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107 mil jovens não estudam, não trabalham, nem procuram emprego no ES

107 mil jovens não estudam, não trabalham, nem procuram emprego no ES

Fora da escola, parte desse público desistiu de procurar trabalho

Publicado em 1 de abril de 2019 às 00:24

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Jovem, morador do morro do Romão, conta que depois de tanto procurar desistiu de ir atrás de trabalho. (Fernando Madeira)

O Espírito Santo tem 107.519 jovens que nem estudam, nem trabalham nem procuram emprego, os chamados “nem-nem-nem”. Fora da escola e sem chance de encontrar um trabalho, parte dessa população desistiu de ir em busca de uma colocação profissional. Alguns já terminaram o ensino médio, outros abandonaram a escola antes disso para trabalhar, mas se depararam com o desemprego. Desiludidos e sem renda para bancar os estudos, entraram num ciclo vicioso. Quebrá-lo agora não é tarefa fácil.

O cenário, segundo especialistas, agravou-se com a crise financeira e tem se mantido ainda preocupante, sendo fruto, principalmente, de um casamento imperfeito de distorções sociais: de uma mão de obra em idade economicamente ativa apartada do mercado por causa da baixa qualidade do ensino e de uma economia que ainda rasteja.

Dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) do último trimestre de 2018, mostram que os “nem-nem-nem” representam 56,1% dos 191.635 “nem-nem” (que não trabalham nem estudam) e 12,3% da população (873.253) com idade de 15 e 29 anos.

Diretor técnico do IJSN, Pablo Lira explica que em 2018 houve diminuição no percentual de “nem-nem-nem”. A taxa chegou a 16% no primeiro trimestre de 2016 (auge da crise) e ficou em 12,3% no último trimestre do ano passado. Porém, a quantidade de pessoas nessa situação ainda preocupam.

“É lógico que alguns entram nessa situação por opção, porque podem depender dos pais. No entanto, muitos desses jovens vivem o viés do desalento. Não têm nível de ensino adequado, não conseguem uma inserção no mercado por conta da baixa qualificação e, por isso, acabam não procurando mais trabalho. Acredito que à medida que a economia for melhorando, a tendência é de uma redução também dos ‘nem-nem-nem’.”

Apesar do otimismo do analista, levantamento mais recente da Pnad, que só faz o recorte nacional e não detalha informações regionais, apresenta crescimento no desemprego no trimestre móvel terminado em fevereiro. Isso pode puxar uma alta de “nem-nem-nem”.

O jovem de 23 anos, morador do Morro do Romão, em Vitória, que não revelou o nome por vergonha de sua condição, parou de estudar no 1º ano do ensino médio para trabalhar como ajudante de pedreiro. Com a crise de 2014, a firma onde atuava faliu. Sem carteira assinada, ele não recebeu os direitos. Até procurou emprego depois, mas devido à baixa escolaridade não conseguiu nada, apenas bicos.

Após tantas negativas, principalmente para o mercado formal, uma alternativa seria voltar para a escola. Só que, para ele, retornar às salas de aula não é mais algo possível. “Vi que estudar não era para mim”, comenta o jovem, ao acrescentar: “Como não conseguia nada de trabalho, acabei perdendo a esperança. Então, deixei de procurar”.

Outro fator também tem atrapalhado esse rapaz a ir atrás de uma vaga. “Perdi meus documentos e agora não tenho dinheiro para fazer outros”, complementa. Ele faz atividades corriqueiras como entregador no bairro onde mora para ajudar na renda da família.

O jovem conta que na sua casa as contas são pagas com a aposentadoria do pai e com o salário da mãe. “Existe uma pressão em casa para eu voltar a trabalhar. Fiquei muito desanimado ao não achar nada. Mas ainda quero procurar um emprego. Sonho em ter minha carteira assinada pela primeira vez e quero que seja como funcionário de supermercado.”

Rafaela Sousa, de 28 anos, tem três cursos técnicos, mas está desempregada. (Fernando Madeira)

84 MIL QUEREM CHANCE, MAS NÃO ENCONTRAM

Entre os 191.635 jovens que não trabalham nem estudam, os “nem-nem”, existem 84.116, no Espírito Santo, que estão à procura de uma oportunidade, principalmente no mercado formal. Com três cursos técnicos, Rafaela Macedo de Sousa, 28 anos, faz parte de uma juventude que quer trabalhar, mas tem se deparado com as portas fechadas, vítima da escassez de vagas que ainda insiste em prevalecer no Estado.

A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua (Pnad-C) revela queda na redução na taxa de desemprego no Estado. Era 10,2% no quarto trimestre de 2018 enquanto em 2016, no auge da crise, chegou a 14,4%. No entanto, o último resultado ainda é considerado alto. Ao todo, 219 mil pessoas estavam desempregadas no último trimestre do ano passado.

Outro fator complica ainda mais o quadro: parte da mão de obra desempregada migrou para o grupo de ocupados, porém atuam em trabalhos precários, com remunerações baixas e sem qualquer vínculo empregatício. São os chamados subempregados. O número de subutilizados, gente que trabalha poucas horas semanais, passou de 88 mil no último trimestre de 2017 para 101 mil nos últimos três meses de 2018.

