Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"A Garota do Trem": filme indiano da Netflix é horroroso

Produção indiana da Netflix, "A Garota do Trem" é refilmagem do filme estrelado por Emily Blunt em 2016, mas passa longe de ter a mesma qualidade

Vitória
Publicado em 02/03/2021 às 21h10
Atualizado em 02/03/2021 às 21h11
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Filme "A Garota do Trem", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Lançado em 2015, o livro “A Garota do Trem”, da britânica Paula Hawkins, foi um sucesso que permaneceu por 13 semanas na lista dos mais vendidos do “The New York Times”. Não demorou, assim, para que Hollywood o transformasse em filme no ano seguinte. O longa estrelado por Emily Blunt e dirigido por Tate Taylor (“Histórias Cruzadas”) não chega a ser um filmaço, mas é um eficaz thriller que teve críticas razoáveis e caiu no gosto do público no embalo do sucesso de “Garota Exemplar”, de David Fincher.

A história agora ganha uma nova versão, com o mesmo nome, lançada pela Netflix. Uma produção de Bollywood, a indústria de cinema indiana, “A Garota do Trem” leva a história de volta a Londres, onde foi concebida por Hawkins, mas é um filme constrangedor do início ao fim.

A premissa é a mesma: Mira Kapoor (Parineeti Chopra) é uma alcoólatra com episódios de amnésia e às voltas com o processo de divórcio. Para passar o tempo, ela pega diariamente um trem pelo qual, da janela, observa Nusrat (Aditi Rao Hydari), uma mulher com uma bela casa, filhos e um casamento perfeito. Um dia, porém, ela passa pela casa e vê Nusrat com outro homem.

Transtornada pela idealização destruída, ela resolve tirar satisfações com Nusrat - seu casamento, afinal, havia acabado por traição e ela não queria o mesmo para a família que servia de escape para ela. O problema é que ela acorda com uma grande ferida na cabeça e sem se lembrar de nada do que aconteceu naquela noite. O que ela fez ou o que fizeram com ela?

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Filme "A Garota do Trem", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

A nova versão de “A Garota do Trem” tem uma boa ambientação. A Londres do filme dirigido por Ribhu Dasgupta é multicultural e permite que o roteiro mergulhe de cabeça no estilo Bollywood, com um número musical que funciona surpreendentemente bem para apresentar dois dos protagonistas. A partir daí, no entanto, o filme perde o rumo. O texto alterna entre tentativas de suspense e momentos melodramáticos sem a menor sutileza, impedindo qualquer clima ou tensão.

Ao contrário do filme de Tate Taylor, o novo “A Garota do Trem” não faz com que a audiência se importe com sua protagonista, muito pelo contrário. A péssima e exagerada atuação de Parineeti Chopra contribui muito para isso - nunca realmente compramos Mira como uma alcoólatra e suas ações não parecem ter a ver com seus traumas passados. O roteiro também não ajuda, criando situações ridículas para a protagonista.

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Filme "A Garota do Trem", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O roteiro, vale pontuar, tenta criar um passado para Mira e seu marido, Shekhar (Avinash Tiwary), mas é tudo muito abrupto. Após a primeira virada do texto, que marca o fim do primeiro ato, nunca entendemos exatamente o que os levou até ali. Só mais adiante é que, de maneira extremamente expositiva, o filme explica tudo (tudinho mesmo) com flashbacks. Essa exposição é um dos grandes problemas de “A Garota do Trem”, pois acaba com todo o clima de suspense vendido pelo filme e com qualquer possível subjetividade - cada acontecimento em tela é devidamente explicado por um personagem.

A versão indiana de “A Garota do Trem” tem ares mais policialescos do que de suspense, mas o filme tampouco funciona como um policial. Tudo é muito fácil para Mira, que enfileira descoberta atrás de descoberta até o clímax do filme. Assim, essas descobertas acabam não tendo peso algum na narrativa. Por exemplo, em uma cena ela se lembra da placa de um carro e, no mesmo momento, já acessa o sistema, descobre de quem é o carro, já clica em um texto sobre a pessoa - o único peso dessa sequência é tão constrangedor que remete à internet de meados dos anos 1990.

Além de uma atuação ruim e de um roteiro desconexo, “A Garota do Trem” ainda sofre com algumas falhas toscas de continuidade, como o machucado exagerado na cabeça de Mira, que se transforma a cada cena, e uma Londres quase sempre vazia e sem vida. A edição também aposta em montagens musicais que, exceção feita à já citada cena de abertura, aproximam o filme de uma narrativa novelesca, tirando dele qualquer peso do texto.

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Filme "A Garota do Trem", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Em comparação à trama estrelada por Emily Blunt em 2016, o filme ainda elimina o peso de outros personagens na narrativa e, assim, tira dela um pouco de lógica, tornando a história ainda mais absurda. Enquanto o filme de Tate Taylor, mesmo com liberdades em relação ao livro de Hawkins, mantém a estrutura e as conexões entre os personagens, o filme de Ribhu Dasgupta aposta em coincidências, nunca preparando a audiência para as viradas finais (sim, são várias, nenhuma delas boa).

Não é o estilo de Bollywood que faz de “A Garota do Trem” um filme horroroso, na verdade, isso é o que o afasta do total desastre. O que estraga o lançamento da Netflix é a necessidade de parecer com um filme policial americano cheio de reviravoltas sem sentido, uma obra que não se importa com o material original e cheia personagens rasos com os quais não nos importamos por um momento sequer.

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