Publicado em 23 de março de 2019 às 19:39
Um brasileiro que chegasse aos 60 anos na segunda metade da década de 1980 viveria, em média, 16,1 anos a mais, até os 76. Hoje, a sobrevida esperada de um sexagenário no Brasil é de 22,3 anos, até os 82.>
O expressivo salto de 37,3% foi o quarto maior registrado entre 202 países e territórios, segundo dados do departamento de demografia da ONU (Organização das Nações Unidas), atrás dos avanços em Bolívia, Maldivas e Coreia do Sul.>
O crescimento da sobrevida no Brasil desde a Constituição de 1988 -que consolidou o atual regime previdenciário- é um dos principais argumentos de especialistas e do governo na defesa da urgência de uma reforma nas regras de aposentadoria.>
Embora algumas normas importantes já tenham sido alteradas desde a promulgação da Carta, outras alterações consideradas cruciais, como a adoção de uma idade mínima para todos os trabalhadores, ainda não ocorreram.>
>
Algumas críticas em relação à necessidade de uma reforma se baseiam na expectativa média de vida do brasileiro ao nascer, hoje de 76 anos.>
Nesse caso, a ponderação feita é que alguém obrigado a trabalhar até 65 anos teria apenas outros 11 para desfrutar do justo descanso e de seu benefício previdenciário.>
Mas esse argumento parte de uma avaliação equivocada sobre que conceito de expectativa de vida deve ser o mais considerado em termos de aposentadoria.>
A esperança da idade máxima que será, em média, alcançada pelos cidadãos de certa população varia dependendo de quando o recorte é feito.>
Na base da pirâmide etária, a mortalidade é mais alta. A cada 1.000 crianças nascidas em 2017, quase 13 morriam antes de completar 1 ano. Se sobrevivesse a esse primeiro ano, porém, a probabilidade de óbito até completar 2 caía para 0,8 em 1.000.>
Já a sobrevida na maturidade é mais elevada porque os que morrem precocemente já deixaram a amostra daquela geração, o que faz com que a expectativa média suba.>
Os que conseguem adentrar os 60 são os que um dia farão parte do grupo de aposentados. No Brasil, seus 22 anos a mais de vida são, portanto, o tempo que deve ser considerado na análise da sustentabilidade do regime previdenciário.>
Mas esse cenário é, na verdade, ainda mais complexo porque o processo de aumento da sobrevida, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, continua a pleno vapor.>
"O Brasil tem feito grandes progressos na [queda da] mortalidade, mas esse não é um fenômeno particular, ele acompanha a tendência de países com características socioeconômicas parecidas", diz Gabriel Borges, pesquisador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).>
Fatores como avanços na medicina e na tecnologia, mudanças de hábito, melhorias sanitárias e maior acesso a serviços de saúde têm elevado a longevidade.>
Segundo as projeções da ONU, os idosos com mais de 65 anos representarão quase metade da expansão demográfica mundial de agora até o fim deste século.>
"Já vemos efeito grande na redução da mortalidade em idades avançadas. Isso, em boa parte, por causa da tecnologia médica, como cirurgias cardiovasculares", diz Ana Amélia Camarano, coordenadora de estudos e pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).>
No Brasil, de acordo com os cálculos da ONU -que são feitos para períodos de cinco anos-, quem chegar aos 60 anos perto de 2100 viverá, em média, até os 90.>
Essa sobrevida de 30 anos é o dobro da esperada por um brasileiro que atingisse a mesma faixa etária na primeira metade da década 1950.>
Esse aumento contínuo é usado como justificativa pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para incluir na reforma mecanismo de ajuste da idade mínima de aposentadoria a cada quatro anos que considere mudanças na sobrevida.>
Embora não seja o principal elemento no cálculo da sustentabilidade de sistemas previdenciários, a expectativa de vida ao nascer também deve ser considerada.>
Quanto mais ela se aproxima da sobrevida na maturidade, maior o número de idosos -e, portanto, de pessoas elegíveis à aposentadoria.>
Essa tendência de aproximação tem ocorrido em vários países. No Brasil, hoje, a diferença entre a expectativa de vida ao nascer (75,8 anos) e aos 60 anos (82,3 anos) é de 6,5 anos.>
Segundo a ONU, até o fim deste século, essa distância deverá cair para 3,2 anos.>
Vários fatores explicam esse movimento. Além da melhoria na saúde, é possível que a violência, que penaliza principalmente os mais jovens, caia.>
No Brasil, a morte violenta na juventude tem aumentado. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídio entre brasileiros de 15 a 29 anos subiu 25%.>
Um estudo dos economistas Daniel Cerqueira e Rodrigo Leandro de Moura mostra que o aumento da fatia de jovens na população contribuiu para esse aumento.>
Segundo projeções, a tendência é que o início do encolhimento da população jovem atue, a partir de agora, como uma força de redução dos homicídios.>
Mas é difícil saber se os fatores que contribuem para a queda no número de mortes precoces no Brasil não serão compensados por outros que atuam na direção contrária.>
"O efeito da mudança demográfica pode ser anulado por outros fatores que contribuem para o aumento de homicídios, como a atuação de gangues e o aumento do porte de armas", diz Cerqueira, que é conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.>
Além disso, há particularidades regionais. No Maranhão, a esperança de vida ao nascer não chegava a 71 anos em 2017, enquanto em Santa Catarina caminhava para 80.>
Mas essa diferença tende a cair conforme as pessoas envelhecem. Aos 60 anos, a expectativa de sobrevida no Maranhão era de 20,4 anos, ante 23,9 em Santa Catarina.>
De qualquer forma, se as tendências atuais se confirmarem, a pressão sobre o regime previdenciário tende a continuar aumentando nas próximas décadas.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta