Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Olhar Indiscreto": Série erótica da Netflix é muito ruim

Apesar do esforço de Débora Nascimento e de algumas boas ideias, minissérie brasileira "Olhar Indiscreto" se perde em trama rocambolesca e na necessidade de surpreender

Vitória
Publicado em 02/01/2023 às 00h25
Minissérie brasileira
Débora Nascimento é quem tenta salvar "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

“Olhar Indiscreto”, minissérie brasileira que chega à Netflix no primeiro dia de 2023, nem tenta esconder sua referência imediata, “Janela Indiscreta” (1954), de Alfred Hitchcock. O problema é que, tal qual as recentes obras inspiradas por um dos clássicos do diretor britânico (“The Voyeurs”, “A Mulher da Janela”, “A Garota do Trem”, entre outros), a trama estrelada por Debora Nascimento e Emanuelle Araújo sofre com um roteiro ruim, apesar da execução bem intencionada.

A minissérie tem em Miranda (Débora Nascimento) sua protagonista, uma solitária especialista em segurança digital cujo hobby é espionar a vizinha Cléo (Emanuelle Araújo), uma garota de programa que recebe seus clientes em casa. A série tem início no dia 31 de dezembro, com uma narração de Miranda dizendo ter se apaixonado por dois homens no ano que passou, mas agora um deles está morto. Não demora para um mascarado invadir sua casa aparentemente para assassiná-la.

O texto então volta ao começo dessa grande confusão, três meses antes, quando conhecemos um pouco mais de Miranda e descobrimos a verdadeira obsessão que ela tem pela vida da vizinha, estabelecendo sua rotina em função da programação de Cléo. Um dia, porém, tudo muda; a garota de programa viaja para um trabalho e precisa que Miranda cuide de seu cachorro, com idas à sua casa, pois o bichinho estranharia uma mudança brusca de ambiente.

Sozinha na casa que tanto observou, Miranda fantasia com tudo o que acompanhou nos últimos tempos. O problema é que logo surgem alguns clientes, entre eles Fernando (Nikolas Antunes), um bilionário bonitão por quem Miranda já havia desenvolvido uma atração à distância. Claro que os dois acabam se envolvendo após um primeiro encontro inesquecível.

Minissérie brasileira
Débora Nascimento e Emanuelle Araújo protagonizam "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

Chega a ser quase interessante, nesse momento, como o roteiro tenta desglamourizar a profissão de Cléo. Logo após o encontro com Fernando, outro cliente aparece, um sujeito não muito agradável bate à porta a fim de sexo, mas esse contraste não aparenta ser intencional. A Netflix inicialmente havia liberado dois episódios para a imprensa, mas este texto está sendo escrito após todos os episódios serem disponibilizados e assistidos. Essa informação é importante para reforçar a previsibilidade da série, pois, apesar de incontáveis viradas ridículas, a ideia final não é difícil de ser prevista, mesmo com todas as absurdas voltas que a minissérie dá.

“Olhar Indiscreto” tenta dar profundidade a Miranda, que pode ou não estar desenvolvendo a Doença de Huntington, uma doença hereditária incurável que afeta o raciocínio e a capacidade de cognição. O texto usa isso para ser didático ao extremo, com a protagonista gravando memórias e lembranças o tempo todo. Além disso, Miranda comenta o tempo todo o que estamos vendo em tela, acabando com qualquer subjetividade do roteiro e conferindo à narrativa um excesso de exposição.

Minissérie brasileira
Emanuelle Araújo vive a vizinha observada pela janela em "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

A minissérie tenta desenvolver outras tramas em paralelo e se perde quando tenta conectar tudo. Isso se dá muito em função do péssimo roteiro e da artificialidade de algumas atuações, como a do ator português ngelo Rodrigues, que vive Heitor, outro cliente de Cléo cuja vida particular se entrelaça à trama principal e à vida da protagonista.

Heitor vive com Miranda e Fernando um triângulo amoroso clássico. A protagonista acaba na dúvida entre a segurança e o bom-mocismo de Fernando e o risco do “perigoso” Heitor, que o roteiro tenta construir desde o início como um antagonista.

Minissérie brasileira
Nikolas Antunes e Débora Nascimento em "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

O texto usa o talento “hacker” de Miranda como solução para tudo; se uma nova personagem aparece, a protagonista rapidamente descobre quem é ela e qual sua ligação com o resto da trama - tudo isso, claro, narrando em sua cabeça tudo o que está sendo exibido em tela. O mesmo acontece para solucionar vários outros conflitos de forma imediata, sem dar peso a eles e já colocando a trama em outro modo.

Pior do que isso é o fato de o roteiro subestimar a inteligência e até a boa vontade do espectador com suas conexões e coincidências. O texto busca sempre a saída mais fácil para causar a surpresa, mas nunca desenvolve as viradas para que o espectador se sinta parte da revelação, elas são simplesmente jogadas de qualquer forma na esperança de surpreender e para colocar a série em outro rumo. Isso também é reforçado pela caricata atuação da polícia nos crimes da série, que sempre acabam em investigações para causar impacto, mas sem nunca chegar a lugar algum.

Minissérie brasileira
Débora Nascimento e Emanuelle Araújo protagonizam "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

“Olhar Indiscreto” sofre com uma direção ruim e/ou uma edição atropelada (a cena da orgia é totalmente picotada). A série oferece muitas ideias, muitos personagens, e parece não saber ao certo o que fazer com tudo isso. É como se tivessem pensado três temporadas e esmagado tudo até caber em dez episódios de cerca de 35 minutos cada. Dessa forma, a narrativa sacrifica qualquer peso, tornando as mortes de alguns personagens meros detalhes, muletas em função de novas viradas, pois depende desses acontecimentos para colocar tudo em movimento.

Algumas dessas viradas, vale ressaltar, são simplesmente risíveis, mais em função da péssima execução do que da ideia em si - se bem trabalhada, as viradas de Cléo, por exemplo, poderiam pelo menos ser levadas a sério. A personagem de Emanuelle Araújo passa boa parte da trama apenas como um detalhe; é curioso como os dois episódios iniciais a trabalham como uma coprotagonista, com algum senso de urgência, para depois deixá-la esquecida por três ou quatro episódios. O episódio final, mais longo que os outros, explica tudo, detalhadamente, caso alguém tenha perdido algo com todo o didatismo da narrativa.

Minissérie brasileira
Débora Nascimento e Emanuelle Araújo protagonizam "Olhar Indiscreto", série brasileira da Netflix. Crédito: Aline Arruda/NETFLIX

Minissérie de forte pegada erótica em sua essência, “Olhar Indiscreto” se sustenta na beleza e no talento de Débora Nascimento. É ela quem parece se entregar ao senso de proibido e perigoso que uma trama do gênero necessita, mas nunca é acompanhada por seus parceiros de cena. O olhar da diretora Luciana Oliveira é interessante, desconstruindo o olhar pornográfico masculino e apostando em uma erotização sob o olhar de uma mulher, colocando as personagens femininas sempre em posições de desejo, poder e controle. É importante ressaltar que equipe a produção foi formada em sua maioria por mulheres e contou com uma coordenadora de intimidade no set.

Ao fim, “Olhar Indiscreto” é muito ruim. A minissérie abraça todas as muletas possíveis em uma trama que se assimila às piores novelas mexicanas rocambolescas (que ao menos têm mais tempo para contar a história), um texto que tenta dar passos além de sua capacidade narrativa e tropeça feio.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Netflix debora nascimento Rafael Braz Streaming

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.