Desde o dia 8 de janeiro, quando os ataques às instituições brasileiras aconteceram, muitas coisas começaram a passar pelas nossas cabeças. Muitas coisas começaram a fazer sentido, outras surgiram e outras confirmaram teorias, pontos de vistas e abordagens.
O tempo que estamos vivendo sugere acreditar muito mais em conspiração que em razão, em fatos, em evidências. Uns defendendo que a terra é quadrada, outros ligando para extraterrestres, outros acreditando que pessoas mortas há 50 anos estão sendo nomeadas para cargos públicos, e por aí vai. A questão é: “Por que parece que as pessoas estão ficando cada vez mais irracionais?”
Semanas atrás, fui à casa de uma senhora já idosa. Chegamos, fomos acolhidos, entramos na casa, tomamos um café e começamos a papear. Nesse meio tempo ela pega o celular, começa a rolar seus feeds e aplicativos de mensagens para ver o que tinha chegado de novidade. Conversa interrompida.
Nesse meio tempo, ela rompe o silêncio para mostrar uma mensagem em formato de imagem que tinha chegado no celular dizendo: Paulo Freire acaba de ser nomeado para secretaria do Ministério da Educação. Eu ri. Ela me interrogou: “Mas por que ri? Isso é sério! Esse homem não pode entrar lá. Pelo Amor de Deus. A Educação vai acabar, a teoria dele é louca”. Eu ri de novo e disse: "Fique tranquila, isso é mentira. Ela retrucou que não era. Eu tornei a repetir para ela ficar tranquila porque era uma informação falsa. Ela seguiu crendo que era verdade, e que eu não passava de um mentiroso.
Não sei você, mas no meu tempo de escola uma distinção básica fazia parte da aula de biologia: animais racionais e irracionais. Os humanos racionais, e os bichos irracionais. Hoje, portanto, parece que existem controvérsias. Controvérsias ou outras coisas? Vamos lá. Uma coisa pode nos ajudar a compreender um pouco desse drama que estamos vivendo: a consciência e a vivência da crença. O que é acreditar? Em que ordem ela está? O dicionário vai dizer numa das suas definições: “Crença é a ação de crer na verdade ou na possibilidade de uma coisa”.

O que é verdade? O que é possibilidade? Aqui está aquilo que pode nos ajudar a compreender em quem mundo estamos vivendo na política, na sociedade, nas redes, nas ruas e na própria religião. Cada vez mais estamos a conviver com verdades absolutas e únicas. Verdades que não nascem da crítica, do debate ou do discernimento, mas verdades que passam a ser verdade pela quantidade de vezes que uma mensagem é exibida e por quem ela vem até nós. Uma mentira contada mil vezes passa a ser verdade, diz o ditado. Então, é por isso que as fake news não são compartilhadas aos poucos, mas disparadas em massa? Quanto mais, mais fisionomia de verdade.
Hoje com as redes sociais que mapeiam nossas pegadas em tudo, sabem mais de nós que nós mesmos. Seguem nossos likes, nosso tempo em cada publicação, nosso rumo a partir de uma publicação, e decodificam que nosso comportamento diante de tal assunto significa interesse, desejo, afeição.
Então, passamos a pertencer àquela caixinha, àquela lista, e passaremos a ver mais daquilo que tivemos interesse, e do interesse vamos gradativamente para a crença e da crença para o absoluto. “Crença” não se explica, “crença” é fé, “crença” é “crença”, na órbita de muitos.
Umberto Eco já dizia: "As redes sociais deram o direito à palavra a legiões de imbecis que, antes, só falavam nos bares, após um copo de vinho e não causavam nenhum mal para a coletividade. Nós os fazíamos calar imediatamente, enquanto hoje eles têm o mesmo direito de palavra do que um prêmio Nobel”.
Moral: ao que tudo indica as redes sociais passaram a ser incubadoras de irracionais. Aquilo que recebo no aplicativo de mensagem, aquilo que aparece na timeline, tudo se conecta com aquilo que me identifica como pessoa, ideias, valores e reforça o que eu penso, me faz superior e por isso propago.
Crença é crença? Muitos não questionam a crença, não se perguntam e seguem o rumo da expressão: é que isso faz sentido para mim e ponto. Se a crença (certas crenças) for questionada, a crença pode cair, e tudo que foi “reforçado”, desaba. E viver sem essa “crença” passa a ser humilhante e insuportável. Antes se cria com os olhos da fé, hoje com a cegueira racional.
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