A interpretação desses dados diz que, ao todo, 320 mil pessoas procuram trabalho no Estado, 38% disso têm entre 15 e 29 anos.

Enquadrada como “nem-nem”, Rafaela é um exemplo da falta de oportunidades. Ela contou com a ajuda da família para estudar. A mãe dela é empregada doméstica, já o pai trabalha como gari. A jovem fez cursos técnicos de Gestão Empresarial e de Administração de Empresas. A falta de trabalho fez com que partisse para outra qualificação. Concluiu há quase dois anos o curso técnico em Enfermagem. Agora faltam recursos para dar pulos mais altos, até uma faculdade, por exemplo.

“As empresas até me chamam para a entrevista, mas não retornam. É muito frustrante porque procurei me qualificar. Acredito que a minha falta de experiência atrapalha. Estou procurando uma chance agora em qualquer área. Estou pensando em aceitar qualquer coisa. Está muito difícil”, desabafa.

Arilda Teixeira, professora de Economia da Fucape. (Reprodução)

ENTREVISTA

“Baixa atividade econômica não gera vagas”

Arilda Teixeira, professora de Economia da Fucape

Qual é a dificuldade de reação do mercado de trabalho?

Num contexto como o nosso agora, de uma economia em baixo ritmo de crescimento, as empresas precisam fazer ajustes para boiar, já que não podem surfar. Elas tiram os ineficientes para ficar com os eficientes. Não têm margem para gastar com empregados que não conseguem ser produtivos. Ainda não é possível saber quando o cenário vai mudar. Existe uma indefinição sobre o futuro, se as reformas vão ser aprovadas. Aqueles com dinheiro para puxar o crescimento não investem sem essas mudanças. A falta de investimentos impede o país de criar dinamismo econômico. Enquanto o mercado não acreditar que seus investimentos vão ter retorno, não haverá investimentos, elemento essencial para reduzir a taxa de desemprego.

Como podemos interpretar a situação dos “nem-nem-nem”?

Precisamos entender porque estamos com alto desemprego e nível tão baixo de renda para a população. A culpa desse quadro é da deficiência do sistema de ensino que não está alfabetizando as crianças no ensino fundamental. São nove anos para alfabetizar uma criança. Até a 5ª série (antiga 4ª série), o aluno ainda é um analfabeto funcional. Ele apenas aprendeu a ler. Só depois aprende a interpretar letras e números. Muitos alunos vão para o ensino médio sem esse aprendizado, sem capacidade de entender as diferenças do mundo, as várias ciências. Muitos chegam aos 18 anos sem saber interpretar as várias áreas de conhecimento. Somente 17% das crianças que concluem o ensino médio estão alfabetizadas em Matemática e 20% em Português. Além disso, apenas dez instituições do país, de duas mil escolas, têm nota máxima de avaliação do MEC.

Mas por que muitos jovens desistem de estudar?

O problema é que eles chegam ao ensino médio com baixo conhecimento e acabam não conseguindo acompanhar. O que eles fazem? Decidem abandonar a escola.

Os profissionais chegam despreparados no mercado por causa da baixa qualidade do ensino?

Muita gente está entrando no mercado de trabalho sem o preparo cognitivo, sem capacidade intelectual. Isso pode ser percebido com a baixa produtividade do brasileiro. Isso, inclusive, explica nossa alta taxa de desemprego.

Mas muita gente que estuda também não consegue trabalho. Como explicar?

Algumas pessoas conseguiram ser alfabetizadas, ter desenvolvimento cognitivo, porém não conseguiram ir para o ensino superior por falta de recursos. Como há muita oferta de mão de obra, as empresas acabam contratando para vagas de ensino médio pessoas já formadas na faculdade. Podemos dizer que temos um quadro de desemprego associado a um período de mais exigência do mercado de trabalho.

DESALENTO É GERAL

A crise do desemprego deixou uma multidão de desalentados. E essas pessoas não são apenas jovens. Muita gente experiente, que perdeu o emprego, também tem encontrado dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho. Mas um fator importante em relação aos “nem-nem-nem”: a desistência de procurar um emprego também afeta a área educacional. O trabalho é um estímulo ao estudo. A falta dele reduz as perspectivas. Para que estudar se não vai encontrar um trabalho? É importante destacar outro ponto. Muitos jovens não têm condições financeiras de continuar a estudar. Eles aparecem nas estatísticas como “nem-nem” porque, na verdade, concluíram o ensino médio. Não têm condições de continuar os estudos, indo para a faculdade.

Joilton Rosa, cientista social e professor da unidade de Cariacica da Faesa

ENTENDA O NOSSO TRABALHO

Por que fizemos esta reportagem?

Embora a economia comece a mostrar reação, o desemprego continua alto no país. Sem achar oportunidades, muitas pessoas, principalmente os jovens, desistem de procurar. Por isso, A GAZETA decidiu analisar esse cenário e mostrar as dificuldades que a juventude tem encontrado para se inserir no mercado de trabalho.

Como apuramos as informações?

Usamos o Boletim da Educação, do Instituto Jones dos Santos Neves, que faz uma análise a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C).

O que fizemos para garantir o equilíbrio?

Este vídeo pode te interessar

A reportagem escutou um analista do Instituto Jones, uma economista e um cientista social para entender o cenário. Também entrevistou jovens que estão em situação de desalento.

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