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Homens deixam o emprego para cuidar dos filhos

Homens deixam o emprego para cuidar dos filhos

Situação é reflexo da atual visão dos casais sobre a família

Publicado em 11 de fevereiro de 2019 às 11:21

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Junior Rocha, 36, e seu filho Ricardo, 6, agora passam mais tempo juntos. (Marcelo Prest )

Se você ainda acha que lugar de mulher é em casa cuidando dos filhos e do homem é trabalhando, sustentando a família, saiba que suas ideias podem estar ultrapassadas.

Pesquisas e especialistas em família e no mercado de trabalho apontam que, cada vez mais, os homens deixam o emprego, reduzem o tempo de serviço ou passam a trabalhar em casa para cuidar dos filhos.

O fotógrafo Junior Rocha, 36, tinha uma rotina de trabalho exaustiva. Para ele não existia sábado, domingo ou feriado. Ele quase não passava o tempo com o filho Ricardo, 6.

“Era todo dia trabalhando o tempo todo. Sábado, domingo e feriado chegando tarde em casa. Só brincava com meu filho quando chegava em casa tarde da noite”, lembra.

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Essa quebra de paradigma é superoportuna. Ela mostra uma visão do casal em relação ao que o mundo atual exige uma relação em que ambos se comprometam com a criação dos filhos

Marta Zouain, especialista em RH
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Mas depois de ver o comentário de uma amiga numa foto na rede social ele resolveu “desacelerar”.

“Ela escreveu que eu só trabalhava e eu vi que era verdade. Fiz essa reflexão e resolvi desacelerar. Hoje eu reservo os fins de semana para ficar com a família e, mesmo durante a semana, levo meu filho para ficar comigo no estúdio”, conta.

Para a diretora da Psico Store, Martha Zouain, parte dessa mudança se deve ao fato das mulheres estarem se colocando no mercado de trabalho e passando a competir em pé de igualdade com os homens, o que exige uma maior divisão das tarefas domésticas.

“Essa quebra de paradigma é superoportuna. Ela mostra uma visão do casal em relação ao que o mundo atual exige – uma relação em que ambos se comprometam com a criação dos filhos e tenham a oportunidade de serem bem sucedidos profissionalmente”, comenta Martha.

Responsabilidade

A psicóloga e psicoterapeuta Débora Coelho destaca que, por muito tempo, a responsabilidade da criação dos filhos ficou apenas com as mães, mas que a situação está se invertendo – ainda que lentamente.

“Eu trabalhei 10 anos em escolas e raramente eu via um pai nas reuniões, ou mesmo levando as crianças para as aulas. Hoje em dia passamos por uma mudança estrutural. Já atendi, no consultório, muitos casos de pais que foram para casa cuidar dos filhos, enquanto as mulheres ficavam no trabalho, mas ainda hoje existe certo preconceito contra esses pais”, lembra Débora.

As duas especialistas destacam que é preciso muito diálogo antes que a pessoa decida reduzir a jornada ou mesmo sair do emprego. “É preciso muito diálogo e que a decisão seja tomada após uma análise objetiva. A pessoa que vai continuar trabalhando tem condições de, sozinha, sustentar a casa? Quem tem mais estabilidade no emprego? Quem tem o maior salário? Tudo isso deve ser analisado”, adverte Martha Zouain.

“A figura paterna é muito importante para os filhos. É bom para o lado emocional, para o equilíbrio... E é importante que as mulheres permitam essa maior proximidade do pai com os filhos sem que se sintam ameaçadas”, ponderou Débora Coelho.

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO É TENDÊNCIA

Uma pesquisa realizada pela Catho, instituição que faz a ligação entre empresas e candidatos, apontou que 18,5% dos pais entrevistados já deixaram o mercado de trabalho para ficar com os filhos. A mesma pesquisa, realizada em 2014, mostrou um índice de 16,1%.

O estudo de 2017 revela uma tendência, segundo a assessora de Carreira da Catho Elen Souza. A previsão é de que neste ano o percentual seja ainda maior. “Em comparação com os números de 2014 já foi registrado um aumento. Nós ainda não temos os dados de 2019, mas acredito que a tendência é um aumento no número de pais que deixam o mercado de trabalho para ficar com os filhos”, comenta Elen.

“Isso tem muito a ver com a mudança social que estamos vivendo. As mulheres estão ocupando cargos mais importantes, estão crescendo profissionalmente... E os homens estão cientes disso. Se a mulheres estão crescendo precisam que os pais dividam essa responsabilidade”, avaliou Elen.

“Os homens, cada vez mais, estão dispostos a se dedicar integralmente aos filhos”, completou.

Outro dado apontado na pesquisa diz respeito ao período de licença-paternidade existente no Brasil. Dos 3.164 participantes da pesquisa, 54,8% afirmaram que, diferentemente dos cinco dias de afastamento, o tempo ideal seria de até 30 dias para estar com a esposa e o filho recém-nascido.

Além disso, 61,1% dos pais entrevistados gostariam de passar mais tempo com os filhos e cônjuge. Para eles, por causa do trabalho o tempo com a família não é suficiente, apontou o estudo da Catho.

HOMENS VOLTAM MAIS FÁCIL PARA O MERCADO

Alessandro, de 46 anos, tem participado ativamente da criação de Miguel, de 6 anos . (Arquivo pessoal)

Enquanto para as mulheres o retorno ao mercado de trabalho é mais difícil após a maternidade, para os homens uma pausa na carreira pode ser benéfica. É o que explica a assessora de Carreira da Catho Elen Souza.

“Se numa entrevista de emprego uma mulher fala que é mãe, ela passa a ser vista com certo preconceito pelo empregador – pensam que ela vai faltar vários dias para cuidar dos filhos. Porém, se na mesma entrevista um homem fala que é pai, ele ganha o status de ‘pessoa responsável’”, explica Elen Souza.

“Infelizmente, para as mulheres, a volta ao mercado de trabalho é mais difícil do que para os homens. Além disso, geralmente quando elas voltam, voltam ganhando menos”, completou a especialista.

Para a diretora da Psico Store, Martha Zouain, o interessante é que seja para os homens, seja para as mulheres, a interrupção na carreira não é algo que precisa ser definitivo.

“Isso vai muito da escolha do casal. Pode ser por seis meses, um ano, por vários anos, mas não precisa ser permanente. Pode chegar um ponto em que a pessoa queira voltar ao mercado de trabalho e isso precisa ser respeitado”, comentou.

“E para que esse retorno seja mais fácil, a pessoa precisa continuar investindo na qualificação. Pode ser até em outra área. A pessoa pode aproveitar o tempo em que o bebê está dormindo, ou a criança está na escola, para estudar gastronomia, por exemplo, ou se dedicar a alguma outra paixão”, destacou Martha.

A importância da presença dos pais ao lado dos filhos é ressaltada pela psicóloga e psicoterapeuta Débora Coelho. “A presença dos pais junto aos filhos é fundamental. Eles ajudam a formar o caráter, ajudam com a autoestima dos filhos e são muito importantes para o equilíbrio emocional dos filhos”, comenta.

Tal importância também é percebida pelo empresário do ramo de cosméticos Alessandro Gomes De Araújo, 46. Ele tem três filhos e diz ter participado ativamente de todas as fases dos meninos Alessandro Júnior, Keltty Hitoshi e Miguel que hoje estão com 22, 15 e 6 anos, respectivamente.

“A gente sempre tenta tirar um tempo para ficar junto dos filhos. Tive sempre um cuidado muito grande para que eu educasse meus filhos, não a babá, ou a creche”, comenta o empresário.

Quem confirma a preocupação de Alessandro com os filhos é a atual mulher dele, Fabiana Bessa de Araújo, 35, mãe de Miguel.

“Eu cresci sem pai e sei como é ruim essa sensação e fico muito orgulhosa em ver como o Alessandro trata os meninos. Sempre que preciso sair e deixar as ‘crianças’ com ele, saio com tranquilidade”, diz Fabiana.

O fato de ser empresário e, teoricamente, poder conduzir melhor seus horários facilita o contato de Alessandro com os filhos. Mas só teoricamente.

“Na prática, o empresário e o autônomo precisam fazer um esforço muito maior para estar com os filhos. Apesar de terem certa flexibilidade com o horário de trabalho, eles precisam ficar um tempo maior à frente do trabalho, o que pode prejudicar o contato familiar”, explica Martha Zouain.

O QUE AVALIAR ANTES DE ABANDONAR O EMPREGO

Salário

Antes que o pai ou a mãe decidam deixar o emprego é preciso analisar se apenas um salário é o suficiente para manter as despesas da casa e os gastos com o filho. Por conta disso, geralmente, quem tem o menor salário deixa o emprego.

Estabilidade

 

Não adianta ter o maior salário, mas trabalhar numa empresa que não tem uma boa saúde financeira. Da mesma forma, pode ser arriscado optar por seguir trabalhando num mercado que está em decadência. Nesse caso, vale sair do emprego quem está na empresa mais instável, ou menos amigável para se estar.

Crescimento na carreira

A possibilidade de crescimento na empresa deve ser levado em conta, já que ela poderá influenciar, num segundo momento, a questão salarial.

Preparo psicológico

O preparo psicológico é algo fundamental na criação diária dos filhos. Além disso, essa tarefa exige muito de quem decide assumir este papel. Por isso o casal precisa discutir com bastante seriedade o assunto.

Facilidade de retorno

Normalmente, os homens têm mais facilidade de voltar ao mercado, mas isso pode mudar dependendo da área de atuação. Existem casos em que a área em que a mulher trabalha tenha mais opções de contratação.

Rede familiar

Estar próximo de parentes – avós, tios, padrinhos, etc – pode ajudar na decisão de abandonar ou não o emprego. Tendo o apoio de outros familiares é possível, apenas, reduzir o horário de trabalho, mas sem sair do mercado. Isso, é claro, desde que os demais familiares aceitem assumir a responsabilidade de ficar com as crianças uma parte do dia.

Creches e babás

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Uma creche, ou a contratação de babá pode ajudar os pais a reduzir o horário de trabalho. Os custos devem ser colocados na ponta do lápis. Só assim os pais vão conseguir decidir se vale a pena pagar alguém para ficar com o filho, ou deixar o emprego.

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