Publicado em 1 de outubro de 2018 às 00:07
Para distribuir melhor os recursos oriundos da produção de petróleo e gás no Espírito Santo entre os municípios e minimizar as distorções causadas pela forma de distribuição do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que privilegia cidades com atividade econômica mais forte, foi criado em 2006 o Fundo para a Redução das Desigualdades Regionais (FRDR). O objetivo era repassar 30% dos royalties recebidos pelo Estado para os municípios fazerem investimentos. No entanto, desde 2014 essa premissa tem sido desvirtuada.>
Para socorrer as cidades que recebem menos de 2% do total de royalties (ou seja, que não são grandes produtoras) e têm participação inferior a 10% na distribuição no ICMS - que são os municípios que têm direito ao FRDR -, o governo aprovou no final de 2013 a permissão para que até 50% dos recursos fossem aplicados por elas durante 2014 com despesas correntes, como o custeio da máquina pública (contas de luz e água, manutenção e compra de carros e aluguel de imóveis), excluindo pagamento de pessoal, dívidas e encargos.>
Era para ser uma exceção, mas virou regra. Desde então, em todos os anos foram propostas e aprovadas leis de caráter excepcional que ano após ano abriram brechas para que os royalties do petróleo fossem gastos para outras funcionalidades.>
Isso se deu em 2016, quando a brecha foi maior e permitiu que até 80% do repasse tivesse destino adverso de obras. No ano, vigorou uma lei que autorizou os municípios aplicarem 60% do recebido via FRDR com custeio da máquina e 20% em ações de prevenção, controle e combate ao mosquito Aedes Aegypti.>
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Em 2017, uma nova lei manteve a permissão para uso de 60% do fundo com despesas correntes. Já neste ano, a Assembleia aprovou no final do ano passado a autorização de aplicação de 40% com essas despesas, mantendo fora da conta pagamento de pessoal e de dívidas dos municípios - exceto com o Estado e a União.>
Problema>
A questão problemática, segundo especialistas - e que é levantada inclusive pela lei que criou o FRDR -, é a respeito do dinheiro do petróleo ser finito, já que, com sua exploração, um dia os poços irão secar. Diante disso, para o diretor e fundador da Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, tais brechas apontam para o pouco cuidado ao lidar com essas receitas.>
Royalties são recursos que têm início, meio e fim. É uma receita do presente mas que também pertence às gerações futuras. Os gestores do presente não podem penalizar as gerações futuras com esse mau uso, critica.>
Pires avalia que aplicar esse recurso em custeio é uma mentalidade do passado dos gestores. A verba do petróleo deve ser investida em setores da economia que gerem uma receita paralela aos royalties, que são finitos. É preciso criar condições para diversificar a arrecadação, algo que fosse mais duradouro do que o petróleo.>
Em julho do ano passado, reportagem de A GAZETA mostrou o destino curioso que os municípios capixabas têm dado aos royalties, como para comprar carros para uso de prefeitos, material de consumo para repartições e até montar um lava a jato municipal.>
A economista e diretora da Aequus Consultoria, Tânia Villela, responsável pela revista Finanças dos Municípios Capixabas, explica que o FRDR equivale de 8% a 18% do total investido pelos municípios capixabas. Na maioria dos municípios beneficiados, ele equivale a 5% da receita corrente.>
Para ela, no entanto, as leis foram sensatas. Foi louvável criar o fundo para amenizar a desigualdade tributária e acho sensatas as leis, já que a crise fiscal das cidades foi muito grande. Não existe nenhuma gestão que consiga fazer uma redução de despesas no mesmo tamanho e rapidez que as receitas caíram.>
Tânia pontua que apesar dos investimentos serem necessários, há prioridades. O que é emergencial é manter os serviços básicos em funcionamento e o pagamento dos servidores. Senão, haverá um colapso dos municípios.>
GOVERNO E MUNICÍPIOS APONTAM NECESSIDADE>
Diante das fontes de arrecadação secando, recorrer aos recursos do petróleo foi a saída das prefeituras para conseguirem se manter. Essa é a explicação dada pela Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo (Amunes), que solicitou ao governo do Estado a proposta das cinco leis flexibilizando o uso do Fundo para Redução das Desigualdades Regionais (FRDR), permitindo que parte não seja gasta necessariamente em investimentos, como prevê a lei que criou o fundo.>
