Publicado em 25 de setembro de 2023 às 11:20
Ansiedade, dificuldade de atenção, hiperatividade e depressão. Comportamentos que, há algumas décadas, passavam quase ilesos à percepção das escolas e famílias, hoje estão no centro dos debates sobre saúde mental de crianças e adolescentes. Pesquisas indicam que entre 7% e 20% dos estudantes em idade escolar no Brasil apresentam algum sofrimento psíquico, quadro que se agrava com o ritmo de vida cada vez mais frenético da sociedade. >
O índice, alarmante por si só, é um dos focos do trabalho da psicóloga Luciana Bicalho Reis, doutora em Psicologia e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “As demandas da vida pessoal, profissional e escolar somam-se e concorrem com o tempo gasto no trânsito e no deslocamento, na exigência por mais produção e resultados, nos modelos ideais de sucesso a serem alcançados, entre muitas outras coisas, por isso é primordial saber administrar o tempo para contemplar de maneira equilibrada todas as áreas de nossas vidas”, alerta.>
A professora da Ufes lembra que nos últimos anos crianças e adolescentes, assim como adultos, passaram a ter acesso quase ilimitado a uma infinidade de aplicativos, programas e dispositivos eletrônicos. Diferentemente de gerações anteriores, que precisavam desenvolver a capacidade de esperar e de lidar com o tédio, hoje as pessoas são invadidas 24 horas com informações – e é comum ver crianças que ainda nem foram alfabetizadas já expostas a telas de celulares para se distraírem.>
Luciana Bicalho Reis
Doutora em Psicologia e professora da UfesJá Stéfani Martins Pereira, psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), destaca que durante a primeira infância múltiplas transformações acontecem em níveis neuroquímico, cognitivo, físico, emocional e social.>
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A questão, explica, está na substituição do brincar por jogos eletrônicos e outros ambientes virtuais como espaços de diversão: “O brincar cumpre uma importante função no desenvolvimento social, cognitivo e emocional do sujeito na infância. É pelo brincar que a criança exerce seu potencial criativo e imaginativo, desenvolvendo raciocínio lógico, resolução de problemas, resistência a frustrações, tomada de decisões e a vivência de construção de outras realidades abstratas.”>
Com os jogos eletrônicos, o exercício imaginativo fica limitado, acrescenta Stéfani. Também é pelo brincar, garante, que a criança desenvolve habilidades sociais, o repertório linguístico, a autoestima e a psicomotricidade. A dica é limitar o uso das tecnologias para evitar um problema psicológico futuro.>
“A questão é pensar em como equilibrar essa velocidade que as tecnologias proporcionam com outras vivências importantes na vida da criança e do adolescente. Por isso, o diálogo é de extrema importância”, avalia a psicóloga.>
A saúde mental também precisa ser abordada de forma correta no ambiente escolar, aponta a psicóloga Luciana Bicalho Reis, da Ufes. De acordo com ela, é observada uma preocupação crescente por parte dos educadores com crianças e adolescentes que apresentam algum sofrimento psíquico e demandam ajuda. >
“Em uma pesquisa realizada por mim sobre saúde mental infanto-juvenil no Espírito Santo, foi identificado que muitas vezes é a instituição educacional a primeira a perceber quando a criança ou o adolescente está sofrendo e precisa de ajuda. É preciso, então, apostar na escola como lugar de cuidado, de proteção, de desenvolvimento, reconhecendo que educadores precisam ser preparados para isso”, destaca Luciana, que entre 2019 e 2021 ouviu 114 gestores, trabalhadores da área de saúde mental, além de crianças, adolescentes e familiares em Vitória, em uma pesquisa financiada pela Fapes/CNPQ.>
“Os dados mostraram que o cuidado de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico ainda é um desafio, especialmente no que se refere a avançar em relação ao modelo biomédico, já que ainda é expressiva a demanda por medicalização da infância/adolescência por parte da escola e da própria família”, alerta a doutora em Psicologia.>
Os profissionais envolvidos no processo de aprendizagem, acrescenta Luciana, precisam saber identificar quando a criança ou adolescente necessita realmente de ajuda e, ao mesmo tempo, entender que o sofrimento não necessariamente é uma psicopatologia e demanda a intervenção de um serviço de saúde mental.>
“Identificar o sofrimento e oferecer-lhe ajuda não deve ser o mesmo que abrir um caminho de patologização e medicalização do sofrimento. O cuidado se faz em rede e muitos atores, e vários dispositivos devem estar imbuídos dele: família, escola, serviços de saúde, projetos sociais, igrejas, rede de assistência social e justiça”, acrescenta a psicóloga.>
