Segunda maior produtora de petróleo e gás no país, com uma marca de quase 400 mil barris por dia, e há mais de 100 anos no Brasil, a anglo-holandesa Shell garante que quer ampliar ainda mais a sua atuação por aqui. Com as mudanças no mercado de óleo e gás, os leilões previstos para acontecer nos próximos meses e a retomada do otimismo desta indústria, a empresa enxerga um leque de oportunidades e enfatiza que o Brasil é hoje um dos seus quatro principais mercados mundiais para a alocação de investimentos.
Neste contexto, o Espírito Santo vem recebendo atenção especial da empresa, que há 10 anos tem operações no Litoral Sul capixaba, por meio das atividades no Parque das Conchas. Esse ativo, conforme contou o presidente da Shell, André Araújo, nesta entrevista, é um dos queridinhos da companhia, já que foi no nosso litoral que a multinacional desenvolveu diversos projetos e tecnologias que ganharam o mundo.
O executivo esteve no Estado na última semana, quando participou e foi homenageado durante a feira Mec Show. Na oportunidade, ele conversou com A GAZETA. Confira a entrevista.
Qual a atuação da Shell hoje no Brasil e no Espírito Santo?
A Shell está no Brasil há 106 anos. Começou com a distribuição do combustível. Se olhar o histórico da empresa você vai ver que havia querosene sendo carregado no lombo de burro. Mas nós podemos falar de futuro. A Shell foi a primeira grande empresa que entrou na produção de óleo e gás, após a abertura do mercado. Então, ao longo desses últimos 30 anos, temos buscado todas as oportunidades, que o país tem oferecido em segmentos que nós entendemos estar ligados ao nosso segmento-chave, historicamente óleo e gás. Somos o segundo produtor no Brasil. Atingimos a produção entre 380 e 400 mil barris de petróleo por dia. Também produzimos gás. A nossa produção no Espírito Santo representa de 8% a 10% do total.
Como a Shell tem olhado para o Parque das Conchas, no Litoral Sul do Estado?
Temos uma relação particular com Parque das Conchas, uma espécie de ligação afetiva. Nós começamos a produzir no Estado em 2009. Então em julho deste ano a gente comemorou 10 anos desde o nosso primeiro óleo aqui no Brasil. Ao longo desses anos, fizemos opção de fazer o desenvolvimento desse projeto em fases, incorporando diferentes campos. Em 2019, fizemos contratação de uma sonda e começamos neste ano a fazer perfurações, as primeiras desde 2016. Fizemos duas perfurações. Posso te antecipar em primeira mão que um desses poços começaram a produzir na semana passada. Então é o esforço que a gente tem, já que ele é o nosso ativo único no Estado, de estender vida, continuar produzindo, maximizar a produção. Então os investimentos têm garantido a estabilidade de volume. Em alguns momentos produzimos um pouco mais ou um pouco menos, mas a nossa meta é continuar maximizando e a gente optou por retornar ao Parque das Conchas, talvez no final deste ano ainda, para analisar mais alguma outra possibilidade de perfuração.
Essas duas perfurações aconteceram em 2019...
Isso, em um dos poços a gente já conectou e nós começamos a produção desse primeiro óleo desse poço chamado B-West há uma semana. É um primeiro óleo diferente, é um primeiro óleo depois de muito tempo nas nossas operações, então, internamente ele foi bem celebrado.
Já sabe o quanto que esse poço incrementa na produção?
A produção está caindo regularmente. Se você não encontrar alternativas para perfurar e trazer volumes adicionais e aumentar a taxa de recuperação a tendência de redução é acentuada. Esses poços têm objetivo exatamente de garantir e buscar essa manutenção de produção. Um ponto importante, como operadora, é que o Espírito Santo foi um lugar onde a Shell trouxe uma série de novas tecnologias. Foi aqui no Espírito Santo que fizemos a primeira operação subsea, foi aqui que fizemos os umbilicais integrados, foi aqui que a Shell fez pela primeira vez a sísmica 4D e várias dessas tecnologias e inovações. Foi a partir da operação aqui que levamos para outras atividades do grupo fora do Brasil inovações. Em 2020, a gente vai fazer uma nova sísmica 4D para encontrar mais oportunidades. Qualquer óleo que estiver escondido nós vamos tentar explorar. É um bom benefício para nós e para o Estado.
