemos lutar para erradicar e descobrir a cura daquelas doenças. A ideia é levá-lo para os alunos do 7º ano da escola experimental da Ufes e promover um torneio ainda no mês de setembro
Outras instituições já aplicam novas metodologias de ensino com o objetivo de engajar ainda mais os estudantes. Além da gamificação, a Contec, por exemplo, trabalha na série curricular o desenvolvimento de habilidades psicossociais, motoras, cognitivas e emocionais entre seus alunos, elenca o diretor da unidade do colégio em Vila Velha, Fernando Cobe.
Aprendizado na prática é também uma das premissas da Escola Americana de Vitória (EAV). Seguindo um modelo de educação internacional, a instituição contempla disciplinas do currículo brasileiro e matérias internacionais para que o aluno possa ter acesso a conteúdos diferenciados. Além disso, ele também pode montar um currículo de acordo com suas áreas de interesse, o que consequentemente pode estar vinculado à carreira.
O CEO da EAV, Cristiano Carvalho, explica que isso já pressupõe um aluno mais ativo no próprio processo de aprendizagem.
É fato: tudo ao nosso redor mudou. Portanto, nada mais natural — e necessário — que a educação também se transforme. É o que defende o diretor do Centro Educacional Edward Dodd, Helber Firme. Para ele, não é impossível unir conteúdo tradicional e inteligência artificial, por exemplo.
Robótica, empirismo tecnológico e acesso à tecnologia da informação fazem parte da série curricular da instituição, que tem investido no ensino prático e em um projeto bilíngue.
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