A crise econômica e fiscal vivida pela Argentina nos últimos anos ganhou novos contornos nesta semana. A iminente volta de políticos vistos como populistas ao governo do país vizinho vem desencadeando reação intensa nos mercados, sobretudo o brasileiro, que tem na Argentina seu terceiro maior parceiro comercial. Se as perspectivas de analistas se concretizarem, o avanço da crise por lá deve impactar até o Espírito Santo.
O Estado pode sofrer com a falta de produtos importados daquele país, como trigo, elemento usado para produção do tradicional pão francês. Outro efeito pode atingir a nossa indústria local que exporta para o país vizinho.
O temor é que a agenda de liberalização econômica seja substituída pela plataforma à esquerda do kirchnerismo - mesmo que o atual governo de Mauricio Macri não tenha sido capaz de acabar com a inflação e retomar o crescimento.
Isso pelo fato da ex-presidente Cristina Kirchner, classificada de populista por analistas políticos, tem grandes chances de voltar ao poder na chapa formada por Alberto Fernández e pela ex-presidente como vice ganhou. A chapa, considerada de oposição, ganhou de lavada as primárias realizadas no último domingo (11).
A sinalização acontece em um momento em que a economia argentina já está em avançada deterioração. A inflação hoje chega a 30,5%, o desemprego aumentou e o peso, extremamente desvalorizado, viu o dólar disparar: 1 peso hoje equivale a R$ 14,8 ou US$ 42.
A avaliação dos analistas é que se a mesma política econômica do governo de Cristina voltar a ser implementada, o país quebre de vez. Isso levaria o mercado argentino a consumir menos produtos brasileiros e também pode afetar as empresas de lá que vendem para o Brasil.
"A situação da Argentina já vem piorando há algum tempo, e por isso ela vem perdendo o peso que tinha para o Brasil. Por muitos anos eles foram um gargalo para que o Brasil assinasse acordos comerciais com outros país, agora conseguimos com a União Europeia, mas se entrar um governo que não entenda essa globalização, como se projeta, e que volte a criar empecilhos, isso será um dificultador", analisa Marcílio Machado, presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex).
Exportações capixabas
Por aqui, ao contrário do que se dá a nível nacional, o Espírito Santo exporta predominantemente commodities para o país vizinho, com destaque para o minério de ferro. Neste ano, o Estado já vendeu US$ 141,1 milhões em minério in natura e pelotas para indústrias argentinas, mais de 80% de todas exportações capixabas para o país no ano, que somam US$ 170,8 milhões até aqui.
No ranking dos mais exportados ainda estão café, aço, materiais de construção e chocolate. Esse último, o principal produto acabado que o Espírito Santo vende para o país. Os dados são da Secretaria Nacional de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, do Ministério da Economia.
"Os reflexos aqui seriam muitos, não na mesma proporção do país que exporta mais produtos manufaturados para a Argentina enquanto o Espírito Santo exporta mais commodities. Mas temos empresas capixabas com operações na Argentina, tem uma boa venda de minério, tem o chocolate que é produzido no Estado e que tem um mercado histórico lá. Em qualquer mercado em Buenos Aires é possível encontrar produtos da Garoto", comenta o economista Orlando Caliman.
O risco, ele explica, é de perda do apetite por esses produtos com a economia do país em frangalhos, impactando a produção industrial local.
Marcílio, do Sindiex, explica que na área de exportações em Estados da Região Sul do Brasil o impacto será ainda maior, já que pela proximidade eles exportam mais para o país vizinho, mas também fala em reflexos locais.
"As exportações infelizmente já têm vivido crises cíclicas na Argentina. Isso vem sendo sentido aqui inclusive. Se agravando essa situação, a gente precisará buscar novos mercados, como expandir negócios para países da América Latina, como o México por exemplo, além de fortalecer os laços com os Estados Unidos, pressionando para um acordo [comercial] com eles saia", diz.
Importações
O maior impacto para o Espírito Santo, porém, será nas importações. E isso é facilmente explicável analisando a balança comercial, que neste ano está em US$ 96,6 milhões negativa. Neste ano, o Estado já comprou US$ 267,5 milhões em produtos argentinos.
Esse reflexo se daria sobretudo pela natureza do que é importado: além de veículos, lista é dominada por produtos agrícolas, sobretudo trigo e laticínios.
"A Argentina é um dos nossos principais fornecedores de trigo, além de vinhos de laticínios. O agravamento da crise lá pode acabar impactando esses produtos, com uma elevação de preço aqui", explica Caliman.
Ou seja, produtos como pão francês, macarrão, queijos e farinhas podem acabar ficando mais caros por aqui, como já aconteceu em ocasiões anteriores quando a Argentina entra em crise.
Segundo Marcílio, o fornecimento desses produtos agrícolas será uma dificuldade não apenas para o Estado, mas também para todo o país. "O Brasil vai precisar rever como terá abastecimento desses produtos, talvez recorrendo a países do leste europeu ou mesmo aos Estados Unidos, que são os maiores produtores de commodities agrícolas do mundo".
Impactos indiretos
Uma ameaça extra é interna. O governo de Jair Bolsonaro já fala em deixar o Mercosul se a oposição ganhar na Argentina. Isso sim representaria um rompimento abrupto das relações comerciais entre os dois país e também com outras nações do bloco, impactando o país inteiro.
Para Orlando Caliman, essas falas mais atrapalham que ajuda. "Fazer essas ameaças, essas críticas em tom violento não é bom, mais atrapalha do que ajuda porque vai acabar por preocupar ainda mais empresas brasileiras e argentinas".
Com isso, reflexos indiretos também chegariam ao Estado. "O impacto negativo na economia brasileira será grande e vai se refletir aqui porque o Espírito Santo, como tem um mercado pequeno, vende boa parte da sua produção para outros Estados. Com a perda de mercado na Argentina, por exemplo, São Paulo importaria menos commodities do Estado para vender para lá. É um impacto indireto grande, até porque não somos uma ilha", avalia o economista.
Marcílio Machado ressalta que o momento é do país aproveitar a oportunidade e fazer seu dever de casa. Isso porque como o mercado brasileiro é pujante, é preciso recuperar a nossa economia para ela sobreviva a crises externas, como a da Argentina.
"A gente precisa fazer as reformas, a tributária, a previdenciária, a da liberdade econômica, entre outras, para estimular o mercado interno e ajudar a segurar esse crise. Isso tudo, é claro, além de buscar novos parceiros e diversificar nossa matriz de exportações", diz.
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