Quanto vocês planejam de investimentos?
Nós não divulgamos investimento por projeto, mas ele será em sísmica. Para nós, particularmente para o time ligado ao Parque das Conchas, é uma mensagem extremamente positiva, porque significa que o grupo continua olhando a operação que temos aqui. Nós estamos enxergando ainda um futuro para esse campo. Acho que é um sinal extremamente positivo.
É possível falar de números mais gerais da Shell para o país?
Temos investido de 1,5 a 2 bilhões de dólares por ano, sem falar em participação de leilões.
No ano passado, a Shell chegou a avaliar deixar a base que tem no Espírito Santo para ir para uma no Rio de Janeiro. Essa mudança está nos planos da companhia atualmente?
Uma mudança de Estado não é prioritário e não é o nosso objetivo. Mas todas as nossas atividades, nós trabalhamos onde é mais eficiente. Não temos nada a reclamar das atividades no Espírito Santo. Por enquanto, a nossa base continua aqui.
Como está o apetite da Shell para as próximas rodadas de leilões?
Em primeiro lugar, nós, ao longo dos últimos dois anos, tivemos participação bem ativa nos leilões que já aconteceram. Adquirimos diversos blocos, alguns como operador e outros como não-operador. Ao longo de 2019, temos tido um foco muito grande na atividade de exploração. O Brasil hoje está entre um dos quatro principais países do grupo em volume de produção, a gente está numa posição extremamente favorável. O grupo continua com bastante apetite de continuar investindo aqui no Brasil. Em relação ao leilões, a gente tem grupos dedicadas aos três potenciais leilões, partilha, concessão e cessão onerosa. É hora de juntar o trabalho técnico com trabalho econômico. Avaliar as propostas. A surpresa vai vir no dia dos leilões. Mas posso garantir que temos colocado bastante energia. O contrato de cessão onerosa é novo. A organização já estava mais acostumada com os leilões de concessão e partilha. Esse é um contrato que demanda diversas disciplinas da organização para ter certeza de que está em posição no momento de tomada de decisão mas agora é corrida contra o tempo. Estamos trabalhando com as datas oficiais e se preparando para esses leilões.
Há interesse também nos leilões das áreas em oferta permanente?
Não quisemos perder essa oportunidade. Nos credenciamos para participar e agora é um trabalho muito regular do nosso time, que provavelmente vai começar de forma mais intensa depois dos leilões. Todo mundo tem que administrar seus recursos. Nesse primeiro momento, posso dizer que não temos grande vocação para onshore, nada que não possa eventualmente mudar, mas seguramente olhar oportunidade offshore é algo que a gente vai fazer aproveitando os períodos entre leilões.
Quais os planos da companhia em relação à energia renovável?
Acho que o grupo Shell, como um todo, tem sido bastante focado no Acordo de Paris. Nós entendemos que a transição energética tem ocorrido e a mentalidade de carbono zero é uma realidade. Nós acreditamos que essa mudança vem mais cedo do que tarde, e como uma empresa que olha o seu futuro, com projetos de longo prazo, para nós é muito importante tentar encontrar formas de desenhar essa transição. Nesse espaço, começamos a olhar no mundo e no Brasil novas oportunidades no setor eólico e de energia solar. Temos comprado empresas que carregam veículos com energia elétrica. Empresas de produção solar nos Estados Unidos, na Inglaterra, parques eólicos offshore no Mar do Norte e agora nos últimos 12 meses fizemos anúncios de projetos offshore nos EUA. Aqui começamos a olhar esse mercado que sinaliza ter espaço de crescimento. Entendemos que no Brasil nesse aspecto tem excelentes oportunidades. É uma matriz energética limpa comparado com a maioria dos países. Gás, solar, eólica, capacidade hidro, qualquer opção o país tem recursos.