Segundo o secretário-geral da Amunes e prefeito de Ibatiba, Luciano Pingo, a iniciativa partiu dos próprios municípios para que, em função da baixa disponibilidade de recursos, os serviços públicos não sejam paralisados.>
As receitas diminuíram muito. Não é fácil cortar gastos assim. É simples para o presidente, lá no mundo dele, fazer um teto de gastos. Mas no município, onde se está na porta do problema, é outra coisa. Quem mais oferta serviços públicos são os municípios, como as unidades de saúde e escolas, por exemplo. Com todas essas obrigações e menos dinheiro para fazê-las, a gente se vê obrigado a tomar essa alternativa , defendeu.>
Esses pedidos de flexibilização são apresentados anualmente por ofício feito pelos prefeitos em reunião com o governador, de acordo com o hoje secretário de Agricultura Paulo Roberto Ferreira, que nos anos anteriores ajudou a articular a proposta enquanto era chefe de gabinete do governador e secretário da Casa Civil.>
Ferreira destacou que o percentual flexibilizado a cada veio reduzindo a medida que a situação econômica foi melhorando e disse acreditar que no próximo ano não será necessária uma nova lei.>
Os municípios nos encaminhavam essa pauta com o argumento principal da recessão. A gente atendeu para evitar que parte dos serviços prestados não fossem prejudicados. Boa parte dos municípios, inclusive, nem teve a necessidade de aplicar os recursos do FRDR no custeio, disse o secretário.>
Tanto Pingo como Ferreira avaliaram que a medida não compromete o poder de investimentos dos municípios e pontuaram a questão da necessidade de manter os serviços públicos como algo que se sobrepõe a isso.>
O modelo de distribuição de impostos e prestação dos serviços públicos é uma das razões que levou os municípios a esse cenário, segundo Luciano Pingo, da Amunes. Para ele, o Brasil precisa repensar seu modelo federativo para que haja uma repartição de recursos mais justa.>
O governo federal cria programas e obriga os municípios a aderir, como o Saúde da Família e o Criança Feliz, por exemplo. Mas não manda 100% dos recursos para custeá-los. Isso aumenta as demandas das cidades, que já são altas, e cria uma incapacidade diante das necessidades financeiras.>
ENTENDA>
2006 - criação>
A lei 8.308 criou o Fundo para a Redução das Desigualdades Regionais (FRDR), com objetivo de minimizar distorções causadas na distribuição do ICMS. Ele repassa 30% dos royalties recebidos pelo Estado (através de uma alíquota de 5%) para os municípios fazerem investimentos. São excluídas cidades que recebem mais de 2% do total de royalties e têm participação maior de 10% da distribuição de ICMS. Logo, não recebem Anchieta, Aracruz, Itapemirim, Linhares, Marataízes, Piúma, Presidente Kennedy, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória.>
2014 - 50% para custeio>
A lei 10.105 de 2013 vigorou em 2014 permitindo, pela primeira vez, que 50% dos recursos recebidos pelos municípios via FRDR fossem usados para bancar despesas correntes, ou seja, o custeio da máquina pública. Gastos com pessoal, pagamentos de dívida e encargos seguiram proibidos.>
2015 - 50% para custeio>
A lei 10.362 de 2015 aprovou a utilização de até 50% para pagamento de despesas correntes, mantendo a vedação para gasto de pessoal mas permitindo o uso em pagamento de dívidas com a União e suas entidades.>
2016 - 60% para custeio e 20% para dengue>
A lei 10.530 de 2016 autorizou que até 80% do FRDR não fosse destinado a investimentos no ano. Até 60% foi permitido uso para custeio e 20% para ações de prevenção, controle e combate ao mosquito Aedes Aegypti bem como no diagnóstico e tratamento das patologias por ele transmitidas: dengue, zika e chikungunya. A proibição do uso com despesa de pessoal se manteve. Quanto a dívidas, houve permissão para emprego do recurso se os credores fossem o Estado ou a União.>
2017 - 60% para custeio>
A lei 10.720 de 2017 permitiu a aplicação até 60% do fundo em custeio no ano. Na lei, foi incluída a obrigação dos municípios enviarem à Assembleia Legislativa um relatório anual e detalhado informando os gastos realizados com o recurso do FRDR.>
2018 - 40% para custeio>
A lei 10.778, aprovada e sancionada em dezembro de 2017, reduziu para 40% o percentual de recursos do fundo que podem ser aplicados em despesas correntes ao longo de 2018, mantendo as restrições da lei anterior (despesa com pessoal) e a obrigação de prestação de contas junto a Assembleia.>
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