É comum escutar histórias de locadores frustrados: o contrato chegou ao fim, o pedido de desocupação foi feito, mas o inquilino não saiu. E aí vem o desespero — junto com a dúvida: "O que eu posso fazer agora?" A resposta, embora possa parecer frustrante à primeira vista, é simples — e está amparada em lei: você não pode retomar o imóvel à força. Nem mesmo se o inquilino estiver inadimplente.
Sim, mesmo diante da violação contratual, o locador não pode agir com as próprias mãos. Isso porque o contrato de locação transfere a posse do imóvel ao locatário, e essa posse é protegida por lei, inclusive contra o próprio proprietário.
Contrato de locação: troca da posse por dinheiro
O contrato de locação é aquele em que se troca a posse do imóvel por uma quantia em dinheiro, por determinado tempo. Ao assinar o contrato e entregar as chaves, o locador transfere a posse do imóvel ao inquilino. A partir daí, o locatário passa a ter direitos legais no exercício dessa posse.
E é por isso que, mesmo que esse inquilino cometa violações, caso não haja um consenso em torno do desfazimento da locação, o desapossamento do imóvel só poderá ocorrer por ordem judicial.
O artigo 5º da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) é claro ao determinar que "seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.” Isso vale para qualquer situação: atraso no pagamento, descumprimento contratual, fim do contrato, venda do imóvel, ou mesmo a chamada “denúncia vazia”.
O locador não pode impor a rescisão do contrato
Mesmo se houver inadimplência, não é o locador quem decide quando o contrato acaba. É o juiz. Até porque o locatário inadimplente tem o direito de purgar a mora – ou seja: evitar o desfazimento da locação a partir do depósito de todo o valor devido na forma da lei.
Ou seja: se o contrato ainda estiver vigente, o locador não pode rescindir por conta própria. Se o contrato já terminou, o locador pode, sim, pedir a desocupação (a chamada denúncia), mas se o inquilino não sair espontaneamente, é preciso entrar com ação de despejo.
E atenção: isso vale mesmo que o locatário não esteja devendo nada. Nesse caso, o despejo se dá por denúncia vazia — quando o proprietário simplesmente não deseja mais manter a locação após o término do prazo, ou por denúncia cheia – no caso do desfazimento por um motivo justificado.
Retomar o imóvel à força pode gerar indenização
Muita gente se surpreende, mas a verdade é que, se o locador invadir, trocar a fechadura ou agir para tirar o inquilino à força - ainda que esse locatário esteja inadimplente – ele, o locador, poderá ser condenado a indenizar.
Isso porque o ordenamento jurídico brasileiro protege a posse contra atos arbitrários — mesmo que esses atos venham do legítimo dono do imóvel. A retomada só pode ocorrer de forma voluntária (com a entrega das chaves) ou por decisão judicial, ao final do processo de despejo.
A justiça como mediadora legítima
O que se busca com esse modelo legal é evitar abusos e preservar o equilíbrio nas relações contratuais. E aqui vai um ponto essencial para compreender essa lógica: mesmo que o inquilino esteja em falta, somente o Judiciário tem o poder de declarar a rescisão do contrato e determinar a devolução da posse.
Quando o juiz julga a ação de despejo procedente, ele declara o fim do contrato, e consequentemente a perda da posse pelo locatário, e, fixa um prazo para desocupação. Aí, sim, se o inquilino não sair dentro desse prazo, o oficial de justiça poderá cumprir o despejo — com auxílio de força policial, se necessário. Mas, até esse momento, o imóvel continua sob a posse legal do inquilino.
Haja sempre com respaldo legal
É absolutamente compreensível o desespero de quem tem um imóvel alugado e se vê sem receber o aluguel — ou sem conseguir reaver o bem. Mas a solução nunca será fazer “justiça com as próprias mãos”. A legislação existe justamente para evitar que o conflito pessoal escale para a violência ou para o abuso.
Por isso, agir dentro da lei é sempre o melhor caminho. Evita desgastes, previne prejuízos maiores, e, principalmente, preserva a integridade do contrato — e da própria justiça. A boa notícia é que, com informação, orientação profissional preventiva para evitar os contratempos, e a gestão capacitada das crises, é plenamente possível conciliar os interesses sem que o exercício de direitos de uns importe na violação do direito de outros.
MAIS RAQUEL QUEIROZ
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