Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Quem matou Sara?": novelão mexicano da Netflix se perde no fim

Série mexicana da Netflix, "Quem matou Sara?" mira nas obras de Agatha Christie, mas acerta em cheio na pegada das novelas produzidas no México

Vitória
Publicado em 30/03/2021 às 22h18
Atualizado em 30/03/2021 às 22h18
Série mexicana
Série mexicana "Quem Matou Sara?", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Sucesso na Netflix, "Quem matou Sara?" tem início com uma frase de Agatha Christie: "Poucos de nós são o que parecem ser". A referência é óbvia e só reforça o que o título já sugere, estamos diante de um whodunnit, ou seja, uma obra de mistério voltada para descobrir quem é o responsável por seu principal conflito, no caso da série, a morte de uma de suas personagens.

A série tem início com os momentos que antecedem a morte de Sara (Ximena Lamadrid), quando ela, o irmão, Alex (Leo Deluglio, na fase jovem), e os irmãos José Maria (Polo Morin, jovem) e Rodolfo Lazcano (Andres Baida, jovem) se aventuram com um paraquedas em uma lancha. O paraquedas se rompe e Sara despenca, o que a leva à morte. A cena não é das melhores, mas felizmente não dá o tom de toda a temporada.

Dezoito anos depois, encontramos Alex (Manolo Cardona) deixando a prisão. Ele levou a culpa pela morte da irmã e quer vingança contra toda a família Lazcano, uma das mais poderosas do México. Utilizando técnicas de programação que aprendeu no cárcere, ele invade o sistema de um dos cassinos da família no dia que Rodolfo (Alejandro Nones) tomaria posse como CEO e meio que conta a todos, na maior normalidade do mundo, que pretende se vingar e esclarecer os fatos que cercam a morte da irmã.

O desenrolar da narrativa é o esperado para uma obra do estilo, com alternâncias entre flashbacks e momentos presentes, como em um grande quebra-cabeças, para que o espectador e o próprio Alex remontem os acontecimentos para revelar o que realmente aconteceu, estrutura muito similar à de "White Lines", por exemplo.

Neste ponto, “Quem matou Sara?” é bem eficaz. Aparentemente todos os Lazcano, e também alguns funcionários da família, tinham motivos para querer a morte da jovem. A cada nova pista, um novo suspeito aparece nas investigações de Alex e o texto nos leva a crer, sem a menor sombra de dúvida, que aquela pessoa é a culpada.

Série mexicana
Série mexicana "Quem Matou Sara?", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Essas idas e vindas que marcam o gênero funcionam bem na série, mas a ideia de confundir a audiência é tão forte que o roteiro se esforça demais, exagerando em algumas situações e em composições de personagens. Cesar Lazcano talvez seja o grande epítome desse problema. O patriarca é um dos mais maldosos personagens já colocados em uma obra audiovisual, um vilão caricato, exagerado e incapaz de despertar qualquer tipo de simpatia. A impressão é de que ele seria capaz de chutar uma grávida desconhecida na rua antes de empurrá-la para baixo de um caminhão apenas por prazer.

Mariana (Claudia Ramirez), esposa de Cesar, não fica muito atrás do cônjuge. A mãe dos irmãos Lazcano só se distancia do marido pelas aparências e por uma postura supostamente mais conciliadora, mas também é construída com traços fortes, uma mistura de Carminha, Nazaré Tedesco e Raquel (a irmã gêmea da Ruth), mas que talvez encontre seu par na eterna Paola Bracho, personagem de Gabriela Spanic na novela mexicana “A Usurpadora”.

A comparação da série com as novelas brasileiras e mexicanas é inevitável, pois, em sua essência, “Quem matou Sara?” é um grande dramalhão mexicano filmado com estrutura e pegada de série. Com 10 episódios de pouco mais de 35 minutos cada, a narrativa se afunda nas subtramas e perde a oportunidade de investir na questão que dá título à série. Todo o arco de Clara (Fatima Molina) e sua relação com José Maria (Eugenio Siller) e Lorenzo (Luis Roberto Guzmán) é desnecessário e existe apenas para criar um núcleo narrativo próprio para um dos irmãos Lazcano, uma história que sobra na série, como se o conflito de José Maria com a família já não fosse forte o bastante.

Série mexicana
Série mexicana "Quem Matou Sara?", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O tempo gasto com as subtramas (há várias) faz falta no desenvolvimento da trama principal, na construção de personagens e na relação de Elisa (Carolina Miranda) com Alex. Quando algumas coisas começam a fazer sentido, fica claro que não chegaremos a uma resposta satisfatória, muito pelo contrário. “Quem Matou Sara?”, como uma boa novela, deixa tudo para o próximo capítulo, ou, no caso, para a próxima temporada - há até um “cenas da próxima temporada” ao final do décimo episódio.

“Quem matou Sara?” é uma jornada divertida principalmente se não for levada a sério em sua construção de personagens e das relações que servem apenas para “apimentar” a história. Quando a própria trama tenta se levar a sério, se perde no discurso e incorre até alguns problemas de discurso, como nas revelações finais sobre Sara e em todo arco de um personagem que ganha um episódio inteiro de flashbacks para justificar seus atos.

Série mexicana
Série mexicana "Quem Matou Sara?", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Ao fim, ao menos para nós, brasileiros acostumados aos dramalhões mexicanos, assistir à série é uma experiência interessante. Em sua primeira temporada, “Quem matou Sara?” é um novelão com todas as características que marcam as produções mexicanas, mas compactado dentro de 10 episódios, ou seja, com reviravoltas o tempo todo, todas as traições e coincidências possíveis e impossíveis e com o texto sempre em movimento.

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