Arquiteto, professor da Ufes e diretor do IAB/ES. Cidades, inovação e mobilidade urbana têm destaque neste espaco

Destruição das nossas praias é uma tragédia antiga

Sorte nossa que a natureza é sábia e resiliente, a questão é saber qual o limite de resistência dela aos abusos cometidos pelo homem. Quais serão as consequências sociais, econômicas e ambientais dessa catástrofe ambiental?

Publicado em 07/11/2019 às 04h00
Atualizado em 07/11/2019 às 04h00
Óleo atingiu praias de Ilhéus, na Bahia. Crédito: José Nazal | Divulgação
Óleo atingiu praias de Ilhéus, na Bahia. Crédito: José Nazal | Divulgação

Houve uma época na história ocidental no qual o mar dava medo, acreditando-se que a Terra era plana e o horizonte era o fim do mundo. Com o Renascimento, e todos seus personagens, como Galileu, Copérnico, Gutemberg, Da Vinci, Michelangelo, entre outros, o homem enxergou mais longe e desafiou o mar, como fizeram os portugueses que zarparam com suas caravelas e chegaram ao Novo Mundo.

Durante o período colonial, se o mar era a porta de entrada para um território em processo de conquista, de tal modo que inicialmente se ocupou as áreas litorâneas, também é certo que as praias não eram outra coisa senão latrinas onde os africanos escravizados descartavam os excrementos de toda a população das primeiras vilas e cidades brasileiras.

Na verdade, ainda hoje, em boa parte do litoral brasileiro vemos o esgoto doméstico ser lançado ao mar sem nenhum tratamento, a despeito de todo problema causado por tal descaso e do conhecimento que temos das suas negativas consequências.

Talvez esteja nesse desprezo pelo mar o fato de que, durante muito tempo, as praias sequer eram consideradas espaços de lazer e de contemplação. Hoje, ao contrário, o segmento turístico majoritário é justamente o denominado “sol e praia”, conforme dados da própria Organização Mundial do Turismo, e do qual o Brasil poderia ter um desempenho maior e ser um dos principais destinos do mundo.

Com um clima tropical em boa parte do país, que garante calor durante quase todo o ano, com praias lindíssimas e para todos os gostos, o enorme litoral brasileiro recebe menos turistas que as praias espanholas, por exemplo. Ainda assim, ao longo da nossa costa espalham-se centenas de cidades que vivem do turismo, bem como da pesca, e que agora encontram-se afetadas por mais uma tragédia ambiental, por causa deste enigmático óleo que vem atingindo o litoral nordestino.

Sorte nossa que a Natureza é sábia e resiliente, a questão é saber qual o limite de resistência dela aos abusos cometidos pelo homem. Voltando mais uma vez no tempo, porém, cabe lembrar que também já houve uma época na qual se acreditava que a Natureza era vingativa, sendo necessário inclusive algum tipo de sacrifício para acalmá-la, evitando sua ira.

De certo modo, já vimos vários casos de erosão em áreas litorâneas, cuja destruição de trechos de orla marítima ocupados por construções que ali se instalaram inadequadamente, talvez seja mesmo apenas um gesto vingativo do mar. Um mar que não dá mais medo, mas que quando resolve se enfezar, não tem quem lhe enfrente. Um mar que, por conta do aquecimento global e, consequentemente, da diminuição das camadas de gelo dos polos terrestre, vem ameaçando se elevar e engolir comunidades litorâneas.

Ainda é cedo para avaliar qual será a real gravidade da chegada do óleo ao litoral brasileiro em médio e longo prazo. A produção pesqueira será afetada? Como ficará a vida marinha daqui por diante? Quanto tempo as cidades turísticas ficarão esvaziadas? Os que tiveram contato com o óleo sofrerão doenças graves? E se os problemas persistirem, o que farão as comunidades que vivem nas faixas litorâneas atingidas? Migrarão para o interior, abandonando as regiões costeiras? Enfim, quais serão as consequências sociais, econômicas e ambientais dessa catástrofe ambiental?

O caso da lama da Samarco na foz do Rio Doce, que completou quatro anos, é emblemático: segundo pesquisas recentes, o nível de metais pesados no mar é agora maior e mais prejudicial que logo após o rompimento da barragem de Mariana. E enquanto isso, quem sofre é mesmo os moradores da Vila de Regência.

Pelo jeito, não faltarão preces para Iemanjá.

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