É médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio. Escreve às terças

Um beijo para o Gordo e um golaço de Neymar

Neymar, uma excelência no futebol e na arte, inverteu a saudação que Jô Soares fazia com o bordão “um beijo do Gordo”  e escreveu uma mensagem no próprio antebraço: “Um beijo no Gordo”

Publicado em 09/08/2022 às 02h00
Beijo do Gordo
Homenagem de Neymar a Jô Soares . Crédito: Reprodução

Em priscas eras, na adolescência, a turminha da Rua Paissandu sentava na calçada, mal caía a noite, para filosofar livremente sobre a vida, a morte e outras milongas mais. Uma das teses mais votadas era discutir as imperfeições humanas.

Os esquerdistas radicais achavam que Deus deveria ter caprichado mais ao realizar a obra do Paraíso, nós. Uma das teses era a critica à finitude da raça, o morrer sem desejar ou controlar. Sequer participar da construção física do próprio corpo que veio ao mundo, a não ser muito indiretamente, no ato da concepção.

Havia os radicais que sugeriam soluções para a incompletude do ser humano. Sugeriam a capacidade de desligar a si mesmo quando quisessem. Isso colocava o morrer nas mãos do dono.

Essa estranha e encantada senhora de preto, a morte, faz o que bem entende quando quer. Não dá muita bola para a medicina e outras mágicas a respeito da, digamos, solução final. As decisões a respeito não passam por nós outros.

“Morreu de repente”. Como assim, de repente? Alguns resolvem usar a onipotência e decidem uma data para proceder o próprio sumiço eterno. Mas que nada, na verdade não foi uma decisão do dono do corpo humano em questão, mas de sua onipotência contra a qual muitas vezes buscava lutar através de terapias. Não vale. Por mais qualificados que sejam os especialistas, não coloca a decisão nas mãos do ator.

A famosa “saudade”, que só vigora na língua portuguesa, não morre, e há quem diga que ela aumenta e melhora quando o objeto de tal forma de amar já morreu. É quando o sofrimento pode mudar de forma e cor e as moções de admiração tornam-se fáceis fazer e ainda é abençoada por uma lágrima que seja.

Neymar, uma excelência no futebol e na arte – pode falar quem quiser –, inverteu a saudação que Jô Soares fazia com o bordão “um beijo do Gordo” no final das aparições, e escreveu uma mensagem no próprio antebraço: “Um beijo no gordo”. Golaço, craque incomparável. Pode falar quem quiser.

Voltando às artes do morrer, do jeito que está a coisa, quem gostaria de ser consultado? Os elementos ligados diretamente à mente não morrem, nem que o proprietário ou proprietária da mesma queira. O citado Jô construiu uma despedida gravada e estava bem mais moço, assistiram? Editar a morte pode ser uma via. Mas não é. Na verdade não se pode nem sequer dirigir a vida enquanto vivo.

As aliadas do morrer à toa, como algumas autoridades que boicotam a única possibilidade de influência sobre o tempo de vida, a vacinação, ganham um espaço nesse emaranhado de incompetências sobre a existência da população indefesa.

As religiões sabiamente utilizam-se da morte, do nascer e do ser. Benza Deus. Nas letras das santificadas orações está a busca da unidade e da aceitação da impotência diante do poder da criação, que só os ditos loucos veem nas alucinações e delírios. E os mentirosos.

Uma amiga compositora sambista procedeu algumas alterações em um clássico da música popular brasileira. Nordestina da gota, compôs um apelo para ser cantado no próprio enterro: “Quero morrer numa catacumba bem funda pro urubu não comer a Raimunda”.

Amém

Dorian Gray, meu cão vira-lata, diz ter sido entrevistado pelo Gordo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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