A Shell pretende participar desse novo mercado de gás do governo federal?
Nós participamos ativamente com contribuições ao longo de todo esse processo através do Instituto Brasileiro de Petróleo. Acho que foi uma grande conquista o que foi definido em soluções. Esse projeto tem dois pontos importantes. O primeiro é que, hoje, se a gente falar de pré-sal ou atividade offshore, existe a perspectiva de se ter volume maior de gás. A partir desse gás vem associado à produção de petróleo. Para nós, um dos itens mais importantes dessa política é o fato de você encontrar caminhos para escoar e movimenta o seu gás. Outro ponto é que a gente começou a entrar na atividade de comercialização de energia então se a gente fala da origem do gás, depois o gás transformado em energia com mercado de comercialização de energia, é um mercado que entendemos como bastante estratégico. Torcemos para o mercado ser competitivo e para nós, como produtores, ter opções do que fazer com nosso gás.
A nossa economia ainda está andando um pouco de lado. Isso atrapalha os planos da empresa?
Em primeiro lugar, uma certa instabilidade está acontecendo no mundo todo, não é privilégio do Brasil. Para nós, o curtíssimo prazo impacta as entregas de alguns segmentos. Seguramente a Raizen, com o crescimento maior de volume, nossa área de lubrificantes pode ter um pouco mais de variação de volume mais diretamente ligado a performance da economia. Mas nossos grandes projetos, todos são de 25, 30 anos. Não tomamos decisão com base no PIB de um ano. É muito mais a perspectiva futura de país. O país continua mantendo sinais de respeito à lei, respeito a contratos, e nesse ponto é um país que atrai o interesse do grupo de continuar investindo. Nós sempre enxergamos que o Brasil, no fim do dia, encontrou um caminho de estabilidade. Nós acreditamos que o país tem essa capacidade se reencontrar e nossos projetos são de longo prazo. Pela história, nós temos um conforto.
Entre companhias do segmento existem muitas reclamações relacionados aos licenciamentos. Vocês veem isso como um desafio a ser superado?
Nós temos tido relacionamento muito bom com o escritório do Ibama que fica no Rio, que é o responsável por garantir as autorizações e as licenças que a gente precisa. É importante que a atividade de óleo e gás, principalmente depois dos leilões recentes de 2017 pra cá, cresceram de uma forma vertiginosa. Não tenho dúvidas de que o volume de atividades dentro do Ibama em relação à necessidade de licenças e autorizações têm crescido rapidamente. É extremamente importante que o governo como um todo enxergue que esse setor precisa ter os recursos bem focados para responder a uma indústria que está demandando cada vez mais licenças. Nesse ano, estamos em processo contínuo de ter licenças para o nossos projetos. É um esforço contra o tempo, já que temos um cronograma agressivo. A perspectiva é positiva.
A Shell, em 2018, se posicionou a favor do Acordo de Paris. Como a companhia vê o posicionamento do presidente Bolsonaro envolvido em tantas polêmicas em relação ao clima e ao meio ambiente de forma geral?
Não vou entrar nesse jogo de palavras, mas na realidade o presidente fez uma escolha por manter o país no Acordo de Paris e a temos percebido um esforço grande de diversas áreas de olhar a COP que vai acontecer no Chile esse ano. A nossa mensagem é torcer que os países cheguem em um consenso em Santiago e que o mundo possa dar um passo a frente . Isso tudo para nós, com olhar de negócios, pode trazer mais previsibilidade de como as relações vão funcionar globalmente. A busca de consenso é prioridade e tem expectativa de que no final do dia pode ter muito barulho de diversos lados e que se chegue ao consenso. Acho importante nesse momento o setor privado também mostrar o que já vem fazendo, o que pode ser feito.
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