Publicado em 22 de agosto de 2022 às 20:27
BELO HORIZONTE E RIO DE JANEIRO - Em um período de dez anos, a renda média do trabalho no Brasil só cresceu para o setor que envolve a agropecuária. É o que indicam dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).>
No segundo trimestre de 2022, o rendimento médio real da população ocupada foi estimado em R$ 1.690 na atividade de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.>
O valor é 12,7% superior ao de igual intervalo de 2013 (R$ 1.500). Ou seja, houve ganho de R$ 190, em média, na década. Os cálculos levam em conta a inflação.>
Enquanto isso, as outras dez atividades analisadas na Pnad mostraram relativa estabilidade ou queda na renda na mesma comparação.>
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A pesquisa é divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e contempla tanto o mercado de trabalho formal quanto o informal. Em outras palavras, a Pnad retrata desde os empregos com carteira assinada e CNPJ até os populares bicos.>
A variação positiva da renda no campo está associada em grande parte à valorização das commodities agrícolas na pandemia, indica o economista Vitor Hugo Miro, professor do Departamento de Economia Agrícola da UFC (Universidade Federal do Ceará).>
"A renda cresceu com as commodities. A valorização de grãos como milho e soja trouxe reflexos para o mercado de trabalho", avalia.>
Outro fator que explica o desempenho é o ganho de produtividade mais intenso da agropecuária na comparação com indústria e serviços, afirma o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).>
"Do ponto de vista da produtividade, a agropecuária respondeu muito mais do que serviços e indústria.">
Felippe Serigati, professor e pesquisador da FGV Agro, concorda que o setor ficou mais produtivo e dinâmico com a incorporação de tecnologia.>
"Houve uma combinação. Do lado da oferta, temos um setor que foi se sofisticando e contratando mão de obra mais qualificada. E, do outro, o país se deparou nos últimos anos com uma demanda aquecida, em que a China responde por uma fração importante, resultando em um mercado de trabalho mais aquecido, com uma remuneração maior", diz.>
Serigati ressalta ainda que o setor da agricultura se mostrou bastante resiliente nos últimos dez anos, sendo capaz de atravessar uma série de turbulências: recessão, greve dos caminhoneiros e pandemia.>
"Nada disso teve um grande efeito. A agropecuária tem uma interface grande com o setor externo, que possui uma demanda gigante por produtos que o Brasil consegue produzir", afirma.>
Em 2020, Vinícius Granato, 43, resolveu sair do setor da mineração para ingressar no agronegócio em uma multinacional brasileira especialista em nutrição vegetal, localizada em Uberaba, no triângulo mineiro. O salário mais atrativo, 30% maior, foi um dos fatores principais que pesaram na decisão de trocar de emprego.>
"Resolvi mudar também por ser um segmento forte e em pleno crescimento, que nem sofreu com a pandemia. A escolha foi pautada no escopo do trabalho, na expectativa de carreira.">
Na média de todas as atividades pesquisadas na Pnad, a renda do trabalho principal foi calculada em R$ 2.575 no segundo trimestre deste ano.>
É o menor nível para o período de abril a junho na série histórica, iniciada em 2012. Houve baixa aproximada de 3,5% frente ao segundo trimestre de 2013 (R$ 2.667).>
Antes da pandemia, lembram economistas, a renda já sinalizava dificuldades para avançar em meio a uma sucessão de turbulências que atingiu a economia brasileira.>
Com a chegada da Covid-19, atividades mais dependentes do contato direto com clientes foram abaladas por restrições em centros urbanos. Para complicar, a disparada recente da inflação também derrubou salários em termos reais.>
Entre as atividades pesquisadas pelo IBGE, a maior queda no rendimento em dez anos foi registrada por alojamento e alimentação.>
No segundo trimestre de 2022, a renda no setor foi estimada em R$ 1.713. O valor equivale a uma perda de 14% ante igual intervalo de 2013 (R$ 1.992).>
"O setor de alojamento e alimentação sofreu muito na década. Houve a crise de 2015, depois a pandemia. É uma atividade que depende muito da renda da população", analisa Miro, da UFC.>
Embora tenha crescido, o rendimento médio da agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (R$ 1.690) ainda é o segundo menor entre os segmentos pesquisados pelo IBGE. Só superou o de serviços domésticos (R$ 1.034) no segundo trimestre de 2022.>
Na ponta de cima da lista, a maior renda foi registrada em informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas. A quantia no segundo trimestre deste ano foi estimada em R$ 3.809.>
Para Miro, a melhora da renda no geral exige esforços que vão além da criação de empregos. O país também precisa avançar na qualificação da mão de obra, diz o professor.>
"Não basta só permitir o acesso à escolaridade. É extremamente importante qualificar a mão de obra de uma maneira mais profissional", avalia.>
"Estamos recuperando vagas de trabalho, tanto informais quanto formais, mas o nível dos salários não está sendo recomposto. Pessoas estão assumindo vagas com rendimento inferior após as dificuldades na pandemia", completa.>
Mattos, da PUCRS, também chama atenção para a necessidade de avanços na educação. Segundo ele, a melhoria na área é necessária para o crescimento da renda no longo prazo.>
"A educação tem de vir primeiro", diz. "Claro, também são necessários outros ajustes em questões como simplificação da matriz tributária e infraestrutura.">
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