Estudo publicado por pesquisadores da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) em junho deste ano, chamado "O aquecimento da economia explica a elevação dos preços? Uma análise desagregada da Curva de Phillips para a inflação por grupos do IPCA", investiga por que os preços no Brasil aumentam e se a atividade econômica influencia isso.
A relação entre atividade econômica e inflação
A Curva de Phillips – desenvolvida pelo economista neozelandês William Phillips (1914/1975) em 1958, e que vem sendo estudada e aperfeiçoada desde então – é uma ideia na Economia que tenta explicar a relação entre o quão "aquecida" a economia está (atividade econômica) e o aumento dos preços (inflação). Imagine que a economia funciona como um “motor”:
- “Motor” acelerado (economia aquecida): se o “motor” está muito acelerado, ou seja, a economia está produzindo mais do que sua capacidade normal (isso é chamado de hiato do produto positivo), as empresas podem ter custos maiores e, para manter seus lucros, aumentam os preços dos produtos;
- Problemas inesperados (choques de oferta): às vezes, o aumento dos preços não vem do “motor” acelerado, mas de problemas inesperados, como um aumento no preço do petróleo, uma seca que encarece os alimentos, ou problemas na entrega de produtos. Isso é o que chamamos de choques de oferta;
- O que as pessoas esperam (inflação esperada): se todo mundo acredita que os preços vão subir muito no futuro, as empresas já aumentam seus preços hoje e os trabalhadores pedem salários mais altos. Isso acaba fazendo os preços subirem de fato, criando um ciclo.
A Curva de Phillips pode ser escrita como uma equação simples: Inflação = Efeito do “Motor” Acelerado + Efeito dos Problemas Inesperados + Efeito das Expectativas.
O que o estudo da FEA-USP descobriu sobre a inflação no Brasil
Os pesquisadores analisaram o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mensurado pelo IBGE, que é o principal indicador de inflação do Brasil. Eles olharam os preços de forma geral e divididos em nove grupos (como alimentos, moradia, transportes etc.). A análise cobriu o período de dezembro de 2003 a março de 2025.
Aqui estão os pontos mais importantes:
- Inflação Geral não responde à economia “aquecida”: para a inflação como um todo (o IPCA geral), o estudo não encontrou uma relação forte com o “aquecimento” da economia. Ou seja, mesmo quando a economia está "aquecida", os preços em geral não sobem de forma significativa por causa disso;
- Alguns setores respondem, outros não: quando olhamos os preços setor por setor, a história muda.
- Vestuário (Roupas e Calçados): os preços de roupas e calçados mostraram uma resposta significativa ao “aquecimento” da economia. Se a economia está forte, as pessoas compram mais roupas, e isso faz os preços subirem um pouco. Isso acontece porque esses produtos não têm preços tabelados e reagem mais rápido à demanda;
- Despesas Pessoais (Serviços em Geral): serviços como cabeleireiros, bancos e lazer também mostraram uma relação significativa com a economia “aquecida”. Isso é esperado, já que esses serviços não têm preços muito regulados e se ajustam rapidamente à demanda;
- Outros setores não responderam: para a maioria dos outros grupos (como alimentos, moradia, transportes, saúde), o estudo não encontrou uma relação clara entre o “aquecimento” da economia e o aumento dos preços.
Por que a inflação brasileira é assim?
Os pesquisadores sugerem que o aumento dos preços no Brasil, para a maior parte dos setores, é menos sensível ao ciclo da economia porque:
- Choques de oferta: muitos aumentos de preços vêm de fatores externos, como mudanças no preço do dólar, no valor de produtos básicos no mercado internacional (commodities) ou problemas climáticos;
- Preços Administrados: uma parte importante dos preços no Brasil é definida pelo governo ou por contratos, como as tarifas de energia elétrica, combustíveis e transporte público. Esses preços não mudam muito por causa da demanda e têm uma "inércia" (demoram a se ajustar);
- Contratos Indexados: muitos contratos e salários são reajustados com base na inflação passada, o que também cria uma inércia e dificulta o controle da inflação.
Aumentar a taxa Selic ajuda a reduzir a inflação?
A taxa Selic é a taxa básica de juros do Brasil. Quando o Banco Central a aumenta, a ideia é encarecer o crédito, desestimular o consumo e o investimento, “esfriar” a economia e, assim, reduzir a inflação.
E esse canal de transmissão da política monetária também possui “entupimento” na visão de alguns economistas: dados de junho deste ano do Banco Central mostram que 42% do saldo de crédito no Sistema Financeiro Nacional é de crédito direcionado (isto é, regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional, com prazos mais longos e taxas de juros menores em comparação ao crédito livre e destinado a setores específicos como imobiliário, rural e infraestrutura).
Dessa forma, no canal de crédito a política monetária via alteração da taxa Selic tem um impacto mais efetivo sobre 58% do saldo de crédito (representado pelo crédito livre), o que limita bastante seu “poder de fogo”.
Por essa e por outras razões, os resultados deste estudo da FEA-USP mostram que, para grande parte da inflação brasileira, o aumento da Selic pode não ser tão eficaz. Como a maioria dos preços não responde de forma significativa ao “aquecimento” ou “desaquecimento” da economia, aumentar os juros pode acabar desacelerando a economia e aumentando o desemprego sem resolver o problema principal da inflação.
O que mais o Banco Central e o governo podem fazer?
Para trazer a inflação para a meta de 3% no Brasil, o estudo sugere que é preciso olhar além da Selic e considerar outros fatores:
- Atenuar choques de oferta: o governo pode buscar políticas para reduzir o impacto de choques externos, como programas de incentivo à produção agrícola para garantir o abastecimento de alimentos, ou mecanismos que suavizem as variações nos preços dos combustíveis;
- Combater a inércia inflacionária: é importante trabalhar para que os preços e salários não sejam automaticamente reajustados pela inflação passada. No caso de salários é desejável reajustes atrelados ao aumento de produtividade;
- Revisar preços administrados: o governo deve ser cuidadoso ao reajustar preços como tarifas de energia e transporte, pois eles têm um grande impacto na inflação geral;
- Melhorar a eficiência da economia: investir em infraestrutura, educação e políticas que ajudem as empresas a produzirem mais e melhor (aumentar a produtividade) pode reduzir os custos de produção e, no longo prazo, ajudar a baixar os preços de forma sustentável;
- Diálogo entre políticas: é fundamental que o Banco Central e o governo federal trabalhem juntos, para que as políticas monetárias (juros) e fiscais (gastos e impostos) não "puxem" a inflação em direções opostas.
Conclusão
Esse estudo nos mostra que a inflação no Brasil é um fenômeno complexo, que vai muito além do simples “aquecimento” da economia. Embora o aumento da demanda possa influenciar o preço de alguns itens, como vestuário e serviços pessoais, a maior parte da inflação parece ser impulsionada por choques externos, preços administrados pelo governo e a forma como os contratos são corrigidos. Diante disso, a política de aumentar a taxa Selic, embora seja a principal ferramenta do Banco Central para controlar a inflação no Regime de Metas de Inflação, pode ter sua eficácia limitada em grande parte dos setores da economia brasileira.
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