Publicado em 7 de junho de 2018 às 00:42
Inadimplentes começam a ser alvo de ações que pedem até a suspensão da carteira de motorista com a intenção de forçar a quitação das dívidas em atraso. A medida extrema já é adotada por alguns magistrados e tem sido mantida por ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).>
Em pelo menos três processos analisados nos últimos dois meses pela Corte, os endividados permaneceram com a CNH invalidada. Na maioria dos casos, a pessoa alega não ter patrimônio para honrar os compromissos com os credores, porém, apresenta uma vida de ostentação, levantando a suspeita sobre o uso de laranjas para ocultar recursos financeiros.>
O bloqueio de documentos, como a carteira de motorista e mesmo o passaporte, passou a ser uma alternativa quando contas-correntes, investimentos e outras propriedades não são encontrados para a penhora.>
Consumidores com dívidas com bancos, escolas e outros credores e donos de empresas com débito com fornecedores ou mesmo trabalhista podem ser punidos dessa forma. O valor do débito pode ser baixo, de R$ 1.000, por exemplo, ou até alcançar cifras milionárias.>
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Para tomar essas atitudes, juízes aplicam o artigo 139 do novo Código de Processo Civil. O trecho dá poder aos magistrados para adotar essas providências.>
Um das situações julgadas recentemente envolve um ex-senador da República, herdeiro de um grande grupo de transporte de Brasília. A empresa faliu, mas a Justiça não encontrou bens em seu nome. Porém, ele mantinha um alto padrão de vida, usando carros de luxo em nome de terceiros.>
A juíza do caso, ao decretar a suspensão, justificou que a atitude se tratava de uma medida de exceção, já que todos os meios para recuperar R$ 8 milhões tinham se esgotado. Esse entendimento foi mantido por um ministro do STJ.>
O advogado Rafael Vasconcelos diz que esse tipo de decisão não deve abranger todos os inadimplentes. É claro que os bancos, por exemplo, ao executar uma pessoa agora vão incluir essas situações nas ações. Mas esse tipo de cobrança não deve virar regra e sim ser aplicada apenas quando não é possível encontrar bens do devedor, explica ao acrescentar que a medida é perigosa ao poder restringir os direitos de ir e vir. Pode atrapalhar quem trabalha como taxista ou motorista de ganhar seu sustento.>
A coordenadora da Proteste Maria Inês Dolci acredita que esse tipo de determinação é exagerada, já que existem outras formas de punir sem tirar alguns direitos do cidadão. O medo é disso virar febre. Uma decisão não pode violar a liberdade do consumidor. Não pode ser desproporcional. A apreensão de dados precisa ser bem dosada para não violar o direito de liberdade, opina. Para mim, é algo que só deve acontecer quando há má-fé, quando alguém oculta bens para não pagar essas dívidas.>
ENTENDA>
BLOQUEIO DE DOCUMENTOS>
Quem são os alvos>
Devedores que não têm bens em seus nomes, mas ostentam vida de luxo, por exemplo. Ou inadimplentes que não cumprem com as determinações judiciais.>
Suspensão da CNH>
A Justiça entende que o bloqueio da CNH não impede o direito da pessoa de ir e vir, já que ela pode usar o transporte público. Mas a medida é tomada só em casos exepcionais, quando todos os meios para quitação do débito falharam.>
BLOQUEIO DE PASSAPORTE>
É usado quando a pessoa inadimplente tem bens guardados no exterior.>
DÍVIDAS DO CONSUMIDOR>
O que pode ser bloqueado>
O inadimplente pode ter, a princípio, o CPF bloqueado, impedindo-o de fazer compras e abrir conta em banco, por exemplo. Se não pagar as dívidas, também pode ter as contas-correntes bloqueadas. Bens como imóveis podem ser penhorados caso a dívida seja de condomínio ou de financiamento imobiliário, ou se o bem foi dado em garantia em algum empréstimo. Conta salário, móveis e eletrodomésticos e o saldo da caderneta de poupança no valor de até 40 salários mínimos não podem ser tomados.>
EMPRESÁRIOS>
O que pode se penhorado>
Bens como imóveis, se não for onde a família vive, carros, contas-correntes para pagar, por exemplo, dívidas trabalhistas ou com outros fornecedores.>
TELEVISÃO PODE SER APREENDIDA POR CREDOR>
Não pagar uma conta em atraso pode fazer o consumidor perder diversos bens, alguns que ele tem até dentro de casa. Produtos que não são considerados essenciais para a sobrevivência podem ser penhorados para quitar parte dos débitos. O advogado especialista em Defesa do Consumidor, Igor Britto, diz que na lista estão televisão, computadores, videogames, joias e obras de arte, por exemplo.>
O que está protegido é algo considerado bem de família, como o imóvel que a pessoa vive, o fogão e a geladeira, destaca ao acrescentar que o carro pode ser apreendido para pagar os débitos desse devedor.>
Britto explica que antes de ingressar com uma ação na Justiça, as empresas, geralmente, realizam cobranças extrajudiciais, enviando cartas, incluindo o nome do cliente nos órgãos de proteção ao crédito ou adotando protesto em cartório. Quando o cliente não paga as contas, o credor pode entrar com um processo de cobrança. Após o fim da ação, a Justiça pode definir o patrimônio a ser alcançado.>
PASSAPORTE>
Enquanto a Carteira de Motorista pode ser um alvo fácil das ações de cobrança, suspender o Passaporte, apesar de possível, pode ser um pouco mais complicado.>
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão da Quarta Turma na última terça-feira, 5, definiu que esse documento só pode ser bloqueado em situações específicas, quando, por exemplo, o devedor tem bens no exterior.>
O caso julgado era de um consumidor com dívida de mais de R$ 16 mil om uma escola. Ele pedia ao STJ um habeas corpus para desbloquear seus documentos. O Passaporte voltou a ter validade, mas a CNH dele permaneceu suspensa.>
Em voto, o relator do processo, o ministro relator Luís Felipe Salomão, considerou que a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias é importante para viabilizar a execução de decisões. Mas ressaltou que essas medidas devem ser proporcionais e não ferir direitos constitucionais, como a liberdade de deslocamento.>
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