Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 10:29
A demora na realização de uma reforma da Previdência tem mais do que um custo fiscal para o Brasil. Ela acentua a desigualdade, um dos dados mais perversos da economia. Estudo sobre os principais desafios do país divulgado nesta quarta-feira pelo Ministério da Fazenda mostra que o sistema previdenciário do Brasil paga 12 vezes mais para os mais ricos do que para os mais pobres. O levantamento considera os benefícios do INSS e os dos servidores públicos.>
- Isso ocorre porque o regime do INSS tem um teto, e o dos servidores é muito mais alto. Existe extrema desigualdade na aposentadoria. É um sistema desumano - afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.>
Segundo o relatório, de todos os benefícios previdenciários, só 3,3% vão para a parcela mais pobre da população, como antecipou a colunista do GLOBO Míriam Leitão. Isso equivale a R$ 17,8 bilhões. Enquanto isso, os mais ricos ficam com 40,6% do bolo - ou seja, 12 vezes mais -, o que representa R$ 243,1 bilhões.>
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Isso é o inverso do que ocorre no Bolsa Família, em que mais de 44% do total de benefícios vão para a parcela mais pobre da população.>
Com a conta, a equipe econômica busca frisar para o futuro governo a importância da reforma da Previdência, considerada a medida mais importante de uma série de recomendações listadas no documento de quase 40 páginas.>
Para especialistas, a chave para atacar a desigualdade é focar em uma reforma que acabe com as diferentes regras de acesso, principalmente entre servidores públicos e aposentados da iniciativa privada.>
Luís Eduardo Afonso, professor da USP, destaca que as diferenças se multiplicam no sistema previdenciário: servidores recebem mais que aposentados do setor privado; benefícios por tempo de contribuição são maiores que os por idade; aposentadorias urbanas são maiores que rurais.>
- A convergência de regimes é fundamental - diz ele.>
Uma das ideias em análise pelo novo governo é que servidores que ingressaram na carreira antes de 2003 só possam se aposentar com integralidade (recebendo o último salário) e paridade (tendo direito ao mesmo reajuste que os ativos) ao atingirem idade mínima de 65 anos. Essa medida tornaria mais igualitários os regimes previdenciários.>
No estudo da Fazenda, os técnicos afirmam que a proposta de emenda constitucional (PEC) que tramita na Câmara dos Deputados é um bom ponto de partida. Logo após a eleição, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, buscou apoio para aprová-la, mas a ideia não foi à frente.>
REFORMA FATIADA>
Nesta quarta-feira, Bolsonaro disse que pretende colocar em votação um projeto de reforma nos primeiros seis meses. Como já tinha dito na terça-feira, ele afirmou que a reforma poderá chegar ao Congresso fatiada, com pontos agregados em diferentes projetos, para facilitar sua aprovação.>
- O que mais interessa, num primeiro momento, é a idade mínima. Então vamos começar com essa. É a ideia, mas pode mudar, e isso não quer dizer que houve recuo, é sinal de que houve mais negociação. Mas a ideia é começarmos pela idade e depois apresentarmos outras propostas.>
A intenção de Bolsonaro é dialogar com o Congresso antes de enviar as propostas, para que sofram poucas alterações:>
-Antes de mandar qualquer proposta, vamos convidar os líderes e discutir com suas respectivas assessorias técnicas para, quando chegar à Câmara, pouca coisa seja alterada pela votação.>
Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, acha que a aprovação em partes é uma estratégia insatisfatória para as expectativas do mercado. E não incorporar o funcionalismo nos primeiros passos da reforma é negativo, diz ele, pois sinaliza que o governo vai manter privilégios.>
- Uma postura mais conservadora no enfrentamento da agenda fiscal pode gerar uma crise de confiança e um ajuste das expectativas do mercado para um patamar de percepção de risco maior. Vai romper com a ideia de que o novo governo seria mais ambicioso, utilizando seu capital político inicial.>
O economista Sergio Vale, da MB Associados, também avalia como ruim um eventual fatiamento. Mas entende que se trata de uma postura coerente diante da dificuldade política que o futuro governo enfrentará ao tratar do assunto:>
- No caso da Previdência, será necessário um esforço de convencimento por parte do Executivo. Ao decidir por esse caminho (fatiar a reforma), além de correr o risco de não ter a reforma aprovada, perde-se tempo e capital político.>
Na avaliação de Pedro Herculano de Souza, técnico de planejamento do Ipea, uma proposta que reduza distorções pode melhorar índices de desigualdade, apesar do efeito ser limitado:>
- É difícil melhorar a desigualdade só mexendo na Previdência. O que faria diferença é gastar bem os recursos economizados com a reforma, por exemplo, em programas para crianças em situação de pobreza.>
FIM DO ABONO>
Além da reforma da Previdência, o documento da Fazenda sugere uma ampla revisão das políticas sociais como uma segunda etapa da Previdência. Segundo o estudo, esse segundo passo deve abranger uma reforma da Previdência dos militares; uma nova política de reajuste do salário-mínimo condizente com os níveis de remuneração do setor privado; e uma nova formatação da aposentadoria rural como programa assistencial.>
Outra sugestão é a reforma do FGTS. Segundo o relatório, o Fundo hoje acaba trazendo prejuízos aos trabalhadores, porque as contas são sub-remuneradas. A ideia seria permitir que os recursos sejam aplicados de forma livre e torná-lo um instrumento complementar de financiamento do seguro-desemprego.>
A Fazenda defende ainda a extinção do abono salarial, por representar um programa que beneficia população distante da pobreza extrema. Isso porque o abono é destinado a trabalhadores que estão formalizados.>
Em outro trecho, o relatório elenca nove riscos ao equilíbrio das contas públicas para os próximos anos. Uma delas é a revisão da Lei Kandir, que prevê repasses de R$ 39 bilhões da União a estados só no primeiro ano. A legislação, de 1996, foi criada para incentivar exportações, reduzindo a cobrança de ICMS. Os estados argumentam que a medida provocou perda de receita.>
As regras para a política fiscal também podem estar ameaçadas, avalia o relatório da Fazenda. Segundo o estudo, há pelo menos 20 projetos de lei que preveem mais vinculações no Orçamento, que já é considerado engessado, com mais de 90% dos gastos ligados a despesas obrigatórias.>
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