Para apoiar crianças e adolescentes com algum transtorno psíquico, a psicóloga Priscila Maria do Nascimento Pereira, que trabalha na Secretaria de Estado da Educação (Sedu), explica que, desde 2019, o governo estadual conta com o trabalho da Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie). Priscila, que gerencia essa área, frisa que o principal objetivo da iniciativa é contribuir para o desenvolvimento intelectual, emocional e social de estudantes da rede pública estadual.>
“Nós entendemos que a subjetividade dos estudantes também aparece no espaço escolar, onde há um processo cognitivo da aprendizagem, mas que envolve aspectos emocionais, sociais, históricos e culturais. E também as questões de saúde mental. A ideia é promover um olhar mais sensível para a integralidade dos estudantes”, ressalta a gerente.>
Na visão de Luciana Bicalho Reis, a chave para o sucesso de um ambiente acolhedor é justamente essa integração entre escolas e família: “É preciso entender que escola e família são a sociedade, não estão à parte dela. Importante reconhecer isso para não assumirmos uma postura de culpabilização da família que não consegue participar de tudo que é proposto. Reconhecer que nosso modo de organização social ainda não entendeu que cuidar de crianças e adolescentes deveria ser um trabalho comunitário, não somente de um outro ator social”, conclui.>
Iniciada em 2019 pelo governo do Estado, a Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie) atua para que, além dos compromissos curriculares obrigatórios, as escolas da rede pública estadual também não percam de vista que é ali, no ambiente escolar, que crianças e jovens devem ser estimulados à convivência, à interação e, consequentemente, ao desenvolvimento de habilidades cognitivas que podem ser um dificultador para o surgimento de doenças psicológicas. >
O diretor do Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em Tempo Integral (CEEFMTI) Professora Maria Penedo, Luís Julián Loyola Quintana, faz coro a Priscila, e destaca que as ações psicossociais dentro do contexto escolar são fundamentais para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes.>
Luís Julián Loyola Quintana
Diretor escolarPriscila Pereira complementa que, embora o tratamento em saúde mental não seja uma atribuição da política de educação, o governo entende que é preciso, sim, considerar esses aspectos no espaço escolar.>
“Somos 11 técnicos na Sedu, além da gerência. Contamos com psicólogos e assistentes sociais, inclusive em todas as Superintendências Regionais de Educação (CRE). E começamos a contar também com uma dupla da Apoie em todos os municípios do Espírito Santo, que ficam nas escolas para fazer esse acompanhamento”, cita a gerente.>
Essas equipes atuam diretamente quando surgem questões de saúde mental, violência no ambiente familiar, entre outras, que necessitam de uma atuação envolvendo escola, aluno e família, sempre de forma acolhedora. De maio de 2021 até agosto de 2023, com esse trabalho nas superintendências, já foram realizadas 930 ações sobre temáticas como autoestima, acolhimento, respeito e identificação de situações de violência, além de vários encontros com os professores e as famílias.>
“Também recebemos muitas demandas individuais e, embora a gente não realize o tratamento em saúde mental, os formulários são disponibilizados para que possamos dar uma atenção especial àquele aluno. Já acompanhamos 2,3 mil demandas nesse sentido”, reitera Priscila. >
Alunos em fase de vestibular e ou que estão se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também podem passar por situações de estresse intenso, culminando em crises de ansiedade e até depressão. >
À frente do Centro Educacional Madan, instituição que foca a preparação de estudantes para provas dos principais vestibulares do país, o engenheiro e professor Daniel Rojas admite que o período de preparação é mais intenso e exige mais dos jovens. Por isso, investe em acolhimento personalizado, que consiste em orientação pedagógica e suporte psicológico individualizados.>
“Promovemos rodas de conversas e sessões de meditação, buscando equilibrar a mente dos alunos e prepará-los não apenas academicamente, mas também emocionalmente para esse grande desafio”, ressalta o diretor.>
De acordo com Rojas, o aluno em fase pré-exames enfrenta falta de autoconfiança, sentindo-se inseguro sobre o seu desempenho. Além disso, as pressões externa e autoimposta resultam em altos níveis de estresse e ansiedade.>
“Muitos estudantes ainda se sentem sobrecarregados com a quantidade de conteúdo, o que pode levar à procrastinação. Em meio a tudo isso, tem, ainda, a dificuldade em estabelecer uma rotina de estudos eficaz e em equilibrar o tempo com descanso e lazer”, garante.>
A instituição entende que cada jornada é única. Para o aluno que não passa inicialmente, o foco é reforçar o seu potencial e os seus esforços. Por meio de orientação pedagógica individualizada, são identificadas pontos de melhorias e traçados novos planos de estudo.>
Principais sintomas observados em alunos com algum problema emocional:
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