Bolsonaro não deve confundir liberdade com impunidade

Presidente anunciou plano de vetar mudança no Código Penal que triplica a pena para crimes contra a honra cometidos nas redes sociais. Não há nada de errado em questionar a eficácia da medida é uma coisa, o problema é a argumentação enviesada

Publicado em 20/12/2019 às 04h00
Atualizado em 20/12/2019 às 04h02
Jair Bolsonaro, presidente da República. Crédito: Wilson Dias/Agência Brasil
Jair Bolsonaro, presidente da República. Crédito: Wilson Dias/Agência Brasil

O pacote anticrime aprovado na semana passada no Senado prevê o aumento de pena para uma série de crimes. Mas uma das mudanças, incluídas na cesta pelo Congresso Nacional, incomodou sobremaneira o presidente Jair Bolsonaro. Trata-se da iniciativa de triplicar o tempo máximo de reclusão para os chamados crimes contra a honra cometidos nas redes sociais, que ampliam o alcance das ofensas.

Hoje, o tempo máximo de reclusão previsto no Código Penal é de dois anos para calúnia, de um ano para difamação e de seis meses para injúria. Bolsonaro já antecipou que “a tendência é vetar isso aí”. É prerrogativa do Executivo contraditar medidas que partam do Legislativo e, além disso, todo debate sobre a eficácia ou não do aumento da pena é, obviamente, bem-vindo. O problema aqui foi a argumentação enviesada do presidente.

“Internet é território livre. Eu quero liberdade de imprensa”, disse Bolsonaro, ao anunciar seu plano de vetar a alteração na legislação. Uma sequência de absurdos. O primeiro deles é que a internet não é terra de ninguém. Não apenas as empresas de tecnologia investem recursos financeiros e energia para impedir que as caixas de comentários se transformem em repositórios de ódio, como os meios digitais estão sob a égide das mesmas leis que regem qualquer interação humana.

Aqui chega-se à segunda incorreção da fala de Bolsonaro, que é a confusão entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Embora ambas sejam direitos constitucionais, atendem a preceitos diversos. Enquanto a primeira se estende a todos os cidadãos, como pilar da democracia e da cidadania, a segunda é restrita a veículos de comunicação, que estão submetidos ao código de ética do jornalismo. 

Nenhuma das duas, nem a liberdade de expressão, nem a de imprensa, são valores absolutos, não cobrem ninguém com um manto sagrado. A mesma Constituição que garante o uso impede o abuso. O direito de alguém de expressar opiniões esbarra no direito de outras pessoas à crença, à religião, à dignidade. Já condenado uma vez a pagar indenização por danos morais, Bolsonaro deveria ter aprendido a lição.

Em um país em que tristemente abundam crimes de honra, em que ataques homofóbicos ou racistas escalam para outros tipos de violência, o presidente da República deveria ser mais cuidadoso com as suas palavras, se não fosse pedir muito. Questionar a eficácia do aumento de pena para crimes contra a honra é uma coisa, confundir liberdade com impunidade é outra.

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