O ocaso de Regina Duarte e a guerra cultural de Bolsonaro

Destaques da secretaria de Cultura foram episódios de censura, cortes de verbas, turbulência política e projetos emperrados. Até hoje não há diretriz clara para o setor que, se antes da pandemia já encontrava obstáculos, agora foi solapado

Publicado em 22/05/2020 às 06h00
Atualizado em 22/05/2020 às 06h00
Encontro de Regina Duarte com Bolsonaro em Brasília
Encontro de Regina Duarte com Bolsonaro em Brasília. Crédito: Carolina Antunes

A saída de Regina Duarte do governo federal pode parecer apenas um capítulo sem importância nesta novela em que a política nacional se transformou durante a pandemia do novo coronavírus. Mas, por trás dos textos ensaiados do ato final, a passagem meteórica da estrela por Brasília mostra-se um microcosmo da gestão de Jair Bolsonaro.

Regina Duarte foi escalada para um papel bem específico, que não era o de garantir o pleno exercício dos direitos culturais apregoado pela Constituição, mas sim eliminar o “esquerdismo”. O presidente nunca escondeu que não é afeito à cultura, mas à guerra cultural. A perseguição a artistas segue a mesma toada engendrada contra professores e defensores dos direitos humanos e que se espalha por outras pastas. A exemplo de Nelson Teich, Regina foi fritada tão logo desagradou a ala ideológica do Planalto, que cada vez rouba mais espaço do corpo técnico.

Em sua curta estadia no Planalto, também como Teich, nada fez. Basta notar que, para os que atiçaram o fogo da fritura, o ponto alto de Regina Duarte em Brasília foi quando a atriz, em entrevista a o vivo para a CNN Brasil, dançou sobre os cadáveres dos mortos pela ditadura e desdenhou dos falecidos de agora, pelo coronavírus.

Como sua personagem mais famosa, Viúva Porcina, a secretária Especial de Cultura foi sem nunca ter sido. Mas a inação é do governo, não apenas de Regina. De um programa de governo com poucas linhas dedicadas à cultura, já se esperava ação escassa. Desde que Bolsonaro assumiu, os destaques da área foram episódios de censura, cortes de verbas, turbulência política e projetos emperrados. Até hoje não há diretriz clara para o setor que, se antes da pandemia já encontrava obstáculos como esses, agora foi solapado.

Primeiros a parar e provavelmente os últimos a retomar as atividades, já que shows, exposições, teatros, espetáculos de dança e cinemas pouco sobrevivem sem bilheteria – e, portanto, aglomeração – milhares de artistas aguardam a criação de políticas emergenciais. Sem propostas do Executivo federal, Estados e municípios, entre eles do Espírito Santo, articularam diretamente com o Congresso uma série de medidas, reunidas no PL 1075/2020, que começou a ser discutido na Câmara na quinta-feira (21).

Considerado um bote salva-vidas pelo setor, que emprega cerca de 5 milhões e calcula perda de R$ 11 bilhões com três meses de paralisação no Brasil, o projeto prevê acesso a recursos do Fundo Nacional da Cultura (FNC), linhas de crédito especiais, financiamento de editais e renda mínima a artistas.

Além de responder por 2,6% do PIB brasileiro, à frente de importantes setores da indústria, a cadeia produtiva da cultura sustenta um patrimônio imaterial imensurável. E, nesta pandemia, bens abstratos como liberdade e arte ganharam concretude, seja porque foram suprimidos, seja porque preenchem lacunas no isolamento. Com lives, livros, discos, séries, filmes, a arte tem provado que serve de alento e de denúncia, que é capaz de traduzir sentimentos íntimos e princípios universais, que é ponte entre memória e futuro. Ao lado de educação e ciência, não há projeto de país que possa abrir mão da cultura. A esperança, equilibrista, torce para que o roteiro dessa novela dê uma guinada para um desfecho mais digno.

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