Para facilitar as compras do enxoval do filho que acaba de nascer, o técnico eletroeletrônico Ulysses Barbosa Silva Valim, de 35 anos, fez um cartão de loja em uma grande rede de departamentos em Vitória. Mas, quando foi pagar a primeira fatura, ele percebeu um acréscimo de mais de 75% do valor da parcela e descobriu: a loja havia incluído, sem pedir nem sequer avisar, três seguros no seu contrato. A famosa venda casada.
Por mês, eram cerca de R$ 22 inclusos na cobrança referentes aos seguros e outras taxas não avisadas. Não solicitei nenhum desses produtos e só percebi na hora de pagar. Eu reclamei na loja, liguei para a central e falaram que não poderiam cancelar esses serviços nem estornar o dinheiro, contou o técnico que teve que recorrer ao Procon Estadual e ao site Reclame Aqui para conseguir se livrar da dor de cabeça.
Assim como Ulysses, são inúmeros os consumidores que são vítimas de empresas que praticam a venda casada. Muitos nem chegam a descobrir que estão levando um produto ou serviço embutido.
Para além das lojas, com garantias estendidas incluídas nas compras e seguros embutidos nos cartões, a prática se dá em vários tipos de negócios. Na lista dos produtos mais empurrados por vendedores levantada por A GAZETA junto a órgãos de defesa do consumidor, também há bancos, que forçam clientes a adquirirem cartões de crédito ao abrir uma conta; operadoras de telefonia e TV, que empurram produtos como telefone fixo em combos; e até concessionárias e instituições de ensino.
A diretora-presidente do Procon Estadual, Lana Lages, explica que se considera venda casada sempre que se impõe ao cliente adquirir um segundo serviço ou produto para levar o primeiro. Tem que se preservar o direito básico do consumidor. Ele não pode ser obrigado a comprar o que ele não quer ou onde ele não quer.
Penalidades
Crime contra o consumidor, a empresa que realiza venda casada pode ter que pagar multa ou mesmo ter a licença do estabelecimento cassada, segundo Lana.
O cliente, ao constatar que foi vítima, pode invalidar o negócio e requerer seu dinheiro de volta. Se isso não for feito, o advogado Luiz Gustavo Tardin, especialista em Direito do Consumidor, orienta que se faça a queixa em órgão como os Procons ou mesmo ir à Justiça. Dependendo do caso, esse consumidor pode sim ir ao Judiciário e entrar com uma ação por danos morais, afirma.
Crescem queixas de venda casada nos Procons
Apesar de pouco percebida pelos clientes e por isso raramente denunciada, a prática de venda casada tem crescido no Espírito Santo, segundo órgãos de defesa do consumidor. Prova disso é que o número de reclamações pela prática considerada abusiva vem aumentando desde o ano passado.
Enquanto durante todo 2018 o Procon Estadual recebeu 61 queixas por produtos e serviços empurrados por lojas e empresas, neste ano, em menos de seis meses, já são 53 reclamações, ou seja, certamente o total deve ultrapassar o do ano passado. O número baixo, porém, está longe de significar que isso ocorre pouco.
A maioria dos consumidores, por falta de conhecimento, não reclama ou percebe que foi vítima da prática. Há também quem descobre e consegue resolver na própria empresa, cancelando a compra, explica a diretora-presidente do órgão, Lana Lages.
Ela ressalta que no topo do ranking estão as reclamações de venda casada em instituições bancárias. Muitas vezes a única coisa que a pessoa quer é abrir uma conta ou pedir um empréstimo. E eles querem forçar a contratação de outros serviços para isso, como fazer cartão de crédito ou contratar seguros residenciais, comenta.
Nas cidades
Em Cariacica, o Procon Municipal recebeu de 2018 até hoje 65 denúncias de vendas casadas. A maioria relacionada a garantia estendida, inclusão de seguros, película e capa para celular, e planos de operadoras de telefonia.
O Procon da Serra recebeu 12 queixas nesse período pela prática. Já o de Vila Velha informou que recebe constantemente reclamações em relação a esse tipo de venda e que tem resolutividade de 80% nesses casos logo no atendimento preliminar. O Procon de Vitória não enviou informações.
Lana Lages, do Procon Estadual, ressalta que também é considerada venda casada quando um fornecedor impõe a contratação de outros produtos ou serviços de empresas parceiras. Por exemplo, quando uma instituição de ensino determina o local para a compra de uniforme ou de material escolar. Isso só não se aplica em casos de ser um material exclusivo que só é vendido em um lugar ou que a escola tenha direito autoral.
Outro exemplo é quando cerimoniais e empresas de eventos exigem que o buffet ou a banda da festa seja a indicada por ela. Isso tudo é venda casada e não é permitido porque todas essas inibem a liberdade de escolha do consumidor, explica o advogado Luiz Gustavo Tardin, especialista em Direito do Consumidor e comentarista da CBN Vitória.
A recomendação dos especialistas é que se a empresa não concordar em cancelar a compra e devolver o dinheiro, se recorra a órgãos de defesa do consumidor ou mesmo à Justiça. Pelo telefone 151, do Procon Estadual, é possível tirar dúvidas se determinada situação é ou não abusiva. O órgão também disponibiliza aplicativo e site para que o consumidor realize a reclamação sem sair de casa.
DICAS
1 Verifique o valor da oferta e a quantia que foi paga
Se a loja anuncia algum produto por um preço e no momento da compra você acabou pagando um valor a mais, procure saber o que é, até mesmo em compras parceladas. Pode ser que além de possíveis juros, existam itens como seguros escondidos nas prestações.
2 Olho na nota fiscal e nos contratos
Exija sempre e fique bem atento a nota fiscal ao realizar qualquer compra. O mesmo vale ao assinar contratos de empréstimos com financeiras ou na aquisição de um cartão de crédito, seja em lojas ou em bancos. Exija o documento e leia atentamente antes de assiná-lo.
3 Pesquise e procure se informar
Se você está desconfiado que determinada empresa está tentando te empurrar um produto, uma rápida pesquisa na internet pode evitar transtornos e apontar se a prática é legal. No Procon Estadual, essa dúvida pode ser tirada ligando para o telefone 151.
4 Lembre-se que em nenhum caso existe a obrigação de adquirir outro produto agregado
Em nenhuma situação você pode ser obrigado a levar dois ou mais produtos e serviços para poder comprar o primeiro. A empresa sempre deve contar com uma opção para que você compre apenas um, como em pacotes de TV, internet e telefone fixo por exemplo.
5 Cancele o negócio e peça o dinheiro de volta
A princípio, você mesmo pode tentar reverter a venda, solicitando na loja ou pela central de atendimento o cancelamento do negócio e a devolução do dinheiro.
6 Recorra a órgãos de defesa do consumidor
Se a empresa não resolver, a recomendação é recorrer a órgãos de defesa do consumidor e apresentar uma reclamação, como no Procon da sua cidade ou no sites como o Reclame Aqui e consumidor.gov.br.
7 Acione a Justiça
Uma última opção, dependendo da gravidade do caso, é entrar com uma ação por danos morais na Justiça contra a empresa.
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