Investida de Bolsonaro no STF não passa de tática eleitoreira

Ação para derrubar decretos estaduais que determinam medidas restritivas aprofunda politização da crise e torna ainda mais custosa a tarefa de alcançar um pacto coletivo pela vida

Publicado em 20/03/2021 às 02h00
O presidente da República, Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro. Crédito: Marcos Corrêa/PR

Uma das imagens mais chocantes nascidas na crise sanitária no Brasil circula nas redes sociais desde a última quarta-feira (17). No registro, reproduzido logo abaixo, um idoso de 86 anos está morto, estirado no chão, onde médicos de uma unidade de saúde de Teresina tentaram reanimá-lo, pela ausência de uma simples maca. O resultado do exame PCR do homem, que não teve sua identidade revelada, ainda não foi divulgado. Independentemente da resposta, a cena é um retrato do colapso da rede hospitalar provocado pelo coronavírus, que deixa sem leitos tanto os infectados, quanto os acometidos por outros males.

No momento em que o país enfrenta uma das fases mais críticas da pandemia, com recordes de mortes, novos contágios e internações, além do risco de desabastecimento de remédios para intubação, diversos Estados têm adotado medidas restritivas para tentar evitar que episódios como o do Piauí aconteçam. É o caso do Espírito Santo, que desde a última quinta-feira (18) está sob uma “quarentena preventiva”, como definiu o chefe do Executivo capixaba, Renato Casagrande (PSB). São medidas dolorosas, mas necessárias para barrar o avanço assustador do Sars-Cov-2, com suas cepas mais virulentas.

Equipe tentou reanimar paciente no chão por falta de maca em Teresina (PI)
Equipe tentou reanimar paciente no chão por falta de maca em Teresina (PI). Crédito: Reprodução/ Instagram

E o que fez o líder da nação diante dos novos capítulos da tragédia brasileira diária? O que tem feito de melhor há um ano: politizar o combate ao coronavírus e surfar na onda da polarização. Em sua live de quinta, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que o governo federal entrou com uma ação no STF para derrubar os decretos estaduais da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que instituíram normas que limitam a circulação de pessoas e algumas atividades econômicas. A alegação é de que seriam inconstitucionais.

O que antes ficava no campo do discurso, no belicismo retórico endereçado a governadores e prefeitos, agora escalona para uma ofensiva judicial. A derrota no STF parece ser o caminho mais provável da empreitada, mas para Bolsonaro será uma derrota com sabor de vitória, porque seu principal objetivo terá sido cumprido, que é o de terceirizar a culpa pela gestão pífia da crise. Mais uma vez jogará para sua plateia cativa e usará a carta marcada de aparentar que tentou trabalhar, mas foi impedido pela Corte, pretexto que utiliza desde o início da pandemia.

O Planalto manda sinais trocados, de propósito. A ação no STF colide frontalmente com o convite feito pelo próprio Bolsonaro a autoridades do país, para uma reunião de pacificação nas estratégias de combate à crise, na próxima semana. Isso porque o chefe do Executivo nacional está encurralado entre duas forças. De um lado há a pressão política, catalisada pelo Centrão, por mudanças imediatas na condução da crise. De outro há a necessidade de manter a base que o elegeu e ainda o apoia, com forte viés negacionista.

É de olho nas eleições de 2022 que Bolsonaro nutre a polarização como tática e escamoteia o comando firme e técnico que a pandemia sempre deveria ter tido. O resultado dessa politização está refletido nas ruas de todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo, com os flagrantes recorrentes de desrespeito às regras sanitárias e, ainda mais grave, com as burlas às quarentenas. Sem orientação clara e orquestrada desde o início, o Brasil não apenas não tem conseguido controlar o avanço do vírus, como tem visto a tragédia se intensificar. E, mesmo com quase três mil mortos por dia, tornou-se tarefa hercúlea alcançar um pacto coletivo pela vida.

Na sexta-feira (19), ao anunciar medidas econômicas, o governador Renato Casagrande reconheceu a legitimidade dos protestos contra a quarentena de parcela da população, que está preocupada com seu emprego, seu comércio, seus funcionários. “A essas pessoas peço muita compreensão. Não tenho outra coisa a fazer a não ser proteger a vida”, disse. Mas pediu que os capixabas separassem as manifestações autênticas do arrivismo de “oportunistas que aproveitam um momento de tristeza para tirar proveito político da crise”.

Há um saudável campo para o contraditório no debate sobre que decisões tomar diante da crise inédita, mas há também o caos como estratégia eleitoreira. E é nessa última postura que o Brasil tem desperdiçado energias, na singular posição de um país com dois ministros da Saúde e com uma pilha de problemas à espera de solução. Muito ajuda quem não atrapalha.

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