É médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio. Escreve às terças

As rumbas saborosas de Cuba

Não fiz lá grandes perguntas sobre economia ou política, mas achei importante o acesso de todos aos lugares públicos. Ninguém passava fome ou ficava sem assistência médica ou escolar

Publicado em 25/07/2023 às 00h21

Um dia, cansado de me informar sobre os países poderosos e naturalmente gerentes do universo, resolvi conhecer Cuba. Era e é uma agonia turistar por lá. Cada avião que até Deus duvida, burocratas cheios de vistos de saída, de entrada, uma babaquice. Paramos um pouco na América Central, entramos em território cubano e, imaginem, não apareceu nenhum míssil e nem um comunista, uma decepção.

Éramos nós os brasileiros, um grupo razoavelmente informado sobre a situação cubana no mundo: inimiga do ocidente e amiga da Rússia (naquele tempo URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Eu, particularmente, ativei meu gosto pela medicina e fui visitar a clínica de tratamento de vitiligo. Um espetáculo de inteligência com os mínimos recursos.

Pousamos em Havana, e depois de ver um povo aparentemente pobre e feliz comer nos mesmos restaurantes de qualquer um e andar pela cidade em táxis que competiam com os carrões de Elvis Presley caindo aos pedaços, uma amiga se distraiu e fez a pergunta proibida: onde mora Fidel Castro? Eis um silêncio eloquente, e o motorista do Cadillac de 1950 disfarçou cantando La Bamba, Cuando Sali de Cuba, Cubanera, Cubanacan. Lindos trechos.

Fomos ver a Casa das Américas no bairro Lo Melocon, um monumento às vítimas do Maine, uma das guerrilhas de lá. Um imenso edifício, instituição cultural, construída em apenas quatro meses, após o triunfo da revolução cubana. Haydée Santamaria, uma das heroínas da luta, fundou a casa com o objetivo de promover intercâmbio entre artistas e escritores do continente.

Agora imaginem artistas plásticos na manufatura de charutos. Uma delícia. O “Transporte Camello” feito com três ônibus engatados uns nos outros parecia um trem do futuro em Marte. O “cocotaxi” era uma graça, adaptado de uma lambreta, lembram?  Um pedação de lona e criatividade, três passageiros e um sol a faiscar.

A comida é gostosa e barata para o povo que lida com uma moeda própria, o Cul só pode ser usado pelos cubanos. Os outros têm que se virar com dólar, geralmente. Nessa jogada Cuba dá de goleada. É bom ter um pouco de grana para frequentar as “Casas de La Trova”, clubes intimistas onde as pessoas ouvem música ao vivo, dançam e comem bem. Quem não conhece o Buena Vista Social Club. Um encanto, um sorriso só. Criadas em 1959, em quase todas as províncias, heranças dos músicos mais velhos e seus instrumentos de sopro e percussão, onde também se organizam palestras, conferências, leituras de poesia e exposições de arte, mantendo a tradição.

A Ilha vivia do cultivo da cana-de-açúcar. Não fiz lá grandes perguntas sobre economia ou política, mas achei importante o acesso de todos aos lugares públicos. Ninguém passava fome ou ficava sem assistência médica ou escolar. Mesmo. O índice de mortalidade infantil é baixíssimo.

Era sim uma sociedade risonha e franca. O Brasil era brigado oficialmente com Cuba por ordem dos americanos e não sei se ainda é. Mas o jeitinho levou o povo da paz para bailar o tempo todo e abrir uma porta de entrada para se mostrar aos turistas.

Então.

Aparece agora na minha memória o retrato da Carmen Miranda com vestimenta jamais superada por qualquer alegoria de escola de samba. Apareciam cantantes com todas as fantasias, e não havia violonista que não solasse uma rumba dedilhada com convicção.

Rua típica de Havana, a capital cubana
Rua típica de Havana, a capital cubana. Crédito: Divulgação

Uma noite na praia, cheia de estrelas – Varadero, acho - deu para avistar a olho nu luzes de Miami: um espetáculo.

Não sei quem foi o autor, mas a gente cantava no Brasil o versinho: Cuba vai lançar foguete, Brasil vai lançar também, Lança Cuba lança quero ver Cuba lançar.

Nunca entendi.

Dorian Gray, meu cão vira lata, tomou um porre de Cuba Libre.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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